Cortes no Bolsa Família não têm relação com a Lei Rouanet

Por Marco Faustino

7 de março de 2024, 18h01

Não é verdade que o governo federal tenha cancelado o antigo Auxílio Brasil (atual Bolsa Família) de milhões de famílias para repassar verbas para artistas por meio da Lei Rouanet, como faz crer um vídeo que circula nas redes. Diferentemente do que ocorre com benefícios de assistência social, não há transferência direta de recursos do Tesouro previstos no Orçamento para projetos aprovados pela Lei Rouanet, que funciona por um mecanismo de renúncia fiscal.

Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam 30 mil compartilhamentos no Facebook e 2.000 curtidas no Instagram nesta quinta-feira (7).

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Selo falso

Auxílio Brasil cancelado [enquanto artistas são] beneficiados pela Lei Rouanet

Vídeo difundido nas redes faz crer que benefícios sociais foram cortados para que os valores economizados fossem repassados a artistas por meio da Lei Rouanet, o que é falso.

É enganosa a correlação feita por um vídeo que mostra famílias em situação de pobreza e artistas beneficiados pela Lei Rouanet junto da legenda “Auxílio Brasil cancelado”. A gravação faz crer que famílias de baixa renda tiveram seus auxílios sociais cortados para que os valores fossem repassados a artistas por meio da Lei Rouanet, o que é falso.

O Auxílio Brasil foi extinto em março de 2023 e em seu lugar foi retomado o Bolsa Família. No ano passado, o programa passou por uma revisão que identificou 17 milhões de cadastros desatualizados ou com inconsistências. Desses, 3,7 milhões foram cancelados. Já os beneficiários que regularizaram seus cadastros voltaram a receber o auxílio.

Em fevereiro, o Bolsa Família contemplou 21,06 milhões de famílias, que receberam, em média, R$ 686,10 mensais. A título de comparação, em dezembro de 2022 — último mês do governo Bolsonaro —, o Auxílio Brasil contemplou 21,6 milhões de famílias, que receberam, em média, R$ 607,14

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Já a Lei Rouanet não prevê a transferência direta de recursos do Orçamento para projetos culturais. Na realidade, os artistas e produtores que têm seus projetos aprovados recebem um registro no Pronac (Programa Nacional de Apoio à Cultura) e a autorização para captar recursos de empresas privadas e pessoas físicas. Os patrocinadores que apoiam os projetos, por sua vez, se beneficiam com renúncia fiscal e podem descontar os valores doados do Imposto de Renda.

Fora de contexto. O vídeo enganoso usa imagens de indivíduos em situação de pobreza que já circulavam nas redes anos antes da revisão cadastral realizada no Bolsa Família pelo MDS. Além disso, o Aos Fatos não localizou informações que provem que as pessoas que aparecem nas imagens tiveram benefícios sociais cancelados.

  • A foto de uma mulher com crianças e adolescentes foi publicada no Agora São Paulo em março de 2021 em matéria que relata casos de fome na capital paulista durante a pandemia de Covid-19;
  • O registro que mostra um casal e uma criança sentados à mesa circula ao menos desde setembro de 2014, quando o país era governado por Dilma Rousseff (PT);
  • Já a foto de um homem com cinco crianças foi publicada em reportagem do Extra de janeiro de 2011 sobre famílias de baixa renda no Rio de Janeiro;
  • A foto de uma mulher com duas meninas foi publicada pelo UOL em julho de 2021 em texto que relata as dificuldades financeiras da população durante a pandemia;
  • O registro de uma mulher segurando duas panelas vazias aparece nas redes desde maio de 2020 em coluna do Brasil de Fato;
  • Por fim, a foto de uma mulher segurando uma criança com um prato vazio em primeiro plano foi publicada em outubro de 2021 no Hora Campinas em reportagem sobre a fome.

Artistas. No vídeo também são exibidas imagens dos cantores Emicida, Ivete Sangalo, Ludmilla e Maria Bethânia, além dos atores Lázaro Ramos e Claudia Raia. Por meio de busca no Versalic — plataforma do MinC (Ministério da Cultura) que lista os projetos que recebem incentivos fiscais da pasta —, Aos Fatos verificou que somente Raia possui propostas associadas ao seu nome a partir de 2023. Os demais não possuem propostas ou não captaram os valores necessários para a realização dos projetos.

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No ano passado, Raia teve uma proposta aprovada para captar cerca de R$ 5 milhões. O processo foi iniciado no ano anterior, ainda no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e foi homologada em janeiro de 2023, já no início da gestão Lula (PT). Nenhum valor, no entanto, foi arrecadado até o momento, segundo dados do Versalic.

Esta peça de desinformação também foi checada pela Reuters.

Referências:

1. MDS (1, 2, 3 e 4)
2. Direção e Cultura
3. Agora São Paulo
4. Black Brazil Today
5. Extra
6. UOL
7. Brasil de Fato
8. Hora Campinas
9. MinC (1 e 2)
10. Imprensa Nacional

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