Não é verdade que a Câmara aprovou prisão para mãe que amamentar em público

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É falsa a notícia de que a Câmara dos Deputados aprovou uma lei que prevê cinco anos de prisão para mães que amamentam seus filhos em locais públicos. O conteúdo enganoso é a tradução de uma fake news surgida no México em 2016 e foi reproduzido em janeiro daquele ano pelo site Portal O Jornal. Desde então, esta postagem aparece regularmente em publicações de páginas no Facebook, onde já beira os 260 mil compartilhamentos. No último domingo (5), usuários daquela rede social denunciaram novamente este conteúdo como falso (entenda como funciona).

Não há qualquer lei aprovada no Congresso Nacional para prender mulheres que amamentam os filhos em público. Pelo contrário: hoje, aguarda votação em comissão do Senado uma proposta que torna crime a discriminação às lactantes, com multa de até R$ 3.180. Em nível regional, Rio de Janeiro e São Paulo, além de suas respectivas capitais (veja aqui e aqui), também mantém, desde 2015, leis que estipulam multa a quem for flagrado discriminando mães durante amamentação em locais públicos.

A notícia falsa também traz informações falsas sobre estupro no Brasil e menciona dois ex-deputados mexicanos, como se brasileiros fossem, o que nos leva à origem desse conteúdo: o debate sobre lactância em público, suscitado no México a partir de 2015.

Por lá, essa discussão ganhou intensidade após se tornar viral um vídeo no YouTube em que um casal hostiliza uma mulher que amamentava seu filho em praça da capital mexicana. Em 2016, com o aumento da pressão por uma lei que coibisse esse tipo de agressão às lactantes, começou a circular no país a notícia falsa que teria sido aprovada prisão para essas mães. Na contramão do que dizia o conteúdo enganoso, no fim daquele ano foi sancionada lei que prevê prisão a quem discriminar mulheres que amamentam em público na Cidade do México.

Além do Portal O Jornal, o conteúdo foi reproduzido nos sites The Folha e Dicas Caseiras.

Confira abaixo, em detalhes, o que verificamos.


FALSO

Aprovado. Cinco anos de prisão para as mulheres que amamentam

Datado de janeiro de 2016, o texto publicado pelo Portal O Jornal começa dizendo que “deputados aprovaram por maioria dos votos uma emenda que proíbe mães de amamentar seus bebês em vias públicas”. No entanto, não há nada nesse sentido que tenha sido aprovado, votado ou mesmo proposto na Câmara dos Deputados.

Já no Senado, aguarda votação na CCJC (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania) um projeto de lei que propõe justamente o inverso do que diz a notícia falsa. O PLS 514/2015, da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), estabelece como crime “as condutas de segregar, proibir ou reprimir lactante” durante amamentação em local público, sob pena de pagamento de 50 a 100 dias-multa (R$ 1.590 a R$ 3.180, em valores atuais). O projeto ainda não tem data para ser votado na comissão.

Em outro parágrafo, a postagem do Portal O Jornal traz mais informações falsas: “os governos estaduais e municipais em todo o país têm seis meses para modificar as suas regras e ajustar este novo arranjo. As mulheres que são apanhadas a cometer tais delitos serão multados em até 30 salários mínimos ou 5 anos de prisão”.

A realidade, no entanto, mostra um panorama distinto. Desde 2015, estados como Rio de Janeiro e São Paulo, e também as capitais de ambos (veja aqui e aqui), contam com leis que garantem o direito à amamentação em locais públicos e preveem multas em casos de discriminação a essas mães.

Também não tem fundamento o trecho da postagem que diz: “a iniciativa foi proposta depois de analisar que tais atitudes para ser evitados (sic), como amamentação em vias públicas se tornaram umas das principais causas de crimes de estupro no país”.

A Nota Técnica “Estupro no Brasil: uma radiografia segundo os dados da saúde (versão preliminar”, lançada em maio do ano passado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), não cita a amamentação em público como causa para estupros. Até porque, mesmo 89% das vítimas sendo do sexo feminino, a maioria (70%) é criança ou adolescente. Assinada pelos pesquisadores Daniel Cerqueira e Danilo Santa Cruz Coelho, a nota técnica foi feita com dados do Ministério da Saúde e abrange apenas os casos notificados em unidades de saúde no Brasil.

Made in Mexico. Por fim, chegamos à origem desta notícia falsa: o México. Em sua postagem, o Portal O Jornal cita nominalmente dois deputados que teriam participado das votações do suposto projeto: Oscar Garcia Barron e Rogério Castro Vazquez. Ambos foram parlamentares na Câmara dos Deputados mexicana em legislaturas passadas, mas não exercem mandato hoje.

Em 2015, no México, o tema da lactação em público ganhou evidência após um vídeo tornar-se viral no YouTube ao mostrar um casal hostilizando uma mulher que amamentava seu bebê em uma praça da capital mexicana. O debate fez crescer a pressão por uma lei que vedasse tal tipo de agressão às lactantes. Em espanhol, o mesmo texto reproduzido pelo Portal O Jornal começou a circular no início de 2016, e ganhou até versões regionais, tendo sido desmentido pela imprensa local. No fim daquele ano, a Cidade do México aprovou lei que prevê prisão em caso de discriminação às lactantes em locais públicos.

Aqui no Brasil, em 2016, os sites E-Farsas e Boatos.org desmontaram a notícia falsa reproduzida pelo Portal O Jornal. Isso, no entanto, não impediu a disseminação do conteúdo pelas redes sociais, em especial no Facebook. Ali, essa postagem acumula, até hoje, cerca de 26 mil compartilhamentos. As últimas páginas e grupos que a replicaram foram Família Bolsonaro PSL 17, 7 a 1 para o Juiz Sergio Moro e Festas do MS (Mato Grosso do Sul). O mesmo conteúdo também foi reproduzido pelos sites The Folha e Dicas Caseiras.


Aos Fatos não conseguiu contatar os responsáveis pelo Portal O Jornal para comentar o conteúdo que foi checado.

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