Para criticar o antecessor, Jair Bolsonaro (PL), e exaltar os feitos de governos do PT, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva repetiu ao longo do primeiro ano de seu terceiro mandato alegações enganosas sobre obras de infraestrutura, temas econômicos e combate à fome. O levantamento foi realizado por Aos Fatos ao longo de 2023 com base nos discursos, entrevistas e transmissões ao vivo do presidente.
Grande parte das afirmações compiladas neste ano foi dita por Lula para atribuir a seu antecessor o desmonte de políticas públicas e a piora nos índices econômicos. Entre essas afirmações está, por exemplo, a de que havia no Brasil em 2022 14 mil obras paralisadas — essa foi a frase enganosa mais recorrente durante o ano, repetida em 21 ocasiões.
Outra estratégia discursiva adotada por Lula desde a campanha eleitoral foi tratar como se fossem de seu governo marcos alcançados nos mandatos de Dilma Rousseff (PT), de 2011 a maio de 2016. Exemplo disso é a alegação de Lula de que o país chegou à posição de sexta economia do mundo durante seu governo, dita ao menos oito vezes neste ano. O Brasil, na realidade, só alcançou essa colocação no primeiro ano de Dilma no poder.
Aos Fatos checou as desinformações mais repetidas por Lula ao longo de seu primeiro ano no terceiro mandato. Confira abaixo as informações corretas:
- O Brasil tinha em 2022, ao fim da gestão de Bolsonaro, 8.674 obras paradas, e não 14 mil, como afirmou o presidente;
- Também não é verdade que o governo anterior deixou 186 mil casas com obras paralisadas. Havia, ao fim de 2022, 82.722 unidades habitacionais com a construção interrompida;
- O Brasil é o terceiro, e não o primeiro produtor de proteína animal do mundo. Quem ocupa essa posição é a China, seguida pelos Estados Unidos;
- É falso que o Brasil era a sexta maior economia mundial em 2010, ao fim do segundo mandato de Lula. Essa posição foi alcançada em 2011, durante o governo Dilma. Além disso, o país era a 11ª e não a 12ª maior economia em 2022;
- Por fim, não é verdade que os governos do PT acabaram com a fome no Brasil. O país saiu do Mapa da Fome da ONU, mas em nenhum momento as pesquisas sobre o tema deixaram de registrar brasileiros em insegurança alimentar grave, situação descrita como a falta de acesso a alimentos.
“Esse país, nós herdamos ele com 14 mil obras paralisadas” — 13.ago.2023, em discurso.
Repetida 21 vezes em contextos diversos — como cerimônias de entrega de projetos de infraestrutura, entrevistas e viagens internacionais — a desinformação mais reproduzida por Lula em 2023 foi usada para apontar erros da gestão Bolsonaro e defender a retomada de políticas públicas petistas abandonadas após o governo Dilma. A afirmação é FALSA, porque havia 8.674 obras paradas no país no segundo semestre de 2022, e não 14 mil.
O número citado pelo presidente consta na “Lista de Alto Risco da Administração Pública Federal 2022”, enviada pelo TCU (Tribunal de Contas da União) ao governo de transição no ano passado. Ali, o tribunal informa que a auditoria mais recente teria encontrado 14.403 contratos de infraestrutura paralisados, de um total de 38 mil projetos. Os números são de abril de 2018, do governo Michel Temer (MDB).
Já em agosto de 2022, a poucos meses do fim do mandato de Bolsonaro, havia 8.674 obras paralisadas, de um total de 22.259 projetos. Devido a mudanças de metodologia, não é possível comparar esses números com os dados de 2018.
O levantamento mais recente do tribunal, divulgado em abril deste ano, atesta que havia à época 8.603 obras paralisadas dentre 21.007 projetos. Em acórdão publicado em outubro, o TCU apontou que o setor mais prejudicado é o da educação básica, com 3.580 projetos de infraestrutura inativos.
“Nós encontramos 186 mil casas abandonadas do Minha Casa Minha Vida” — 7.ago.2023, em discurso.
A alegação foi repetida por Lula em nove ocasiões desde o início deste ano para criticar o programa Casa Verde e Amarela, da gestão Bolsonaro, e defender a retomada do Minha Casa, Minha Vida, criado pelo PT. A afirmação, no entanto, é FALSA, porque o dado citado pelo presidente não corresponde apenas ao total de unidades habitacionais cujas obras estavam paralisadas em 2022: inclui também casas com obras em andamento.
Segundo o Ministério das Cidades, havia ao fim de 2022 no Brasil 186.724 casas em construção. Dessas, 82.722 estavam com as obras paralisadas. A pasta classifica como paralisados empreendimentos ocupados de maneira irregular ou abandonados pelo construtor. As construções também entram nessa categoria quando a empresa responsável leva mais de 90 dias para solicitar pagamento à Caixa Econômica Federal pelos serviços prestados.
“(...) o Brasil é o maior produtor de proteína animal do mundo” — 25.ago.2023, em discurso.
Na área do combate à fome, uma das principais bandeiras de Lula, o argumento foi usado ao menos dez vezes neste ano para apontar uma contradição entre a alta produtividade do setor agropecuário e a quantidade de pessoas que sofrem com insegurança alimentar no país. A alegação, no entanto, é FALSA, porque dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) mostram que o Brasil é, na realidade, o terceiro maior produtor de carne.
De acordo com o relatório World Food and Agriculture 2023, que compila dados de 2021, a China é a maior produtora de proteína animal do mundo: a produção do país naquele ano foi de 92,6 milhões de toneladas, considerando carnes de boi, frango e porco, entre outros animais (peixes não entram nessa categoria). Em seguida no ranking aparecem os Estados Unidos, com produção anual de 48,8 milhões de toneladas, e então o Brasil, com 29,5 milhões de toneladas.
“Quando eu deixei a Presidência, o Brasil era a sexta maior economia do mundo. Agora, quando voltei, o Brasil era o 12º em termos de economia” — 1º.dez.2023, em entrevista.
A alegação é FALSA. O Brasil não era a sexta economia do mundo em 2010, ao fim do segundo mandato de Lula. O país só chegou a essa posição um ano mais tarde, no início da gestão de Dilma Rousseff (PT), segundo levantamento do FMI (Fundo Monetário Internacional). Além disso, em 2022, fim do governo Bolsonaro, o país ocupava a 11ª e não a 12ª posição entre as maiores economias globais.
O argumento foi repetido por Lula ao menos oito vezes neste ano em discursos e entrevistas para comparar seu legado ao de Bolsonaro e apontar que o antecessor teria deixado o país com diversos problemas econômicos e sociais. “Esse país retrocedeu”, afirmou o presidente logo após citar o dado enganoso durante discurso no Palácio do Planalto em junho.
Na última terça-feira (19), o FMI anunciou que o Brasil deve terminar 2023 como a nona maior economia do mundo. Com PIB (Produto Interno Bruto) estimado em US$ 2,13 trilhões, o país deve passar o Canadá, que tem PIB estimado em US$ 2,12 trilhões.
“E, graças a Deus, nós conseguimos acabar com a fome no país [durante os governos do PT]” — Em 4.ago.2023, em discurso.
Dita no discurso de posse no parlatório do Palácio do Planalto e repetida em ao menos outras sete ocasiões em 2023, a alegação de que os governos do PT teriam acabado com a fome no Brasil é recorrente no discurso de Lula desde a campanha. O argumento, no entanto, é FALSO, já que, desde o início da série histórica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o país tem registrado milhões de pessoas na categoria insegurança alimentar grave, classificação dada a quem de fato não tem o que comer.
Mesmo em 2013, considerada a mínima histórica nos números da fome, 7,2 milhões de pessoas sofriam com insegurança alimentar grave, de acordo com o IBGE — o equivalente a 3,6% da população da época. Naquele ano, 25,8% dos brasileiros viviam algum grau de insegurança alimentar, que considera desde quem reduziu o número de refeições ou foi obrigado a optar por alimentos mais baratos e menos nutritivos até quem não tinha acesso a comida.
O presidente recorrentemente atribui a informação de que os governos do PT teriam acabado com a fome à ONU. O país de fato deixou o Mapa da Fome, levantamento conduzido pela organização, em 2014, durante a gestão de Dilma Rousseff, devido a uma queda nos índices de subalimentação e a uma mudança de metodologia. Isso não significa, no entanto, que não havia mais fome, apenas que o país havia alcançado um limiar inferior ao definido pela organização.
O Brasil voltou a ser citado no mapa em 2022. Naquele ano, de acordo com dados divulgados pelo 2º Inquérito de Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, elaborado pela Rede Penssan com base na metodologia do IBGE, 33,1 milhões conviviam com a insegurança alimentar grave no país.