Seis dos onze ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) já votaram a favor da criminalização da homofobia, formando, assim, maioria na Corte com o entendimento de que agressões contra a população LGBTQI devem ser enquadradas como crime de racismo até que o Congresso aprove lei sobre o tema. Ao analisarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e o Mandado de Injunção nº 4.733, os seis magistrados afirmaram que há demora inconstitucional dos congressistas na proteção de homossexuais e transexuais. O julgamento foi suspenso na última quinta-feira (23) e será retomado no dia 5 de junho, quando os demais ministros votarão.
Um dia antes do julgamento no STF, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado aprovou o PL 672/2019, que inclui "os crimes de discriminação ou preconceito de orientação sexual e/ou identidade de gênero" na Lei de Racismo. O texto ainda precisa passar por mais uma votação na mesma comissão e, se novamente aprovado, pode seguir diretamente para o plenário da Câmara. Um ponto que gerou polêmica no projeto, porém, é que a regra não valeria em templos religiosos.
Caminhando a passos lentos, a criminalização da homofobia não é a primeira conquista do movimento LGBTQI brasileiro. Para mostrar a trajetória dos direitos adquiridos, Aos Fatos listou (e desenhou) os principais marcos:
1. Com a promulgação do Código Penal do Império, a sodomia deixou de ser considerada um crime e, com isso, perdeu validade lei que punisse relações homossexuais no país. Considera-se, portanto, que a descriminalização da homossexualidade no Brasil ocorreu em 1830.
Até hoje, estima-se que 68 países ainda criminalizem as relações homossexuais, segundo a ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais). A maioria deles está no continente africano (32 países) e na Ásia (21 países). Seis países, inclusive, ainda preveem a pena de morte: Irã, Arábia Saudita, Iêmen, Nigéria, Sudão e Somália.
Uma das descriminalizações mais recentes ocorreu na Índia, em setembro de 2018.
Cerca de 150 anos após a descriminalização, em 1985, o CFM (Conselho Federal de Medicina) retirou a homossexualidade da lista de patologias. A decisão no Brasil foi tomada antes de manifestações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e da CID (Classificação Internacional das Doenças), que se posicionaram da mesma forma em 1990 e 1992, respectivamente.
2. As cirurgias de transgenitalização (também chamadas de cirurgias de readequação genital ou de redesignação sexual) foram liberadas no Brasil a partir de 1997 por meio de resolução do CFM. Antes disso, no entanto, alguns hospitais e clínicas já realizavam o procedimento de forma clandestina. Atualmente, a resolução que trata desse tipo de procedimento é a de nº 1.955/2010.
Em 2008, o SUS (Sistema Único de Saúde) passou a oferecer o processo de redesignação sexual do fenótipo masculino para o feminino. E, em 2010, o processo de trangenitalização do feminino para o masculino também foi aprovado pelo sistema.
Para se ter uma ideia do valor, uma cirurgia de redesignação sexual pode custar até R$ 35 mil, segundo estimativa do Universa. A mesma reportagem lista também as cidades com hospitais públicos que realizam essas cirurgias, como São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Uberlândia (MG).
O site Nlucon resgatou uma reportagem do jornal O Cruzeiro de 1959 que conta a história de Mário da Silva, que, na época, realizou duas cirurgias para poder ser reconhecido como um homem aos 18 anos de idade. O caso de Mário é o mais antigo que se tem notícia no Brasil.
3. No dia 11 de maio de 2011, o STF, em decisão unânime, reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. Com isso, casais homoafetivos passaram a ter direitos como pensão e comunhão de bens.
A decisão do STF foi reconhecida como patrimônio documental da humanidade, recebendo o certificado MoWBrasil 2018, oferecido pelo Comitê Nacional do Brasil do Programa Memória do Mundo da Unesco.
Em maio de 2013, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou que os cartórios não podiam se recusar a celebrar uniões entre pessoas do mesmo sexo no Brasil. Ainda há atualmente lutas por alterações na Constituição e no Código Civil que incluam a união entre casais homossexuais.
Em 2015, a ministra do STF Cármen Lúcia reconheceu que casais homoafetivos podem adotar crianças, independentemente da idade delas. Isso porque, ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente não determine a orientação sexual dos adotantes, juízes negavam os pedidos feitos por LGBTIQs.
4. Em março do ano passado, o STF definiu que todo cidadão tem direito de escolher a forma como deseja ser chamado, permitindo, assim, que pessoas trans possam alterar o nome e o sexo no registro civil sem que se submetam a cirurgia. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) já tinha reconhecido o direito em 2017.
O CNJ, três meses depois da decisão do STF, publicou o Provimento 73/2018, que estabeleceu as regras para que as pessoas trans mudem nome e gênero em suas certidões de nascimento ou casamento diretamente nos cartórios.
5. Mesmo que a OMS tenha anunciado, em 2018, que vai retirar a transexualidade da lista de doenças e distúrbios mentais até 2022, o CFM (Conselho Federal de Medicina) ainda reconhece que o paciente transexual "é portador de desvio psicológico permanente de identidade sexual, com rejeição ao fenótipo e tendência à automutilação e/ou autoextermínio”.
Procurado por Aos Fatos nesta quinta-feira (23), o órgão não respondeu até a publicação desta reportagem.
Referências:
1. EBC (Fonte 1 e 2)
2. O Globo (Fonte 1, 2)
3. ILGA
4. CFM (Fonte 1, 2 e 3).
5. Universa
6. Nexo
7. STF (Fonte 1 e 2)
8. CNJ
9. Conjur (Fonte 1, 2 e 3)
10. Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.