No imaginário da ficção científica, teorias conspiratórias são problema da vida real

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Teorias conspiratórias fazem parte da cultura pop e têm um lugar próprio nas redes. A Plataforma de hoje fala sobre esse tipo específico de desinformação.


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👽 A verdade está lá fora

Ao final da vinheta de abertura dos episódios de Arquivo X, uma mensagem impactante aparece na tela — como “the truth is out there”, traduzida no Brasil como o título deste texto, ou outras variações, como “trust no one” (“não confie em ninguém”) e “they’re watching” (“eles estão observando”).

A série estreou em 1993, mas até hoje dá pistas valiosas sobre o universo das teorias conspiratórias. Primeiro a usar o termo “ciberespaço” e autor de “Neuromancer” (Editora Aleph), que inspirou o filme Matrix (1999), William Gibson escreveu um roteiro para Arquivo X que serve como exemplo.

No episódio 11 da quinta temporada, Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) investigam um modelo de inteligência artificial que ganha consciência e assassina pessoas. Em uma cena, o agente do FBI toca uma campainha e tem sua digital escaneada e identificada. Previsões futuristas para 1998, mas verossímeis para os dias atuais.

Outra cena mostra uma arma de raio laser do governo dos Estados Unidos cujo controle teria sido tomado pela IA. Essa ideia apareceu recentemente em conteúdos que pregam negacionismo climático sobre os incêndios no Havaí, peça de teorias conspiratórias mais amplas sobre os governos dos Estados Unidos e de outros países.


Mulher máquina. Em Arquivo X, personagem Invisigoth transfere a mente para um computador (Reprodução)

Não que falte distopia tecnológica na realidade em que vivemos. Toda vez que o meu robô aspirador reclama que está sem bateria — “recharge Roomba!”, ordena a voz artificial —, eu lembro que um aparelho dessa empresa enviou para a nuvem uma foto de sua dona sentada no vaso sanitário, e que a imagem acabou publicada em um grupo de Facebook.

A situação absurda foi revelada em uma excelente reportagem da MIT Technology Review, que debate o trabalho humano por trás do treinamento de modelos de inteligência artificial. A empresa iRobot repassou imagens feitas pelos aspiradores a outra empresa, chamada Scale AI, cujos funcionários classificam as cenas a fim de treinar inteligência artificial. Eles, por sua vez, vazaram os conteúdos no Facebook.

Mesmo com exemplos reais que poderiam ter saído de uma temporada de C.S.I.: Cyber, para algumas pessoas as teorias conspiratórias ainda são cativantes demais para serem ignoradas. E quando isso se mistura aos algoritmos das redes, que reforçam os tipos de conteúdo que cada usuário gosta, o resultado é desinformação viral.

Há ainda o tipo de conteúdo que se enquadra na esfera das crenças pessoais. Nesta semana, o Instagram ofereceu um anúncio na minha conta pessoal sobre numerologia, com uma pintura em que três alienígenas trajam batas cerimoniais e cercam uma mulher. O algoritmo já sabe que eu há muito frequento alguns dos cantos menos recomendáveis da rede de computadores.


De outro mundo. Anúncio no Instagram mostra pintura com alienígenas (Reprodução)

Reportagens e investigações recentes nos Estados Unidos deram novo fôlego na internet à busca por vida inteligente fora da Terra. Será que discussões reais ajudaram a impulsionar conteúdos desinformativos? “Os teóricos dos antigos astronautas desconfiam que sim”, responderia o dublador do programa Alienígenas do Passado, do History Channel.

Apesar de o assunto ter deixado de ser chacota de lunáticos, uma pergunta que Millôr Fernandes fez no ano em que a humanidade pousou na Lua, na Veja, continua sem resposta: “Pode não preocupar os cientistas mas a mim preocupa muito: será que também há vida imbecil nos outros planetas?”.

Para tratar de casos de desinformação que se confundem com ficção científica, o Aos Fatos estreia na próxima segunda-feira (18) a newsletter quinzenal A Que Ponto Checamosassine aqui.

Mas será que devemos dar asas à imaginação para contemplar até mesmo — e especialmente — os cenários mais negativos? O neurocientista Sidarta Ribeiro, professor titular do Instituto do Cérebro da UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), dá uma resposta.

“Os riscos extraordinários da situação atual estão fartamente mapeados pela ficção científica”, ele escreve no livro “Sonho Manifesto” (Cia. das Letras). “Se você não se assusta com a perspectiva atual, leia e assista às inversões de perspectiva com desfecho infeliz para a humanidade, busque a literatura, o audiovisual, o teatro, as artes plásticas”, recomenda.

“Um momento de tanta urgência exige beber da fonte de toda a narrativa humana, realidade ou ficção, pois é bem-vinda toda ideia que nos permita compreender o futuro perigoso para o qual nos lançamos em aceleração crescente.”

Isso é válido contanto que saibamos distinguir ficção e realidade, algo que parece cada vez mais difícil. Às vezes, a verdade está lá fora — deu uma saidinha — e alguns continuam acreditando na presença dela.

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