Carlos Magno

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

O que é fato e ficção no discurso de Wilson Witzel após ser afastado pelo STJ do governo do Rio

Por Luiz Fernando Menezes, Bernardo Barbosa, Priscila Pacheco e Amanda Ribeiro

28 de agosto de 2020, 16h27

O governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), citou informações falsas e imprecisas no pronunciamento feito nesta sexta-feira (28) após a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que o afastou do cargo em razão de denúncias de corrupção. Não é verdade que partiu dele a iniciativa de suspender os pagamentos a uma das organizações sociais investigadas na Saúde nem que seu governo foi o que mais investiu nessa área até agora.

Em resumo o que checamos:

1. É falso que a decisão de suspender os pagamentos à organização social Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde) partiu de Witzel. Na verdade, a interrupção dos repasses se deu após pedido do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro);

2. Também não procede que, em 2019, o governo do Rio gastou R$ 7 bilhões com Saúde e que esse valor seria o mais alto registrado até hoje. Segundo o Portal da Transparência, foram R$ 5,4 bilhões, menos que em 2011, 2012, 2013 e 2014, considerando a inflação;

3. Por mais que Witzel tenha afastado o ex-secretário de Saúde Edmar Santos, investigado por desvios de dinheiro público, o governador omitiu no pronunciamento que nomeou o auxiliar para outro cargo no mesmo dia e só voltou atrás após decisão judicial;

4. Witzel não baniu as organizações sociais do Estado do Rio, como afirmou. No último dia 19, ele anunciou a substituição do modelo de gestão dos hospitais para uma fundação pública, mas ressaltou que a mudança será gradual, ao longo dos próximos dois anos;

5. O ex-presidente Michel Temer não foi absolvido de uma acusação de obstrução da Justiça pelo STF (Supremo Tribunal Federal), como disse Witzel. O caso foi remetido à primeira instância quando ele deixou o governo e, no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), um pedido de vista interrompeu o julgamento nesta terça-feira (25);

6. Não há registros públicos que atestem que eram milicianos os mais de 400 presos pela Polícia Civil do Rio nesta terça-feira (25). O comunicado do governo fluminense sobre a operação não especifica quantos dos detidos são ou não integrantes de milícias;

7. O presidente Bolsonaro de fato acusou Witzel de perseguição à sua família. Em 2 de novembro de 2019, por exemplo, o mandatário disse que Witzel agiu para incluir seu nome nas investigações sobre a morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL);

8. É verdade que Witzel exonerou Gabriell Neves, ex-subsecretário executivo de Saúde, logo após as denúncias de que o governo teria gasto cerca de R$ 1 bilhão em contratos sem licitação;

9. Também é fato que o governador, por meio de decreto estadual, determinou à CGE (Controladoria-Geral do Estado) auditorias nos contratos relativos ao combate à pandemia;

10. Se retomar o cargo, o governador deve sim escolher um novo procurador-geral do estado em dezembro de 2020, fim do mandato do atual ocupante do cargo, Eduardo Gussem.


FALSO

[Determinei] a suspensão do pagamento [ao Iabas]

É FALSO que partiu de Witzel a decisão de suspender os pagamentos à organização social Iabas (Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde). A decisão partiu, na verdade, do TCE-RJ (Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro). Em 27 de maio, um dia depois da Operação Placebo, da PF (Polícia Federal), o tribunal atendeu um pedido de sua Secretaria Geral de Controle Externo e ordenou que o governo fluminense interrompesse os repasses.

Durante a pandemia, o Iabas foi contratado para gerir hospitais de campanha criados no estado do Rio para atender pacientes de Covid-19. Na decisão que ordenou a suspensão dos pagamentos, o conselheiro-substituto Christiano Lacerda Ghuerren afirmou que o Iabas não demonstrou ter “qualificação como Organização Social de Saúde (OSS) compatível com a área de atuação especificada”.

Ainda segundo Ghuerren, não havia "definição da quantidade de leitos a serem disponibilizados; das especificações, quantitativos e valores de referência; bem como da insuficiente estimativa de preços, o que vai de encontro aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, e da economicidade”.


FALSO

Antes da pandemia nós investimos R$ 7 bilhões na Saúde do estado. Nunca se investiu tanto dinheiro.

É FALSO que o governo do Rio investiu cerca de R$ 7 bilhões na Saúde em 2019, como afirma Witzel. Tampouco é real que o valor aplicado na área no ano passado foi superior ao dos anos anteriores.

Segundo os dados do Portal da Transparência do Estado do Rio de Janeiro, em 2019 o governo gastou R$ 5,41 bilhões com a função “Saúde”, em valores corrigidos segundo o IPCA (Índice de Preços para o Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação. Os R$ 7 bilhões eram a cifra prevista inicialmente no Orçamento.

O valor pago em 2019 não supera as despesas de 2011, 2012, 2013 e 2014. Em valores corrigidos, o estado investiu nesses anos, respectivamente, R$ 5,48 bilhões, R$ 5,63 bilhões, R$ 5,97 bilhões e R$ 6,26 bilhões.


IMPRECISO

Eu afastei o secretário de Saúde [Edmar Santos].

De fato, em 18 de maio, Witzel exonerou Edmar José Alves dos Santos do cargo de secretário da Saúde, como consta no DOERJ (Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro). Ele omite, porém, que realocou o auxiliar como secretário extraordinário de acompanhamento das ações governamentais integradas da Covid-19. Por esse motivo, a declaração foi considerada IMPRECISA.

A nomeação para o novo cargo foi suspensa pelo governador em 27 de maio para cumprir uma decisão da 6ª Vara da Fazenda Pública do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro). Santos tinha sido acusado pelo ex-subsecretário de Saúde Gabriell Neves de ter conhecimento das contratações fraudulentas para montagem de hospitais de campanha.

O governo do Rio de Janeiro chegou a anunciar que iria recorrer da decisão, mas antes disso Santos pediu demissão. No começo de julho, a Justiça determinou a quebra de sigilo do ex-secretário e, no dia 10 de julho, ele foi preso.


IMPRECISO

Eu que determinei o banimento das OSs do nosso estado.

A declaração é IMPRECISA porque apesar do governador ter anunciado o "banimento"de Organizações Sociais na área da Saúde, a medida ainda não foi efetivada e segundo o próprio governador se dará de maneira gradual.

No dia 19 de agosto, Witzel usou o Twitter para anunciar que havia determinado ao secretário estadual de Saúde, Alex Bousquet, “a substituição da gestão dos hospitais estaduais, atualmente feita pelas Organizações Sociais, para um novo modelo de gestão, o da Fundação Saúde”.

No entanto, na mesma sequência de tweets, Witzel disse também que “a mudança será feita de forma planejada, pelos próximos 2 anos, de modo a não afetar o atendimento à população”. Assim, não é possível falar em “banimento”, já que se tratará de uma medida gradual e ainda longe de ser concretizada.

Apesar do anúncio da mudança de modelo e do “banimento” alardeado por Witzel, há menos de dois meses a Secretaria de Estado de Saúde anunciava em seu site a liberação de R$ 126,5 milhões para hospitais e UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) geridas por OSs.

Em abril, o TCE-RJ ordenou que o estado do Rio suspendesse contratos com OSs para a administração de dois hospitais estaduais diante de “fortes indícios da existência de irregularidade”. Somados, os valores dos contratos ultrapassavam R$ 86 milhões.

Segundo Witzel, “a passagem da OS para a Fundação vai proporcionar melhor utilização dos recursos e aumento da transparência”. O governador não deu detalhes de como isso deve ocorrer.

A Fundação Saúde é diretamente ligada ao governo fluminense e já é responsável pela gestão de parte da rede estadual de saúde. No ano passado, a entidade teve despesa total de R$ 562 milhões, segundo balanço divulgado em seu site, e recebeu R$ 391,9 milhões do estado do Rio, de acordo com relatório de execução anual.


IMPRECISO

O processo contra o ex-presidente Temer, recentemente no STF foi absolvido.

O governador provavelmente faz referência a um processo que acusa o ex-presidente Michel Temer (MDB) de obstrução da Justiça e tramita atualmente no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região). Em votação na última terça-feira (25), os desembargadores do tribunal formaram maioria pela absolvição do político, contestada pelo Ministério Público em recurso na primeira instância. A sessão, no entanto, acabou sendo interrompida por pedido de vista de uma das integrantes da turma, a desembargadora Monica Sifuentes.

Antes tramitando no STF (Supremo Tribunal Federal), este e outros três inquéritos do ex-presidente foram enviados à primeira instância no início do ano passado. Isso ocorreu porque, com o fim do mandato, Temer perdeu o direito ao foro privilegiado. Por isso, a declaração do governador do Rio é IMPRECISA.


IMPRECISO

A Polícia Civil do Rio de Janeiro prendeu há 3 dias atrás (sic) quase 400 milicianos.

Na terça-feira (25), a Polícia Civil informou a prisão de 416 pessoas em uma operação de combate a roubos de carga e de veículos, assim como de receptação e latrocínio (roubo seguido de assassinato). A declaração de Witzel é IMPRECISA porque a Polícia Civil não especificou se todos os presos eram milicianos.

Em comunicado sobre a operação, o governo fluminense não deixa claro se os presos são milicianos, mas afirma que o crime organizado — tanto o tráfico de drogas quanto a milícia — é o maior responsável pelos roubos no estado.

“As investigações constataram que o crime organizado de tráfico e milícia é responsável por cerca de 79% dos roubos de veículos praticados na Capital, 73% na Baixada e 84% em Niterói e São Gonçalo. Em relação aos roubos de cargas, tem participação em pelo menos 65% dos roubos na Capital, 64% na Baixada e 62% em Niterói e São Gonçalo”, diz a nota.


VERDADEIRO

[Jair Bolsonaro] Já me acusou de perseguir a família dele.

É verdade que, em declarações públicas, o presidente Jair Bolsonaro acusou o governador do Rio de perseguição à sua família. Em 2 de novembro de 2019, o mandatário disse que Witzel agiu para incluir seu nome nas investigações sobre a morte da vereadora carioca Marielle Franco (PSOL): “Tudo quanto é amigo meu estão sendo investigados agora lá no Rio de Janeiro”.

No fim daquele mês, durante um evento da sigla que bolsonaristas pretendem criar, a Aliança pelo Brasil, o presidente afirmou que o governador do Rio usava a Polícia Civil para destruir sua família. “A minha vida virou um inferno depois das eleições do senhor Wilson Witzel, lamentavelmente. Tenta destruir quem está do meu lado e a minha família a todo custo, usando a Polícia Civil do Rio de Janeiro, ou parte da Polícia Civil do Rio de Janeiro”.

As declarações foram dadas depois de o porteiro do condomínio Vivendas da Barra, onde Bolsonaro mora no Rio, ter dito em depoimento que o ex-PM Élcio Vieira de Queiroz, suspeito de matar Marielle e o motorista Anderson Gomes, havia pedido para ir à casa do presidente, mas seguiu para a residência de Ronnie Lessa, outro acusado do crime.


VERDADEIRO

Eu que exonerei o Gabriell Neves.

A exoneração de Gabriell Neves do cargo de subsecretário executivo de Saúde foi publicada na edição de 20 de abril do DOERJ (Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro), na seção “Atos do Governador”.

Neves foi afastado logo após denúncias de que o governo estadual teria gasto R$ 1 bilhão em contratos emergenciais sem licitação. Em nota ao G1, o Palácio Guanabara disse que decretou o afastamento para evitar suspeição ou interferência nos processos de auditoria externa.


VERDADEIRO

Eu determinei auditoria em todos os contratos [relativos à pandemia].

Em 17 de abril deste ano, Witzel assinou o decreto estadual 47.039, que determina à CGE (Controladoria-Geral do Estado) “a realização de avaliações dos atos de controle para o enfrentamento da propagação e medidas decorrentes do Covid-19 que incorram em saída, ainda que futura, de recursos públicos”, assim como a avaliação preventiva de “riscos identificados nos procedimentos de contratações e aquisições realizadas pelos Órgãos e Entidades do Poder Executivo Estadual”.

O mesmo decreto também determina que “as avaliações preventivas serão realizadas pela Auditoria Geral do Estado (AGE) mediante o acompanhamento das medidas adotadas

pelas unidades gestoras quanto às suas contratações e aquisições”, e que “o acompanhamento da AGE se dará mediante avaliação e uso de técnicas de auditoria, considerando critérios de risco, relevância e materialidade”.

O decreto foi publicado seis dias depois do afastamento de Gabriell Neves, então subsecretário-executivo de Saúde, devido a denúncias de irregularidades. Neves veio a ser preso em maio.


VERDADEIRO

Em dezembro eu tenho que escolher um novo procurador-geral da Justiça.

De fato, o governador do Rio de Janeiro deve escolher um novo procurador-geral do estado em dezembro de 2020, fim do mandato do atual ocupante do cargo, Eduardo Gussem. De acordo com a lei complementar estadual nº 106/2003, o cargo de procurador-geral é nomeado pelo governador “dentre integrantes da carreira, com mais de dois anos de atividade (...) para mandato de dois anos, permitida uma recondução". A legislação estadual também determina que o governador deve escolher obrigatoriamente um dos nome indicado na lista tríplice dos candidatos mais votados pelos procuradores e promotores na ativa do Ministério Público do Rio de Janeiro.


Outro lado. O Aos Fatos entrou em contato com a assessoria de imprensa de Wilson Witzel que, até o momento, não se manifestou.


Matéria alterada no dia 29 de agosto, às 14h28, para corrigir o dispositivo legal que regulamenta a nomeação de procurador-geral do Rio de Janeiro e os requisitos para assumir o cargo. Diferente do que informamos anteriormente, o nomeado pelo governador do ao cargo de procurador-geral do estado precisa ter carreira no Ministério Público e precisa ser um dos nomes da lista tríplice. Essas determinações constam na lei complementar estadual nº 106/2003. A correção não altera o selo da checagem.


Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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