Ex-assessor de Bolsonaro preso pela PF mentiu sobre estágio no TSE para descredibilizar a urna eletrônica

Por Gisele Lobato

9 de fevereiro de 2024, 17h30

Preso na quinta-feira (8), o ex-assessor especial de Assuntos Internacionais de Jair Bolsonaro (PL), Filipe Martins, mentiu sobre um estágio que fez no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na tentativa de descredibilizar a segurança da urna eletrônica. A declaração falsa foi feita em uma entrevista ao influenciador Bruno Aiub, o Monark.

As afirmações foram repetidas por Martins menos de 20 dias antes da reunião convocada por Bolsonaro para, segundo a PF (Polícia Federal), cobrar de ministros “conduta ativa na promoção da ilegal desinformação e ataques à Justiça Eleitoral”.

Na conversa com Monark, Martins disse ter sido “assessor internacional no TSE” durante as eleições de 2014 e que havia assumido o cargo “justamente porque já tinha desconfiança sobre as urnas eletrônicas”. No entanto, ele foi apenas estagiário na área internacional do tribunal.

Martins também relatou ter testemunhado eventos que ocorreram em 2013 e em 2016, fora do período em que estagiou no TSE.

O ex-assessor de Bolsonaro foi preso na Operação Tempus Veritatis da PF sob a suspeita de ser o responsável por entregar ao ex-presidente uma minuta de golpe de Estado. Seu nome foi citado na delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Martins é apontado como um dos mentores do chamado “gabinete do ódio”, grupo que difundia nas redes desinformação sobre adversários do ex-presidente.

Estagiário. As afirmações infundadas sobre o processo eleitoral foram feitas por Martins em 17 de junho de 2022, durante entrevista ao podcast Monark Talks. Aiub está com suas redes bloqueadas desde o ano passado sob acusação de difundir notícias fraudulentas e instigar os ataques de 8 de janeiro às sedes dos Três Poderes, em Brasília.

Durante 25 minutos, Filipe Martins descreveu episódios que supostamente teria presenciado durante sua passagem pelo tribunal, a fim de questionar a segurança da votação no país.

As afirmações, porém, eram deturpadas, a começar pela própria função que exerceu na instituição. Em vez de “assessor”, Martins atuou apenas como estagiário da assessoria de assuntos internacionais do TSE, entre 16 de julho de 2014 e 18 de fevereiro de 2015. Quando ingressou no órgão, tinha 26 anos.

Apesar da pouca experiência, Martins afirmou a Monark ter presenciado dentro do TSE eventos importantes, que justificariam as suspeitas sobre a integridade eleitoral. Um dos episódios seria uma suposta recusa do Paraguai em adotar o sistema brasileiro de voto eletrônico após testes com as urnas. Na sua versão, os equipamentos teriam sido rejeitados pelo Senado paraguaio, que teria ponderado sobre “essa questão de você poder auditar ou não” — o que não é verdade.

“Quando eu tinha recém-chegado [ao TSE], o Paraguai tinha levado urnas eletrônicas para lá, fizeram os testes e falaram 'não, a gente não quer isso aqui, não'. E na época não tinha como trazer de volta, então tiveram que ser inutilizadas, e a gente cuidou um pouco desse processo”, declarou.

Viajante do tempo. Ao narrar o episódio, Martins se coloca como testemunha de eventos que não ocorreram enquanto ele era estagiário do tribunal, já que o veto ao uso das urnas brasileiras no Paraguai ocorreu em 2013 — e a devolução dos equipamentos ao Brasil, em 2016.

As alegações dele sobre os motivos da devolução também são enganosas, já que o modelo de urna usado pelo Paraguai em 2013 — que havia sido emprestado em 2006 — era antigo e não tinha capacidade de processamento suficiente para efetuar a assinatura digital. Segundo o TSE, desde 2002 o Brasil já não usava aquele tipo de equipamento, e foi sua defasagem tecnológica que obrigou os aparelhos a serem descartados.

Em outro trecho da entrevista, o ex-assessor de Bolsonaro afirmou que os testes de segurança das urnas duravam apenas “40 minutos, uma hora”. “O cara vai lá, faz um teste e vê se acha alguma vulnerabilidade, se não encontrou, passou”, disse.

Atualmente, o código-fonte das urnas fica aberto por um ano antes das eleições para inspeção por entidades fiscalizadoras. No passado, esse período era de seis meses antes do pleito — ainda assim, muito maior do que alegou o ex-assessor de Bolsonaro. Segundo o TSE, a abertura do código-fonte é apenas uma das etapas de auditoria das urnas e dos sistemas eleitorais.

Na entrevista a Monark, Martins também repetiu a teoria da conspiração de que a totalização dos votos no segundo turno das eleições de 2014 ocorreu a portas fechadas, acusação que já havia sido desmentida pelo TSE. Em 2021, o tribunal refutou outra entrevista do ex-estagiário que circulava nas redes e esclareceu que apenas foi aguardado o fim da votação no Acre, estado com fuso horário diferente do restante do país, para que os resultados começassem a ser divulgados, conforme determina a lei.

O tribunal lembrou ainda que é impresso o boletim de urna com os resultados sempre que a votação é encerrada em uma seção eleitoral. “O resultado da urna já se torna, assim, público e imutável, não podendo ser alterado”, afirmou o TSE, ressaltando que “nunca houve divergência nos votos computados pela urna e nos usados para totalização”.

Seguidor de Olavo de Carvalho, Martins foi nomeado assessor especial da Presidência para Assuntos Internacionais no começo de 2019. No cargo, defendeu uma política de alinhamento aos Estados Unidos de Donald Trump, trabalhando em conjunto com o ex-chanceler Ernesto Araújo.

Martins é considerado um dos principais responsáveis por aproximar a família Bolsonaro de Steve Bannon, o ex-estrategista de Trump. O feito rendeu a Martins o apelido de “Sorocabannon”.

Em 2021, o ex-assessor de Bolsonaro foi denunciado pelo MPF (Ministério Público Federal) sob a acusação de ter feito gesto alusivo a movimentos supremacistas brancos — da qual se defendeu alegando que apenas ajeitou o terno.

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Tentativa de golpe. Ao autorizar a operação da PF que resultou na prisão de Martins, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes afirmou que, diante da perspectiva de derrota de Bolsonaro nas urnas, membros de seu governo planejaram “disseminar a narrativa de ocorrência de fraude nas eleições presidenciais” para legitimar uma intervenção das Forças Armadas.

Segundo a PF, os golpistas chegaram a elaborar uma minuta de decreto presidencial prevendo a repetição das eleições e a prisão dos ministros Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF, e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O documento foi apresentado a Bolsonaro, que teria pedido a retirada dos nomes de Pacheco e Gilmar.

Na Operação Tempus Veritatis, a PF cumpriu 33 mandados de busca e apreensão contra alvos suspeitos de tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito. Além de Martins, também foi preso outro assessor de Bolsonaro, Marcelo Câmara. Já o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, foi preso em flagrante após a PF encontrar no quarto de hotel em que ele mora, em Brasília, uma arma ilegal, registrada no nome do filho dele, e uma pepita de ouro proveniente de garimpo.

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