Fábio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Para descredibilizar trabalho de ONG, Rui Costa desinforma sobre letalidade policial na Bahia

Por Amanda Ribeiro e Luiz Fernando Menezes

15 de agosto de 2023, 17h03

O ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa (PT), desacreditou os números do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para se defender de críticas sobre a escalada da violência policial durante os mandatos como governador da Bahia. Questionado, em entrevista à GloboNews na última segunda-feira (14), sobre o elevado número de óbitos causados por policiais no estado, Costa afirmou que o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) não teria “parâmetros” para realizar nenhuma comparação e que não reconhecia os dados apresentados na edição mais recente do documento.

O argumento do ex-governador é falho porque omite:

  • que o FBSP faz uma coleta e classifica as informações com base em metodologias internacionais;
  • que os dados de violência policial enviados pelos estados não possuem diferenças estatisticamente relevantes de classificação;
  • e que dados do Ministério da Saúde também apontam um grande número de mortes causadas pelas forças de segurança baianas.
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Selo falso

Eu não reconheço, me desculpe, nenhum parâmetro ou nenhuma comparação, não reconheci e não reconheço, de ONGs que fazem publicações sobre questão de segurança. Por que que eu não reconheço? Porque nós estamos comparando coisas diferentes: melancia com abacaxi. Quando estados brasileiros, por exemplo, encontram corpos boiando com perfuração no crânio, com perfuração no peito, e dizem que vão investigar aquela morte e não classificam como óbito e comparam com estado que registra essa morte como óbito, então nós estamos comparando coisas diferentes.

Questionado sobre os índices de letalidade policial na Bahia, Rui Costa — que governou o estado por dois mandatos, de 2015 a 2022 — afirmou que os dados coletados pelo Anuário Brasileiro de Segurança Pública seriam inválidos, porque comparariam “melancia com abacaxi”. A declaração do ministro é enganosa, porque omite que os dados enviados pelos estados ao FBSP sobre esse crime não possuem diferenças estatísticas relevantes e são padronizados pela organização para diminuir lacunas causadas pela falta de classificações específicas.

Em sua seção de metodologia, o FBSP explica que os dados que compõem o anuário são obtidos junto às secretarias de Segurança Pública e Defesa Social dos estados via LAI (Lei de Acesso à Informação). Como não há um padrão específico para a apresentação dos dados, a organização precisa padronizar as informações:

  • No caso das mortes provocadas por policiais, as principais diferenças estão no nome dado à ocorrência e na contabilização ou não dos homicídios cometidos fora de serviço, afirmou ao Aos Fatos Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP;
  • Estados como São Paulo, por exemplo, adotam a classificação recomendada pelo Ministério dos Direitos Humanos e usam o termo “morte decorrente de intervenção policial”. Em outros estados, no entanto, são usadas expressões como resistência seguida de morte ou até auto de resistência, termo criado durante a ditadura militar;
  • A especialista explica também que há estados que optam por não contabilizar os assassinatos cometidos por policiais fora do expediente como óbitos decorrentes de intervenção policial;
  • “Em São Paulo, a maior parte dos casos em que o policial mata fora de serviço também entra como morte decorrente de intervenção policial. Tem estados que quando é fora, o delegado vai entender aquilo como homicídio”. Como esses casos são escassos, no entanto, ela aponta que a diferença de classificação não é estatisticamente relevante;
  • Outra diferença entre os dados enviados pelos estados está no nível de detalhamento: algumas unidades da federação, como o Rio de Janeiro, por exemplo, não especificam a qual das polícias pertencia o autor do homicídio.
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No Anuário Brasileiro de Segurança Pública, as mortes cometidas por policiais são apresentadas dentro da classificação “mortes decorrentes de intervenções policiais”. Também são discriminados os homicídios causados por policiais civis e militares, caso as secretarias de Segurança tenham enviado as informações.

Em 2022, segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, foram registradas 6.429 mortes decorrentes de intervenção policial. Entre os estados, a Bahia registrou o maior número absoluto, com 1.464 óbitos. Em seguida, aparecem o Rio de Janeiro (1.330 mortes), o Pará (621 mortes) e Goiás (538 mortes). O estado do Nordeste também apresentou a segunda maior taxa de letalidade policial do país, com 10,47 mortes por 100 mil habitantes, atrás apenas do Amapá (16,6 por 100 mil).

O anuário também mensurou a proporcionalidade da força policial nos estados brasileiros com base em indicadores internacionais. Na Bahia, os dados de 2022 indicam que há uso abusivo da força policial: grande parte das mortes violentas registradas no estado (cerca de 22%) são resultado de intervenções policiais e a diferença entre letalidade e vitimização policial é muito grande (uma vítima policial para cada 133 civis mortos pela polícia).

A declaração do ministro omite ainda que os dados sobre letalidade da polícia baiana continuam sendo os mais altos do país mesmo em levantamentos feitos pelo governo federal com base em atestados de óbito. O DataSUS contabiliza as mortes cometidas por policiais por meio da categoria Intervenção Legal. Desde 2019, a Bahia é o estado que mais registrou mortes nessa categoria.

Em estudo de 2016 que analisa a correlação entre os dados de ocorrências obtidos das secretarias de Segurança e do DataSUS, no entanto, o FBSP destaca que os números da saúde sofrem com subnotificação. “Os dados sobre mortes em confronto com as polícias coletados pelo SIM/Datasus são bastante subestimados e a falta de qualidade na coleta praticamente compromete seu uso”, diz o documento. “Isto torna bastante relevante os dados sobre o fenômeno coletados pelo sistema de justiça criminal, pois são praticamente os únicos que se pode utilizar para monitorar e entender o fenômeno.”

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Reconhecimento. Ao dizer que não reconhece os dados do anuário, Costa contraria posicionamentos do próprio governo Lula, que já se baseou nos números do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:

  • Ao criticar o governo de Jair Bolsonaro (PL) na sexta-feira (11), por exemplo, o presidente citou os índices de estupro divulgados pelo documento do FBSP de 2023;
  • A escolha dos municípios prioritários do Pronasci 2 (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) foi definida com base em pesquisas do FBSP sobre mortes violentas intencionais;
  • Os dados também constam em diversos documentos do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), ligado ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania;
  • E o Ministério da Justiça já usou os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública para embasar textos sobre violência contra a mulher e editais sobre desarmamento.

Outro lado. Contatado na tarde desta terça-feira (15), o ministro Rui Costa não respondeu até a publicação desta checagem.

Referências:

1. DataSUS
2. Fórum Brasileiro de Segurança Pública (1, 2 e 3)
3. Planalto
4. Ministério da Justiça e Segurança Pública (1, 2, 3 e 4)
5. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (1, 2 e 3)
6. Conectas

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