🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Com votação prometida por Lira, projeto fatiado do ‘PL das Fake News’ ainda tem impasses

Por Gisele Lobato e Tai Nalon

11 de agosto de 2023, 19h02

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse na quinta-feira (10) que o PL 2.370/2019, que tratava originalmente apenas do pagamento de direitos autorais por plataformas digitais, como serviços de streaming, deve ser incluído na pauta de votação na próxima semana.

  • De autoria da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), o projeto avançou em meio à tentativa de contornar impasses na negociação do PL 2.630/2020, o “PL das Fake News”;
  • O plano das lideranças da Câmara foi fatiar trechos antes concentrados na proposta de regulação das redes, a fim de possibilitar a aprovação — o pagamento de direitos autorais é um desses temas;
  • Além do pagamento de direitos autorais, o projeto passou a incluir outros tópicos retirados do PL 2.630/2020, como a remuneração ao jornalismo por plataformas digitais e os deveres da publicidade digital;
  • Além disso, no parecer que o relator Elmar Nascimento (União-BA) está preparando para apresentar na próxima semana pode constar também a previsão de que empresas que raspam conteúdo jornalístico para treinar modelos de IA (inteligência artificial) também sejam obrigadas a pagar por isso, segundo o Aos Fatos apurou.
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Apesar de Lira dar a negociação em relação ao pagamento de direitos autorais como concluída, ainda não há consenso mesmo em relação a esse ponto, de acordo com fontes ouvidas pela reportagem.

  • Na quarta (9), Feghali disse ao jornal O Estado de S. Paulo que “acolhemos o argumento da radiodifusão na diferenciação com as plataformas internacionais e fizemos uma proposta de acordo, que, a princípio, eles toparam em relação a essa diferenciação e a uma transição para cumprir a lei”;
  • Segundo a deputada, faltaria apenas um novo parecer de Nascimento “para que a gente possa votar na semana que vem”;
  • Para Lira, alcançar um consenso era requisito necessário para colocar o projeto em votação;
  • No entanto, representantes da radiodifusão ouvidos pelo Aos Fatos dizem que a negociação pode ser reaberta caso tenha havido um mal entendido em relação aos conteúdos abrangidos pelo projeto;
  • Segundo relatam, as empresas demonstraram disposição de aceitar o prazo de três anos para iniciar os pagamentos dos direitos aos artistas pela exibição de obras em plataformas de streaming. Elas haviam proposto inicialmente 12 anos de carência;
  • Porém, o setor diz que só aceita fazer o pagamento para conteúdos audiovisuais contratados após a nova lei — o que contraria o interesse dos artistas;
  • A demanda das empresas é que o acervo de novelas e outros programas antigos não dê direito à remuneração, posição que, no entendimento delas, ficou clara e teria sido acolhida pelos representantes dos artistas.

A expectativa dos parlamentares é que a votação do “PL das Fake News” só volte a ser discutida após a aprovação do PL 2.370/2019.

A seguir, o Aos Fatos detalha os três eixos principais do projeto e os nós que precisam ser desatados em cada um deles:

  1. Direitos autorais
  2. Remuneração ao jornalismo
  3. Deveres da publicidade digital
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DIREITOS AUTORAIS

O PL 2.370/2019 trata do pagamento de direitos autorais pela transmissão de obras artísticas em plataformas na internet. O principal ponto em discussão diz respeito aos chamados “direitos conexos”.

  • Os direitos conexos são paralelos aos dos autores de uma obra;
  • No caso da música, os compositores da canção são seus autores e, por isso, têm os direitos autorais, que podem ser negociados com as gravadoras;
  • Já um guitarrista que foi convidado para participar da gravação da peça no estúdio, por exemplo, tem direitos conexos;
  • No audiovisual, os direitos conexos pertencem a atores, técnicos e outros profissionais que atuaram em uma obra, mas não são seus autores.

Atualmente, no caso da música, os profissionais do setor recebem remuneração pelo uso público das músicas em que trabalharam. Esse pagamento é centralizado e distribuído pelo Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), instituição privada sem fins lucrativos responsável pelo recolhimento e distribuição de direitos autorais de músicas em todas as plataformas, desde apresentações ao vivo até execuções no streaming.

Entretanto, músicos que atuam em canções, mas não são os detentores de seus direitos autorais, hoje não recebem royalties pela execução das obras em plataformas digitais, o que o PL 2.370/2019 pretende mudar.

Atualmente, a distribuição da música nas plataformas é feita por meio de acordo com seus titulares — que em muitos casos são as gravadoras, e não os artistas. Nesta semana, a Pro-Música Brasil, entidade que representa essas empresas, divulgou nota à imprensa se opondo ao projeto, dizendo que a proposta “pode colocar em risco o mercado de música digital brasileiro”.

No caso do audiovisual, há alguns anos já se tenta implementar um pagamento pelas exibições de filmes, séries e novelas similar ao que existe há décadas para a música. Enquanto isso, a remuneração pelo trabalho se limita à que foi determinada no contrato. Com o novo projeto, atores, diretores e roteiristas passariam a ter direito a uma remuneração periódica pela exibição de seus trabalhos em plataformas de streaming e conteúdo on demand.

É nesse ponto que o PL 2.370/2019 conflita com os interesses das emissoras de televisão, que nos últimos anos têm apostado em plataformas digitais próprias para distribuir seus acervos. A principal interessada nessa discussão é a Globo, cuja plataforma de streaming, o Globoplay, ultrapassou a Netflix em número de usuários no Brasil, de acordo com a Kantar Ibope Media.

  • As televisões defendem que os valores firmados em contratos com os artistas já seriam a remuneração pelo trabalho deles;
  • No caso de obras mais recentes, alegam, esses contratos já incluem transmissões pela internet;
  • Por esse motivo, sugerem que podem levar o tema ao Judiciário caso o projeto passe abrangendo obras audiovisuais anteriores à aprovação do texto.

Ainda que seja possível chegar a um acordo entre as empresas de radiodifusão e a classe artística, a forma como as negociações estão sendo conduzidas desagrada as plataformas digitais maiores, que não são vinculadas às emissoras brasileiras e que não seriam beneficiadas pela moratória de três anos para o início dos pagamentos.

Uma fonte do setor ouvida pelo Aos Fatos sugere que as plataformas podem judicializar o caso se a lei for aprovada, sob o argumento de que a diferenciação de tratamento entre as empresas brasileiras e estrangeiras fere acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

REMUNERAÇÃO AO JORNALISMO

A remuneração do conteúdo jornalístico pelas plataformas estava prevista no “PL das Fake News”, mas deverá ser votada no projeto que trata dos direitos autorais.

Segundo o Aos Fatos apurou, atualmente se discute se serviços de inteligência artificial devem ser incluídos entre as plataformas digitais obrigadas a remunerar empresas jornalísticas. A inclusão seria baseada no fato de que textos jornalísticos servem de base para treinar modelos de IA e, caso aprovada, dependerá de regulamentação posterior.

O tema tem o respaldo das empresas de radiodifusão, mas sua inclusão no relatório do PL 2.370/2019 dependeria de entendimento político, já que seria um ponto a mais para ser negociado com as empresas de tecnologia.

Independentemente de abranger ou não serviços de IA, o relatório atual do PL 2.370/2019 avança em relação ao que havia sido proposto no parecer do “PL das Fake News”. Enquanto o texto do relator Orlando Silva (PCdoB-SP) deixava os critérios da remuneração para uma regulamentação posterior, a última versão do parecer de Elmar Nascimento antecipa essa discussão.

O relatório do PL 2.370/2019 estabelece que, caso não haja acordo entre as empresas jornalísticas e as plataformas digitais sobre os valores devidos, um órgão de arbitragem deverá decidir com base no volume de conteúdo produzido pelo veículo de imprensa, em sua audiência nas plataformas digitais e na quantidade de jornalistas com registro em carteira que emprega.

Embora o rol não seja taxativo — ou seja, outros critérios poderão ser adicionados durante uma futura regulamentação da lei —, o texto levanta preocupações de entidades que representam veículos não ligados aos grandes conglomerados de mídia.

“Em um país historicamente marcado pela concentração nas comunicações, as regras de remuneração de veículos jornalísticos por plataformas digitais não podem reproduzir ou intensificar a concentração no setor”, diz nota conjunta assinada por ABI (Associação Brasileira de Imprensa), Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Coalizão Direitos na Rede e Ajor (Associação de Jornalismo Digital) — esta última, da qual o Aos Fatos é associado.

DEVERES DA PUBLICIDADE DIGITAL

A pedido das empresas de radiodifusão, o novo relatório do PL 2.370/2019 deve incluir também o capítulo do “PL das Fake News” que trata dos deveres das plataformas em relação à publicidade digital.

Fontes do setor disseram ao Aos Fatos que a inclusão desse tema no projeto que trata dos direitos autorais havia sido acordada com líderes da Câmara em maio. Entretanto, nesta semana, o deputado Orlando Silva afirmou à reportagem que o assunto ainda não estava 100% fechado. “Estamos construindo. O importante é viabilizar a aprovação do PL 2.370/2019”, disse.

Se for incorporado ao projeto dos direitos autorais, o texto sobre a publicidade digital pode sofrer alguns ajustes, mas deve manter os principais pontos previstos no relatório do “PL das Fake News”:

  • Os anunciantes seriam obrigados a enviar às plataformas documentos para comprovar suas identidades;
  • As plataformas digitais teriam que identificar todos os anúncios veiculados, bem como os responsáveis por eles;
  • Os usuários teriam o direito de saber quais os critérios que levaram a plataforma a exibir determinado anúncio para ele;
  • Também passariam a poder consultar todas as propagandas com que teve contato nos últimos seis meses.

Outra medida prevista no texto é a obrigação de as plataformas criarem bibliotecas de anúncio públicas, que tragam informações sobre os anunciantes e a audiência das propagandas. Esse mecanismo de transparência permite que se fiscalizem abusos por parte dos anunciantes, como propagandas fraudulentas, bem como falhas na moderação de publicidade das plataformas que estejam permitindo que essas publicidades fiquem no ar.

Embora tenha relação com a publicidade digital, o PL 2.370/2019 não deverá incorporar a responsabilização das plataformas pelo conteúdo pago. O tema deverá ser mantido no PL 2.630/2020 que, com o fatiamento, passará a concentrar os pontos que geram mais resistência entre os deputados. O principal impasse do projeto hoje é definir qual será o arranjo regulatório responsável pela fiscalização do cumprimento da lei, tema de uma consulta do CGI.br (Comitê Gestor da Internet).

Referências:

1. Agência Câmara
2. O Estado de S. Paulo
3. Agência Brasil
4. Terra
5. Mundo Conectado
6. Coalizão Direitos na Rede
7. Aos Fatos (1 e 2)

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