Por que andar de jet-ski perto de baleias, como fez Bolsonaro, coloca em risco o equilíbrio do ecossistema marinho
Uma estratégia recorrente dos apoiadores de Bolsonaro é tentar transformar um fato em uma piada para, assim, desviar a atenção do que realmente aconteceu. Ao tachar uma notícia desfavorável ao ex-presidente como “absurda” — ou ao criar memes para ridicularizar as manchetes —, eles fazem com que outros usuários acreditem que assuntos sérios não têm relevância.
Essa estratégia tem sido usada ao longo dos últimos dias para esconder a gravidade de uma infração ambiental cometida por Bolsonaro no ano passado.
Em novembro de 2023, foi noticiado que a PF abriu um inquérito para apurar se o ex-presidente importunou uma baleia jubarte enquanto andava de moto aquática em São Sebastião (SP). Um vídeo, segundo o MPF, mostrava Bolsonaro com o veículo ligado a cerca de 15 metros do animal. Em depoimento, o ex-presidente confirmou que era ele no vídeo, mas negou que tenha importunado a baleia.
Já nessa época, apoiadores do ex-presidente começaram a ironizar a PF para dar a entender que o inquérito seria uma perseguição injusta.
'Só o que faltava.' Exemplo de publicação que tratava infração ambiental como um motivo qualquer para incriminar Bolsonaro (Reprodução/TikTok)
No mês passado, a PF concluiu o inquérito e não indiciou Bolsonaro. O Ministério Público de São Paulo, responsável pelo inquérito, ainda não se manifestou.
Porém, de maneira paralela, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) multou Bolsonaro em R$ 2.500 pela infração de “molestar de forma intencional espécime de cetáceo em águas jurisdicionais brasileiras”. Pela legislação brasileira, o Ibama é encarregado da responsabilização administrativa do dano ambiental e, por isso, tem competência para fiscalizar e aplicar multas por infrações ambientais.
'Perseguição.' Bolsonaro diz que Ibama o multou mesmo que a PF tenha concluído que não houve molestamento, mas órgão ambiental tem atuação independente (Reprodução/X)
Aí, os bolsonaristas caíram matando: “Absurdo, até quando essa perseguição?”, “que inferno burocrático ridículo”, “estão chamando a Michelle de baleia” e “já já tem baleia acusando o Elon Musk” são alguns dos comentários sobre o caso.
'Oloco, Bolsonaro.' Publicações passaram a distorcer o significado de ‘molestar’ para fazer piada (Reprodução/X)
As piadas e os comentários irônicos fazem sugestões enganosas e até são acompanhadas de argumentos falsos sobre a história:
- A de que a infração seria uma “perseguição” a Bolsonaro, uma maneira que a Justiça encontrou de “pegar no pé” do ex-presidente;
- E a de que o caso seria uma “bobagem”.
Andar de jet-ski ou outra embarcação perto de uma baleia é proibido por lei desde 1987. Segundo o Ibama, considera-se “molestamento”:
- Aproximar-se de qualquer espécie de baleia com motor ligado a menos de 100 metros de distância;
- Perseguir a baleia;
- Interromper o curso ou deslocamento da baleia;
- Produzir ruídos excessivos a menos de 300 metros de qualquer baleia;
- Despejar detritos a menos de 500 metros de qualquer baleia.
Apesar de a infração parecer incomum, Bolsonaro não foi o único a ser multado por dirigir veículo motorizado perto de uma baleia ou animal semelhante. Nos últimos cinco anos, a base de autuações ambientais do Ibama registra cinco infrações pelo mesmo motivo: duas em 2023, uma em 2021 e duas em 2020.
Tratar o molestamento de uma baleia jubarte como algo “bobo” é ignorar que ações do tipo colocam em risco uma espécie que já esteve sob alerta de extinção. Em nota enviada ao Aos Fatos, o Ibama explicou que se aproximar dos animais com veículos motorizados pode afetar sua migração.
“A aproximação e o molestamento das baleias alteram seu comportamento, que na costa brasileira são de reprodução e berçário, podendo colocar em risco não só indivíduos, mas como toda recuperação populacional da espécie. O Ibama é o responsável pela responsabilização administrativa do dano ambiental, com aplicação de multa, que é uma apuração técnica e qualificada e totalmente independente da apuração criminal” — Ibama, em nota.
Eduardo Camargo, diretor do Instituto Baleia Jubarte, acrescenta ainda que a legislação existe não só para garantir a segurança dos animais, mas também dos humanos: “Um encontro com uma baleia, uma colisão de embarcação com uma baleia também pode ser muito perigoso, e por isso existe essa distância limite”.
Leis ambientais existem para proteger a fauna e a flora, e as multas servem como alerta para que o indivíduo não volte a cometer infrações. Essa, no entanto, não é a primeira vez de Bolsonaro: em 2012, ele também foi multado por pescar em local proibido em Angra dos Reis (RJ). Apesar de suas insistentes negativas, há fotos que comprovam a pescaria na estação ecológica.
