🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

ANPD atua por orçamento maior em meio a PLs no Congresso para regular economia digital e IA

Por Alexandre Aragão e Ethel Rudnitzki

23 de agosto de 2023, 17h42

Enquanto projetos para regular empresas da economia digital tramitam no Legislativo, a ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados) aproveita a movimentação para tentar convencer outros órgãos públicos sobre a necessidade de ter um orçamento maior e mais servidores.

“A gente não fica parado”, resume o diretor-presidente da ANPD, Waldemar Gonçalves, em conversa com a repórter Ethel Rudnitzki e comigo. “A gente tem atuado junto ao Congresso, junto ao TCU [Tribunal de Contas da União], à Casa Civil, ao Ministério da Justiça.”

Ele salienta que a autoridade resguarda “um direito constitucional do cidadão, que é a proteção de dados”. “Para isso, tem que estar fortalecida, tem que ser proporcional ao desafio e ao país”, diz. “A nossa estrutura é desproporcional ao tamanho do desafio e ao tamanho do país.”

A Plataforma de hoje traz os principais trechos da entrevista com Gonçalves.

EM 3 FRASES:

  • “Em assumindo um encargo como regulação de plataforma, como tratamento de IA, nós necessitamos mexer na nossa estrutura — de mais orçamento, de mais pessoal.”
  • “[A primeira sanção] foi interessante para dar o recado de que não é porque é uma microempresa que está liberada de seguir as normas da LGPD.”
  • “Se você impedir uma big tech de tratar dados durante seis meses, você praticamente tira a empresa do mercado, porque a concorrência vai ocupar esse espaço.”

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🎲 ANPD atua por orçamento maior

Desde fevereiro, quando publicou o regulamento de dosimetria de sanções administrativas, a ANPD pode aplicar multas diárias de até R$ 50 milhões — valor maior que o orçamento anual autorizado para o órgão, que é de R$ 41 milhões em 2023.

Apesar da possibilidade de cifras superlativas, a ANPD começou pequena: em julho, aplicou sua primeira sanção a uma microempresa de telemarketing de Vila Velha (ES), que violou três artigos da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). Foram duas multas de R$ 7.200, totalizando R$ 14.400, além de advertência.

“Infelizmente, tem pessoas que aprendem só quando sentem na carne algum tipo de punição. Ficam esperando, acham que a lei não vai pegar”, comenta Gonçalves. “No principal, a lei pegou.”

Engenheiro eletrônico formado pelo IME (Instituto Militar de Engenharia) e coronel da reserva do Exército, Gonçalves presidiu a Telebras de janeiro de 2019 a outubro de 2020, quando foi indicado por Jair Bolsonaro (PL) para liderar a ANPD. O mandato dele vai até 2026.

“Para uma empresa de nível pequeno a médio, por exemplo, eu acho que R$ 50 milhões praticamente destrói a empresa”, ele afirma, ressaltando também que esse é o valor máximo para cada infração eventualmente cometida — “e normalmente há mais de uma infração”.

“Não foi esse o objetivo, mas é um recado que a gente passa de uma forma não proposital. A lei vale para todo mundo: vale para o setor público, para o setor privado, para a grande empresa, para a microempresa, dentro da sua escala.”


LGPD para todos. Gonçalves em audiência na Comissão de Comunicação e Direito Digital do Senado, na semana passada (Geraldo Magela/Agência Senado)

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“Tem coisas piores [do que multas] para uma big tech”, diz o diretor-presidente da ANPD. “Por exemplo, se você impedir uma big tech de tratar dados durante seis meses, você praticamente tira a empresa do mercado, porque a concorrência vai ocupar esse espaço.”

O foco de atuação, no entanto, não é necessariamente em punir. “A gente procura trazer a empresa para a legalidade de forma a conversar, a orientar, antes de tentar aplicar a sanção”, continua Gonçalves. Para ele, uma abordagem ostensiva “pode gerar mais problemas ao titular [dos dados pessoais] em termos de espera de solucionar os seus problemas”.

A LGPD completou cinco anos neste mês, e a data foi marcada por eventos promovidos pelo órgão e pela divulgação de dois relatórios. No balanço das atividades de monitoramento, há dados sobre os requerimentos recebidos e os processos de fiscalização instaurados no ano passado:

  • A autoridade recebeu 1.045 pedidos em 2022: 452 petições de titular e 593 denúncias;
  • O setor mais requerido foi o de plataformas digitais, seguido por financeiro, público e serviços;
  • O órgão instaurou 15 processos de fiscalização, sendo 9 relativos a órgãos públicos; 2 a serviços de armazenamento e comercialização de grandes bases de dados pessoais; 2 a plataformas digitais; e mais 2 relativos a outros setores.

Antes subordinada à Presidência da República, a ANPD ganhou em outubro do ano passado a condição de autarquia especial, que garante mais independência e maior segurança jurídica, com uma medida provisória editada por Bolsonaro e transformada em lei pelo Congresso.

A ANPD mantém influência nos debates mais relevantes — e o diretor-presidente defende que é necessário cortar “um cordão umbilical que ainda traz algum tipo de dependência, para atuar de forma mais rápida, mais próxima ao titular de dados, na defesa dos seus direitos”.

Além de acompanhar os projetos de lei que tratam de moderação de conteúdo (PL 2.630/2020) e de direitos autorais e remuneração ao jornalismo (PL 2.370/2019), a autoridade abriu consulta sobre transferência internacional de dados e invocou poderes no debate sobre regulação de inteligência artificial.

“Toda tecnologia nova que surgir será alimentada por dados pessoais e dados não pessoais. O que nós temos mostrado para o Congresso, participando nos diversos eventos, é exatamente isso”, afirma Gonçalves.

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Em maio, a ANPD recebeu uma petição questionando se o uso de dados pessoais pela OpenAI, dona do ChatGPT, viola a legislação do Brasil.

  • Autor do pedido, o advogado e professor da FGV Luca Belli detalhou seus argumentos em artigo no JOTA;
  • Ele conta ter feito uma pergunta sobre si próprio à ferramenta de IA generativa e recebido uma resposta com informações pessoais de sua carreira e cidade de moradia, misturadas a alegações falsas, mas escritas de maneira convincente;
  • Em entrevista ao Aos Fatos, Belli disse que a petição foi arquivada e fez críticas ao órgão;
  • “A ANPD não somente tem a obrigação de regular [o uso de dados pessoais], mas também tem a vontade de ser uma autoridade extremamente fundamental para a proteção, para a regulação da IA no Brasil”, afirmou;
  • “Não aproveitar essa ocasião [para fiscalizar a OpenAI] me parece gastar uma enorme oportunidade”;
  • Questionada, a autarquia declarou que “as informações extraídas do requerimento [de Belli] foram incluídas como subsídio para o planejamento das ações de fiscalização”;
  • No início do mês, antes de arquivar o pedido, a ANPD abriu um processo para apurar a extensão do incidente de vazamento de dados de usuários brasileiros do ChatGPT.

Uma comissão específica foi criada no Senado para debater os projetos de lei sobre regulação de IA já apresentados, sendo que o mais importante é fruto de articulação do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O desejo da ANPD por mais dinheiro e servidores passa necessariamente pelo Congresso, levando em conta não apenas a tramitação da lei orçamentária — disputa recorrente em todo final de ano —, mas também as decisões e indecisões nos projetos citados nesta edição.

Gonçalves pondera que a legislação sobre IA “é algo que tem que ser tratado com bastante responsabilidade”, para não incorrer no erro de “inibir a parte de inovação de uma nova tecnologia”.

Mas essa é uma missão que, caso suas demandas sejam atendidas, ele avalia que a ANPD será capaz de executar. “Estamos nos capacitando justamente para assumir esse encargo. Essa é a mensagem principal que queremos levar.”

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