🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Em audiência sobre IA no Senado, empresas buscam opor regulação e incentivo à inovação

Por Alexandre Aragão

25 de outubro de 2023, 18h35

A comissão do Senado que debate a regulação de inteligência artificial promoveu, nesta semana, duas audiências públicas em que representantes de empresas de tecnologia resgataram a falsa e surrada oposição entre regular e incentivar a inovação.

A Plataforma de hoje é sobre como o discurso de defesa da liberdade é usado para mascarar a defesa de interesses econômicos.


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🚀 IA: regulação, risco e inovação

“Ainda bem que é um projeto de lei ainda, se já estivesse em vigor, a gente não teria o ChatGPT”, especulou Loren Spíndola, que falou na comissão do Senado na última terça-feira (24), em nome da Abes (Associação Brasileira das Empresas de Software).

Segundo ela, o PL 2.338/2023, de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), “tem um viés totalmente negativo, pensando e focando somente no risco”, e não nas oportunidades de negócios geradas pelo uso de IA.

Desde a tramitação do Marco Civil da Internet, aprovado em 2014, as principais empresas de tecnologia envolvidas buscam opor a regulação do Estado a um ambiente saudável à inovação. Na época, esse discurso foi manejado principalmente para defender o conceito de neutralidade da rede, segundo o qual os dados que trafegam em uma rede devem ser tratados da mesma forma e com a mesma velocidade.

Uma reportagem publicada na Veja em novembro de 2013, representativa da cobertura da tramitação do Marco Civil, buscava explicar “por que é preciso manter a neutralidade na rede e por que é inócuo obrigar os provedores a fazer centros de armazenamento de dados no país, como quer o governo”, visão alinhada à das empresas de tecnologia.

A nota enviada pelo Google à revista ecoava o tom de defesa da liberdade, dizendo que a possibilidade de obrigar a empresa a manter dados no Brasil arriscava “limitar o acesso dos brasileiros a serviços de empresas americanas e de outras nacionalidades”.

Anos depois, com o Marco Civil em vigor, as mesmas empresas que advogaram pela neutralidade da rede fecharam acordos comerciais que, a princípio, violam a neutralidade da rede e coíbem a inovação.

Por exemplo: passou a ser possível — e é comum até hoje — a venda de pacotes de internet que incluem uso ilimitado de serviços como Instagram e WhatsApp, da Meta, ou Netflix. Não é necessário ser PhD em economia pela Universidade de Chicago para perceber como essa situação é problemática para novos entrantes e concorrentes.

No primeiro semestre, as plataformas mitigaram danos e conseguiram bloquear a votação do “PL das Fake News”. A bem-sucedida articulação contou com múltiplos fatores: a fragilidade da base do governo, o engajamento de parlamentares evangélicos e uma ofensiva nas redes contra deputados do Republicanos, entre outros.

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É possível regular e incentivar a inovação ao mesmo tempo. Um exemplo óbvio e recente é o Marco Legal das Startups, que é elogiado tanto por autoridades do governo como por empreendedores e investidores.

“Já existem as agências reguladoras. Se alguém vai usar inteligência artificial para desenvolver um novo medicamento, a Anvisa está aí para regular isso”, defendeu Affonso Parga Nina, presidente-executivo da Brasscom (Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação e de Tecnologias Digitais), na audiência desta quarta (25).

“A gente não precisa ter uma regulação da tecnologia em si, mas sim das aplicações que essa tecnologia traz”, ele continuou. “Nós não podemos desperdiçar essa chance criando um órgão regulador que vai obrigar todas as aplicações, por exemplo, a passarem por um crivo antes de irem a mercado, antes de serem aplicadas. Não podemos ter amarras para esse tipo de coisa.”

Para Loren Spíndola, da Abes, “a pergunta que a gente está fazendo é errada, a gente precisa pensar antes quais são todos os outros caminhos, o que nos leva até aqui, e aí depois a gente pensa em regular se e quando necessário”.

Não se trata de dispensar o que dizem as empresas como se as ponderações fossem única e exclusivamente em defesa dos próprios interesses. Até porque representantes do setor público também ressaltaram a importância de não coibir a inovação.

“O país precisa de uma estratégia para lidar com a inteligência artificial e, naturalmente, a regulação vai ser parte dessa estratégia, mas a estratégia deve ser debatida primeiro, até para que a regulação, eventualmente, não venha a conflitar com aquilo que se pretende para o desenvolvimento do país”, disse Rodrigo da Silva Ferreira, encarregado de proteção de dados da Casa da Moeda do Brasil, na audiência de terça (24).

“A estratégia deve ir primeiro e a regulação depois, na linha de ser parte, ser uma peça dessa estratégia”, continuou. “Cada nova tecnologia traz riscos. E, se uma nova tecnologia traz riscos, a regulação tem um papel importante para mitigar esses riscos.”

Abraão Balbino e Silva, superintendente-executivo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) — que disputa com outros órgãos uma sesmaria na regulação de IA —, defendeu na terça (24) que os debates sobre regulação da economia digital devem ocorrer no Congresso “de maneira estruturada, para que a gente consiga ter um arranjo institucional apropriado para toda a revolução digital”.

No entanto, por mais que haja algum mérito no que diz o setor privado, é necessário ficar diligente sobre quais são as reais intenções ao martelar a versão de que regulação é incompatível com incentivo à inovação.

Como o Marco Civil mostrou no passado — e como o PL 2.630/2020 mostrou no primeiro semestre —, as empresas mais poderosas do mundo estão dispostas a interditar debates e até a celebrar contratos que ignoram a legislação pela qual elas próprias fizeram lobby.

Colaborou Ethel Rudnitzki

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