Fato e ficção nas declarações de Bolsonaro na última semana de campanha

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Nesta última semana de campanha, o candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, concedeu entrevistas e fez discursos, por meio de seus canais de redes sociais, para falar de assuntos como ideologia de gênero e desinformação na campanha. Aos Fatos checou cinco de suas declarações e constatou que ele distorceu informações sobre gênero que constam do Plano Nacional de Educação. O candidato acertou ao citar o volume de cargas transportadas nos portos brasileiros, mas usou dados insustentáveis ao comentar agricultura familiar.

Veja, abaixo, o resultado das checagens.


FALSO

O Aloizio Mercadante, ministro da Educação, mobilizou estados e municípios para que fosse incluído no plano estadual ou no plano municipal a ideologia de gênero. — Jair Bolsonaro (PSL), em entrevista à Rádio Guaíba

A declaração de Bolsonaro, em entrevista à Rádio Guaíba, do Rio Grande do Sul, na última terça-feira (23), tem dois erros: 1. Mercadante não mobilizou os estados e municípios a incluírem ideologia de gênero — o que existe é a previsão legal que os estados, Distrito Federal e municípios adequem os seus planos locais as metas e diretrizes do PNE (Plano Nacional de Educação); 2. O projeto de lei do PNE 2014-2024 vigente durante a gestão de Mercadante não menciona sequer a palavra gênero, que foi retirada durante votação no Congresso. Por esse motivo, a declaração de Bolsonaro foi considerada FALSA.

Na entrevista, Bolsonaro afirmou que “ideologia de gênero é o novo nome do kit gay”, fazendo referência ao material do projeto Escola Sem Homofobia, kit com cartilha e vídeos sobre homossexualidade, transexualidade e bissexualidade entre jovens que nunca chegou a ser distribuído nas escolas por pressão de opositores como o próprio Bolsonaro. Aos Fatos já checou que a atribuição do projeto a Haddad, da maneira que Bolsonaro apresenta, se trata de desinformação.

O Plano Nacional de Educação é um texto legal que determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional. Em dezembro de 2010, com Fernando Haddad à frente do Ministério da Educação, o governo federal encaminhou ao Congresso o projeto de lei do novo PNE 2011-2020 após a expiração do plano anterior (2001-2010). As principais diretrizes do plano eram a valorização dos profissionais educação e a superação das desigualdades educacionais.

O projeto foi aprovado em 2014, na gestão de Henrique Paim, e foi retirado o seguinte trecho: “são diretrizes do PNE a superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”. Com isso, no PNE, que passou a valer de 2014-2024, sequer havia menção à palavra gênero, que foi retirada por pressão das bancadas religiosas.

No PNE anterior, aprovado em 2000, a questão de gênero era mencionada várias vezes nas metas e diretrizes. Dentre as menções estavam as metas de ter livros didáticos com adequada abordagem de gênero e etnia, a inclusão da discussão sobre gênero nos programas de formação de professores, bem como questões sobre etnia e alunos com necessidades especiais, além de incentivo ao desenvolvimento de políticas de gênero para lidar com abandono escolar causado por questões como a gravidez na adolescência.

Mercadante foi ministro da Educação em dois momentos dos mandatos de Dilma Rousseff: de janeiro de 2012 a fevereiro de 2014 e de outubro de 2015 a maio de 2016. Nesse período, atuou na atualização dos planos estaduais, municipais e distrital de educação. Os planos locais não precisam ser atualizados em até um ano após aprovação do PNE e devem seguir as diretrizes do plano nacional. As metas devem ser decenais, mas não precisam coincidir com as definidas no PNE.

Assim como o PNE 2001-2010, a versão antiga dos planos estaduais e municipais de educação contavam com metas ligadas à discussão da questão de gênero. Se por parte do Ministério da Educação não houve pressão para impor a pauta de gênero, por parte das bancadas religiosas locais e do movimento Escola Sem Partido houve pressão para que essa discussão fosse retirada dos planos educacionais locais.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do candidato para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


FALSO

Há um complô espalhando fake news descaradas e descontextualizadas [a respeito de declaração sobre salário feminino] contra mim. — Jair Bolsonaro (PSL), no Twitter

Jair Bolsonaro compartilhou na quarta-feira, 24, uma mensagem da conta do Twitter do PT nacional afirmando que o partido atribui falsamente uma fala a ele. A declaração postada pelos petistas, no entanto, de fato existiu e foi dita pelo candidato em entrevista ao jornal Zero Hora, em fevereiro de 2014. Por esse motivo, a afirmação do Twitter do candidato do PSL é FALSA.

O áudio da entrevista se encontra atualmente na reportagem do jornal gaúcho e foi veiculado novamente após o candidato ter questionado onde se encontrava o material gravado. Aos Fatos transcreveu o áudio da entrevista abaixo.

Se você tem um comércio, um negócio qualquer, que emprega 30 pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres. A mulher luta tanto por direitos iguais, legal, tudo bem. Mas só que tem um detalhe: quando ele vai empregar uma mulher, o que o empregador pensa? Não sou eu quem pensa não, porque graças a Deus, os empregados meus quem faz (sic) é o governo. Eu não pago encargo trabalhista, eu não tenho dor de cabeça.

Eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Isso nenhum deputado vai votar porque você perde voto. Não estou preocupado com voto.

Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empregador pensa? "Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade..." Bonito pra c..., pra c...! Quem que vai pagar a conta é o empregador. No final, ele abate no INSS, mas quebrou o ritmo de trabalho. Quando ela voltar, vai ter mais um mês de férias, e todo ano ela vai trabalhar cinco meses. Por isso que o cara paga menos para a mulher! É muito fácil eu, que sou empregado e tô aqui no serviço público,e não tenho nada a ver com um empregado ter mandado alguém embora, falar que é injusto, que tem que pagar salário igual.

Só que o cara que está produzindo, com todos os encargos trabalhistas, ter uma pessoa que fica fora, que perde o ritmo de trabalho, e etc. etc., ele [o empresário] vai ter uma perda de produtividade.

O produto dele vai ser posto mais caro na rua, ele vai ser quebrado pelo cara da esquina. Essa é a verdade que tem que se falar e não se fala. Eu sou um liberal, se eu quero empregar na minha empresa, você, ganhando R$ 2 mil por mês e a dona Maria ganhando R$ 1,5 mil, se a dona Maria não quiser ganhar isso, que procure outro emprego! Se você acha que também não está ganhando bem, procure outro emprego! Eu que tô pagando, o patrão sou eu.

Tem mulher que ganha muito mais do que o homem também. É liberdade, pô. A mulher competente... Ou você quer dar cota para mulher?

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do candidato para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


IMPRECISO

Quando essa proposta chegou, eu estava no Piauí, a proposta do Temer que era a do Meirelles também. Rapidamente, eu vi a expectativa de vida no atlas que eu tenho do IBGE, 69 anos. Então é justo para quem mora no Piauí partir na aposentadoria na beira da morte? — Jair Bolsonaro (PSL) em entrevista à TV Aparecida.

Bolsonaro frequentemente cita a consulta ao “atlas do IBGE” quando critica o aumento da idade mínima para aposentadoria. Em entrevista à TV Aparecida, na última quinta-feira (25), Bolsonaro mencionou que consultou as informações do IBGE em 2016 — quando o governo Temer apresentou a primeira versão de reforma da Previdência. Assim, ele teve acesso aos dados de mortalidade referentes ao ano de 2015. De acordo com a Tábua Completa da mortalidade do Brasil de 2015 do IBGE, a expectativa de vida ao nascer no Piauí era de 70,9 anos, e não de 69 anos, como mencionou o presidenciável do PSL. O problema maior, entretanto, é que Bolsonaro usou um dado inadequado para discutir o assunto. Por esse motivo, a declaração foi considerada IMPRECISA.

A expectativa de vida é um cálculo estatístico feito pelo IBGE levando em conta quantas pessoas morrem antes de completar uma determinada idade e quantas pessoas sobrevivem após alcançar determinada idade. A expectativa de vida ao nascer, por exemplo, é a previsão estatística de quantos anos, em média, é esperado que uma pessoa tenha de vida. Já a expectativa de vida aos 65 anos é a previsão estatística de quantos anos são esperados que uma pessoa viva após atingir 65 anos.

O maior problema de usar a expectativa de vida ao nascer para discutir idade mínima de aposentadoria é que esse dado está “contaminado” pelas estatísticas de mortalidade infantil. O ideal seria usar também o parâmetro de quantos anos a pessoa vive após completar 65 anos.

Nos dados de 2015, os mais recentes na época da apresentação da primeira proposta de reforma da Previdência, a expectativa de vida ao nascer, no Brasil, era de 75,5 anos e, no Piauí de 70,9 anos, uma diferença de 4,6 anos. Olhando a expectativa de vida aos 65 anos, a diferença entre o cenário nacional e o piauiense cai para 2,2 anos. Em 2015, a estimativa de sobrevida após os 65 anos era de 83,4 anos no Brasil e de 81,2 anos no Piauí.

Conforme dados de 2016, os mais recentes publicados pelo IBGE, a expectativa de vida ao nascer, no Piauí, é de 71,1 anos, enquanto a média nacional é de 75,8 anos, uma diferença de 4,7 anos. De acordo com os dados de mortalidade infantil, a situação do Piauí é mais grave. A probabilidade de um recém-nascido não completar o primeiro ano de vida é de 19,1% naquele estado, enquanto a média nacional é de 13,3%.

Ao olhar a expectativa de vida ao completar 65 anos, o Piauí registra 81,2 anos, enquanto a média brasileira é 83,5 anos. Usando esse dado, a diferença entre a realidade do estado e a nacional cai para 2,3 anos.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do candidato para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


INSUSTENTÁVEL

A agricultura familiar é responsável por cerca de 70% da produção do que é consumido no Brasil além de garantir a própria alimentação e renda da família. — Jair Bolsonaro (PSL), no Twitter

O dado foi mencionado por Jair Bolsonaro para defender a importância da proteção da agricultura familiar, no Twitter, nesta quarta-feira (24). Esse mesmo número foi dito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante caravana no sul do país, no começo do ano e já foi repetido de maneira errada por diversas autoridades.

Em 2011, o site do governo federal publicou uma reportagem afirmando que a agricultura familiar produz 70% dos alimentos consumidos no Brasil. Em outra matéria, de 2017, da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário, os números são creditados ao Ministério do Desenvolvimento Social. Não há, no entanto, estudos que corroborem a afirmação.

Em 2015, o estatístico Rodolfo Hoffman, doutor em economia agrária pela Universidade de São Paulo, se debruçou sobre o dado. Em seu artigo “A agricultura familiar produz 70% dos alimentos consumidos no Brasil?”, ele aponta algumas falhas. “Falar em ‘70% dos alimentos’ torna necessário definir o total de alimentos. Somam-se toneladas de soja com toneladas de uva e toneladas de açúcar? Toneladas de açúcar ou toneladas de cana-de- açúcar? Toneladas de trigo, de farinha de trigo ou de pão? Toneladas de soja ou de óleo de soja? Dada a grande heterogeneidade dos alimentos, é um absurdo somar as quantidades físicas”.

Ele atenta ao fato de que os agricultores familiares não produzem 70% de cada alimento que vai à mesa do brasileiro, ou seja, 70% do arroz, do feijão, da carne, da batata, etc. Segundo o último Censo Agropecuário, realizado em 2006, a participação da agricultura familiar foi de 83,2% da produção de mandioca, 69,6% da produção de feijão — se agregarmos todos os tipos do grão —, 33,1% da produção de arroz em casca, 14% da produção de soja, 45,6% do milho em grão, 21% do trigo e 38% do café em grão. Em resumo, o único alimento em que a participação da agricultura familiar excede os 70% é a mandioca. Ainda assim, segundo ele, trata-se da participação na produção total dessa lavoura, e não da contribuição para a alimentação dos brasileiros. Na pecuária, a participação também foi menor: os agricultores familiares tinham 29,7% do número de cabeças de bovinos, 51,2% das aves e 59,0% dos suínos.

Um outro caminho poderia ser a análise econômica: o valor de mercado da agricultura familiar. Mas dados do Censo mostram que o valor anual da produção da agricultura familiar é de R$ 54,5 bilhões, 33,2% do total, enquanto o da agricultura não familiar é de R$ 109,5 bilhões, 66,8% do total. Ele também mostra que nem no total da despesa com alimentação das famílias a participação da agricultura familiar excede os 70%: em 2009, estaria em 21,4%.

Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do candidato para que ele pudesse se posicionar em relação às checagens. Até a última atualização, no entanto, Aos Fatos não havia recebido nenhuma resposta.


VERDADEIRO

Somente em 2017, mais de 800 milhões de toneladas de cargas foram movimentadas nos 37 portos brasileiros. — Jair Bolsonaro (PSL), no Twitter

A movimentação total de cargas nos 37 portos marítimos brasileiros foi de 1,086 bilhão de toneladas em 2017, de acordo com os dados da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). A declaração de Bolsonaro é VERDADEIRA.

O candidato do PSL mencionou o dado ao falar de proposta para a área de logística em imagem publicada no conta pessoal no Twitter, nesta quinta-feira, 25.

Em 2017, houve crescimento de 8,3% no volume transportado nos portos nacionais, em comparação com o mesmo período de 2016.

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