🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Setembro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Lasers são uma explicação fácil (e falsa) para desastres naturais

Por Luiz Fernando Menezes

18 de setembro de 2023, 11h44

O que o fogo em larga escala que atingiu o Canadá em julho, os incêndios florestais que consumiram o Havaí em agosto e as fortes chuvas que destruíram cidades do Rio Grande do Sul no início de setembro têm em comum? Se você pensou: “São desastres causados pelas mudanças climáticas, que têm relação direta com o aumento da incidência de tempestades e ondas de calor em todo o mundo”, você está certo.

Mas se você acha que isso é culpa dos lasers que a elite global têm usado para reduzir a população mundial, você provavelmente acredita em uma teoria da conspiração que nega a existência do aquecimento global.


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Apesar de ser complicado determinar quando teorias como essa nasceram, é possível identificar que as DEWs (sigla para “directed-energy weapons”, “armas de energia direcionada”, em inglês) são citadas como possíveis causas de desastres naturais ao menos desde 2017. Em outubro daquele ano, quando incêndios florestais destruíram a costa da Califórnia, o youtuber conspiracionista americano Matt Procella publicou um vídeo em que defendeu que armas a laser foram responsáveis pelas queimadas.

O argumento do youtuber era o seguinte: o fato de apenas algumas casas terem sido incendiadas, enquanto outras estruturas — e até árvores — permaneceram de pé, prova que o desastre foi arquitetado por alguém (ele não disse quem) que tinha a intenção de distrair a população de um tiroteio em massa que havia ocorrido em Las Vegas um mês antes.

Desde então, usuários nas redes aplicaram a teoria das DEWs para explicar diferentes desastres nos Estados Unidos e no mundo:

  • O incêndio que atingiu a Califórnia em dezembro de 2017;
  • O fogo que matou mais de 80 pessoas no mesmo estado americano em novembro de 2018;
  • As queimadas que aconteceram na Austrália em 2019;
  • A série de incêndios que os EUA em outubro de 2020;
  • Outra queimada de grande escala na Califórnia em 2021;
  • Os incêndios que atingiram o Canadá neste ano;
  • A destruição da ilha de Maui pelo fogo, também em 2023;
  • E as enchentes no Rio Grande do Sul nas últimas semanas.

print de publicação falsa sobre raios lasers
‘Luz muito forte.’ Vídeo de abdução alienígena em Nova York criado por meio de efeitos especiais em 2021 foi compartilhado como se mostrasse laser atingindo o Rio Grande do Sul (Reprodução/Instagram).

Quem ganha com isso? Se pensou na opção “mudanças climáticas” ao se deparar com a questão logo no início do texto, você provavelmente está se perguntando agora o porquê. O que, afinal, justificaria ataques com armas a laser em diferentes pontos do planeta?

A teoria conspiratória já apareceu em diversas bolhas ideológicas e recebeu diferentes “explicações” com o decorrer do tempo:

  • Em 2017, mesmo ano em que os primeiros vídeos sobre o assunto passaram a ser compartilhados, um grupo de militantes contrários ao uso de agrotóxicos disse acreditar que os incêndios seriam resultado de um teste bélico realizado pelo governo americano em seu próprio território;
  • Já outros acreditam que o fogo seria usado pela elite global para abrir espaço para empreendimentos imobiliários — como condomínios de luxo — ou obras de infraestrutura — como linhas de metrô. A lógica dessa linha argumentativa é a de que queimar as regiões faria com que o valor dos terrenos caísse;
  • Uma outra teoria, com raízes antissemitas — citada, inclusive, por uma parlamentar americana — é a de que os lasers seriam controlados pelos Rothschild, família de bilionários judeus que teria um plano de dominar o planeta;
  • Também sobrou para a China, apontada como a grande responsável por atacar o Ocidente, como parte de um plano para dominar o mundo;
  • A ideia de que membros da elite poderiam queimar locais específicos a seu bel-prazer também corrobora com a teoria conspiratória de que existe uma Nova Ordem Mundial que busca reduzir a população do planeta. Essa linha de pensamento mirabolante, que inclui vacinação contra a Covid-19 e microchipagem de pessoas, defende que os poderosos querem fazer o “Grande Reset” populacional;
  • Mais ou menos na mesma linha, há quem diga que os ataques a laser, na verdade, são uma tentativa das elites globais de convencer pessoas comuns de que há uma suposta emergência climática em curso e, com isso, conseguir implementar planos de redução populacional disfarçados de agenda ambientalista.

No fim das contas, o objetivo principal da teoria conspiratória é esse: negar as mudanças climáticas. Para alguns, é mais fácil acreditar que há elites mal-intencionadas causando o caos e a destruição em diversos locais do planeta do que aceitar que a natureza está reagindo à exploração desenfreada de seres humanos.

Mas tachar desinformações como essa apenas como desconhecimento ou ignorância omite que o negacionismo climático atende a interesses de alguns setores econômicos e de influenciadores que veem nessa teoria uma forma de ganhar dinheiro.

É importante destacar que, entre cientistas, as mudanças climáticas são um consenso: uma análise de quase 90 mil publicações sobre a crise climática mostrou que mais 99% da literatura científica reconhece que a humanidade tem influência nas alterações da temperatura global e, consequentemente, na incidência de desastres naturais.

“É inequívoco que a influência humana aqueceu a atmosfera, os oceanos e a terra”, afirma o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU).

Isso significa que grandes incêndios e enchentes continuarão ocorrendo em todo o mundo? Infelizmente, sim. Mas há meios de tentar conter a crise climática: tornar o setor energético mais sustentável, melhorar a infraestrutura sanitária das cidades e promover o reflorestamento e a proteção do meio ambiente são algumas das medidas que podem minimizar o impacto das mudanças.

Parar de acreditar em lasers vindos dos céus também é um bom começo.

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