Aviso: este texto é uma análise e foi publicado originalmente na newsletter O Digital Disfuncional.
O ano que vem será marcado por algo em torno de 70 diferentes processos eleitorais em todo o mundo. Se o que as plataformas digitais fazem para livrar seus domínios de desinformação sobre eleições é uma preocupação perene, com apagão de dados e lobby pesado contra regulação, a demissão de metade da equipe de integridade do ex-Twitter é mais um sinal de alerta.
A empresa diz que manterá em seus planos a contratação de novos funcionários para a função, porém, numa interação no ex-Twitter, Elon Musk afirmou, na última quarta-feira (27), que a equipe anterior estava “sabotando” a política de integridade da empresa.
Saiu nessa barca o colíder da equipe que trata de desinformação, Aaron Rodericks, depois de sofrer, semanas atrás, um ataque de ultradireitistas inconformados com um anúncio de contratação pelo ex-Twitter de novos funcionários para a área. “Ótimas notícias — abrindo oito novas vagas em todo o mundo para intridade cívica e eleitoral! Se você é apaixonado por proteger a integridade de eleições e eventos cívicos, X certamente está no centro dessa conversa!”, escreveu Rodericks no LinkedIn, antes da saraivada de críticas.
A notícia das demissões veio menos de um dia depois da publicação de um relatório da União Europeia que põe o ex-Twitter em maus lençóis. Publicado na última terça-feira (26), o documento analisou desinformação nas plataformas digitais regidas pelo DSA (Digital Services Act), código de regulação europeu, e encontrou maior prevalência de atores mal-intencionados na empresa de Musk. A rede social teve problemas comparativamente superiores àqueles registrados por seus pares nos seguintes quesitos:
- Maior proporção de desinformação ao procurar por um termo em específico – o que a consultoria TrustLab, autora do relatório, chamou de “maior discoverability”;
- Maior engajamento em publicações com informações falsas do que naquelas com conteúdo verdadeiro;
- Maior presença de disseminadores de desinformação — chamados no relatório de “disinformation actors”.
O relatório levou em consideração publicações de Facebook, Instagram, ex-Twitter, YouTube, TikTok e LinkedIn na Espanha, na Polônia e na Eslováquia — países da União Europeia escolhidos em função de serem distintos entre si em tamanho, idioma, localidade e ideologia predominante. Foram considerados desinformativos conteúdos com informações falsas ou enganosas sobre eleições, Covid-19 e a guerra na Ucrânia.
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Trata-se do primeiro relatório do tipo, portanto não fica claro o que pode acontecer com o ex-Twitter, além da má fama, diante da autoridade regulatória europeia. A empresa saiu meses atrás do grupo de signatários voluntários do código de conduta contra desinformação do bloco europeu, disse depois que se adequaria às regras do DSA, mas age para tornar suas políticas de integridade cada vez menos transparentes. O recurso de reportar um ex-tuíte como desinformação, por exemplo, parece ter sumido da plataforma nesta semana em vários lugares, menos na Europa.
O declínio do ex-Twitter é também preocupante por consumir atenção desproporcional em relação às demais plataformas — sobretudo aquelas com mais influência e usuários pelo mundo. O relatório da União Europeia mostra que publicações desinformativas no YouTube registraram maior engajamento em relação àquelas com informações corretas, embora a diferença seja, segundo a pesquisa, pouco relevante. O Facebook aparece com grande proporção de conteúdo falso em relação à disponibilidade de informações verdadeiras, assim como é a segunda plataforma com a maior quantidade de disseminadores de desinformação.
Não é exagero afirmar que Musk testa os limites regulatórios globais em benefício de todas as plataformas. Basta lembrar que as demissões em massa no ex-Twitter no ano passado foram seguidas de ações semelhantes na Meta, na Alphabet e na Microsoft — para ficarmos apenas entre as empresas constantes do relatório. Todas elas pesaram a mão sobre suas equipes de combate à desinformação e outras ameaças.
Além do Brasil, onde teremos eleições municipais, Índia, Indonésia e Estados Unidos realizarão eleições nacionais em 2024. Os quatro países perfazem o quarteto com maior número de usuários do Facebook, do Instagram e do YouTube no mundo, além de figurarem entre os cinco maiores usuários do ex-Twitter. À exceção da Índia, onde é banido, o TikTok também tem entre brasileiros, indonésios e americanos seus maiores mercados. Há muito em jogo — e aparente falta de disposição para assumir responsabilidades.