Vídeos transfóbicos no Kwai, patrocinador do BBB 24, manipulam cortes para atacar Giovanna

Por Milena Mangabeira

16 de abril de 2024, 12h44

Patrocinador do Big Brother Brasil, o Kwai tem lucrado com a disseminação de vídeos que misturam transfobia e desinformação para atacar uma das participantes do reality show da Globo. Vídeos na plataforma com cerca de 2 milhões de visualizações usam cortes do programa fora de contexto para questionar a identidade de gênero da nutricionista Giovanna Lima.

Ao longo da última semana, após a eliminação de Giovanna, o Aos Fatos identificou conteúdos que alegam que ela teria tentado esconder sua suposta transgeneridade enquanto participava do BBB 24. As peças têm tom alarmista. Usam frases que nunca foram ditas por Giovannna e tratam do caso como se ser trans fosse uma “acusação”.

Após patrocinar no ano passado o programa A Fazenda, reality da Record, o Kwai investiu neste ano pela primeira vez no BBB. Nos dois casos, a plataforma tomou o lugar do TikTok, seu principal concorrente.

Em janeiro, em nota enviada ao Meio&Mensagem, a empresa disse que o objetivo do patrocínio é se posicionar em um mercado relevante e oferecer uma plataforma “em que as pessoas possam repercutir os acontecimentos, memes e polêmicas dos principais tópicos de entretenimento do Brasil”.

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 Print de vídeo com texto que mente sobre o discurso falado por Giovanna no confessionário. A participante não fala sobre gênero, apenas de sua personalidade.
Transfobia. Vídeos usam áudios descontextualizados para alegar que Giovanna teria dito que não queria revelar sua identidade de gênero a outros participantes do BBB, o que é mentira (Reprodução/Kwai)

Um vídeo que, sozinho, soma mais de 630 mil visualizações, alega que Giovanna teria revelado no confessionário do programa que ainda não havia mostrado seu corpo aos demais participantes para que não descobrissem que ela seria uma mulher trans, o que é mentira. Não há qualquer menção do tipo no áudio compartilhado pelas peças, que traz apenas um relato da participante sobre sua personalidade.

Há posts que envolvem também MC Bin Laden, que manteve um relacionamento com a nutricionista durante o BBB 24. As legendas dos vídeos alegam que o artista teria ficado “transtornado” ao descobrir a identidade de gênero de Giovanna e que “caiu fora ao saber dos boatos”. Não há nenhum registro de que o cantor tenha dado declarações do tipo.

Um desses posts, que faz alegações enganosas a partir de uma entrevista em que o funkeiro não questiona o gênero de Giovanna, soma mais de 500 mil visualizações no Kwai.

Vídeos que circulam no Kwai usam desinformação sobre suposta reação de MC Bin Laden a identidade de gênero de Giovanna LimaDiscurso de ódio. Peças transfóbicas usam desinformação sobre suposta reação de MC Bin Laden a identidade de gênero de Giovanna como isca para atrair cliques (Reprodução/Kwai)

Outros vídeos, que ultrapassam 80 mil visualizações em diferentes versões, associam um áudio da apresentação de Giovanna no programa com imagens do ator italiano Luigi D’Oriano, que participou do filme Mixed by Erry, da Netflix. “O segredo da Giovana, pois ela entrou no BBB sem falar nada para ninguém”, diz um dos posts, que sugere que a foto de D’Oriano seria um retrato antigo da participante do reality.

Capturas de tela que usam fotos de um ator italiano como se fossem fotos antigas de Giovanna antes da transição de gênero.Desinformação. Vídeos compartilham foto de ator italiano como se fosse retrato antigo de Giovanna (Reprodução/Kwai)

Seguindo uma tendência de outros conteúdos desinformativos virais, as publicações transfóbicas sobre Giovanna que circulam no Kwai também foram compartilhadas em outras plataformas. Um vídeo postado originalmente na rede de vídeos curtos, por exemplo, já acumula mais de 1,1 milhão de visualizações no Instagram.

Em publicação nas redes na última sexta-feira (12), Giovanna afirmou ser uma mulher cisgênero e disse não saber a origem da informação falsa.

“Enfim, não importa também, né? Mas eu fiquei até lisonjeada, viu? Porque o que eu conheço de trans maravilhosa, meu filho. Empoderadas, lindas e belas. Se vocês estão me achando linda e bela, para mim, está tudo ótimo, está tudo certo”, disse a ex-BBB.

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A transfobia é um tipo de discurso de ódio recorrente nas redes brasileiras. No ano passado, o Aos Fatos mostrou como publicações virais que atacavam pessoas trans surgiram em diversas plataformas após uma fala preconceituosa do deputado federal Nikollas Ferreira (PL-MG).

A transfobia é enquadrada como crime desde 2019, quando foi equiparada ao crime de injúria racial pelo STF (Supremo Tribunal Federal). De acordo com os precedentes, são puníveis ações que “envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém”. A pena pode chegar a cinco anos de prisão.

Segundo dados divulgados pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), houve 145 homicídios de pessoas trans no Brasil em 2023. Os números são cerca de 10% maiores do que os registrados no ano anterior.

Outro lado. Aos Fatos questionou o Kwai sobre as publicações transfóbicas na plataforma e quais medidas têm sido tomadas para reduzir o discurso de ódio na rede. Em nota, o Kwai respondeu que a plataforma tem se comprometido em promover um ambiente digital seguro e removeu, no segundo semestre de 2023, cerca de 4,3 milhões de vídeos que violavam as Diretrizes da Comunidade e os Termos de Serviço, “o que representa menos de 1% de todo o conteúdo carregado no período”, segundo a empresa.

Sobre a presença de conteúdo falso e discurso de ódio na plataforma, o Kwai afirmou que mantém uma estrutura de moderação para remoção imediata desse tipo de conteúdo. Leia a íntegra da resposta.

A empresa também solicitou que fossem enviados os links dos vídeos transfóbicos encontrados pela reportagem. Na manhã desta terça-feira (16), Aos Fatos verificou que todos os conteúdos indicados foram tirados do ar. Porém, ao buscar pelas palavras-chave “giovanna trans”, ainda é possível encontrar novos posts disponíveis, que somam milhares de visualizações.

Referências:

1. Meio&Mensagem (1, 2)
2. g1
3. Marianna De Martino
4. Netflix
5. Revista Quem
6. Aos Fatos
7. CNN Brasil (1, 2)
8. STF (1, 2)
9. Planalto


Este texto foi atualizado às 13h15 do dia 16 de abril de 2024 para incluir o posicionamento enviado pelo Kwai.

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