🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Moro erra ao dizer que hacker é alvo de 46 ações, número que aparece na busca do Jusbrasil

Por Gisele Lobato e Milena Mangabeira

18 de agosto de 2023, 16h53

O senador Sergio Moro (União-PR) não soube informar a fonte que usou para alegar, durante sessão da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) que investiga os atos golpistas de 8 de janeiro, que o hacker Walter Delgatti Neto responde na Justiça a 46 ações penais por crime de estelionato.

O número citado pelo ex-juiz federal está errado, de acordo com levantamento feito pelo Aos Fatos nos sites dos tribunais, e coincide com as menções ao nome de Delgatti na busca do Jusbrasil, site jurídico que tem sido usado para gerar desinformação.

  • No embate que protagonizou com o “hacker da Vaza Jato” na última quinta-feira (17) , Moro afirmou que tinha tido dificuldades em levantar a “ficha corrida” do depoente na CPMI, “porque ela é bastante extensa”;
  • Na sequência, perguntou em quantas ações penais “por crimes de estelionato” Delgatti era réu. O hacker disse ter respondido a “cerca de quatro processos” e ter sido absolvido em todos eles;
  • Moro replicou: “Nós pegamos uma lista aqui de 46 processos, seja em fóruns de Ribeirão Preto, Araraquara, Rio Claro, Justiça Estadual”;
  • As falas de ambos, porém, são enganosas.

O Aos Fatos fez um levantamento nos sites dos tribunais e constatou que Delgatti, de fato, consta como réu em quatro ações penais por estelionato. Não é verdade, no entanto, ele tenha sido absolvido de todas elas.

  • O hacker foi alvo de quatro ações por estelionato na Justiça de São Paulo, sendo duas em Araraquara e as demais em Ribeirão Preto e em Rio Claro;
  • Em uma das ações, apresentada em Araraquara em 2013, ele foi condenado em segunda instância por causar prejuízos ao Itaú após desbloquear os cartões bancários de uma correntista, mas não foi punido porque o crime prescreveu;
  • Na outra, de 2015, foi condenado em primeira e segunda instância pela acusação de adquirir produtos com um cartão de crédito furtado;
  • Nos processos que correm em Ribeirão Preto, de 2011, e em Rio Claro, de 2012, Delgatti é acusado de estelionato, mas os julgamentos ainda não ocorreram porque o réu não foi localizado;
  • Além das acusações de estelionato, uma quinta ação penal em São Paulo condenou o hacker por falsificar uma carteira de estudante de medicina, em um processo no qual foi absolvido da acusação de tráfico de drogas — os remédios controlados que teriam sido encontrados com ele não continham as substâncias ativas;
  • Ele também foi alvo de uma ação civil apresentada por um homem que pedia indenização e o acusava de não transferir de nome um veículo que comprou dele, o que fez com que as infrações de trânsito fossem enviadas ao antigo proprietário;
  • Além disso, o hacker é réu, na Justiça Federal, no processo decorrente da operação Spoofing — investigação da Polícia Federal que prendeu acusados de hackear as contas de autoridades brasileiras, entre elas o próprio Moro, na invasão que deu origem às denúncias conhecidas como “Vaza-Jato”;
  • Em outra ação na Justiça Federal, o MPF acusa Delgatti de calúnia.

As demais ações listadas na busca do Jusbrasil se referem, sobretudo, a recursos relacionados a esses processos, como habeas corpus apresentados pela defesa de Delgatti. Além disso, há casos em que o hacker não é citado como réu, mas como outra parte do processo.

JUSBRASIL

Questionada pelo Aos Fatos sobre a origem da informação de que Delgatti responderia a 46 processos, a assessoria de Moro disse, inicialmente, que o dado constava na denúncia da operação Spoofing.

A reportagem analisou, então, as 95 páginas da denúncia apresentada pelo MPF (Ministério Público Federal), que foram fornecidas pela própria assessoria do senador, e não encontrou nenhuma menção ao número.

Já o relatório da Polícia Federal sobre a operação lista cinco ações penais nas quais o hacker é réu — as mesmas cinco que o Aos Fatos identificou —, além de um registro por uso de documento falso em Santa Catarina que não chegou a virar ação por se tratar de um crime de menor relevância.

Após novo contato do Aos Fatos, a assessoria reconheceu o erro e disse que “a relação dos processos pode ser levantada nos tribunais”. A reportagem voltou a perguntar qual era a fonte da fala de Moro e questionou se havia sido o Jusbrasil, já que o número é o mesmo encontrado na busca pelo nome de Delgatti na plataforma. As mensagens, no entanto, deixaram de ser respondidas a partir daí.

Print do Jusbrasil diz: O Jusbrasil encontrou 46 processos que mencionam o nome Walter Delgatti Neto no TJSP, no TRF1 e em outros tribunais.
Jusbrasil. Resultado da busca na plataforma jurídica indica que 46 processos mencionam o nome de Walter Delgatti Neto, mas isso não significa que ele seja réu em todos (Reprodução)

Como já mostrado pelo Aos Fatos, a busca do Jusbrasil tem sido usada como fonte de desinformação — seus resultados são lidos incorretamente e dão a entender que o indivíduo que teve o nome buscado responde a mais processos do que as ações que de fato tramitam na Justiça. O levantamento pode incluir casos em que o pesquisado desempenha outros papéis, como o de testemunha, além de conter redundâncias, já que uma mesma ação pode se desdobrar em mais de um resultado, já que recursos são contabilizados individualmente pela plataforma.

O objetivo final das deturpações que usam o Jusbrasil é atacar as pessoas pesquisadas, como já ocorreu com o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB-MA), acusado pelo deputado André Fernandes (PL-CE) de responder a 277 processos com dados do Jusbrasil, o que é falso. A relatora da CPMI do 8 de janeiro, Eliziane Gama (PSD-MA), e outros ministros do governo Lula também já foram alvo de distorções criadas a partir de dados da plataforma jurídica.

Em nota enviada em junho, o Jusbrasil salientou que “é um erro afirmar que o número de menções a um nome em processos judiciais se configura em um indicativo de crime ou desvio moral”, e que indivíduos que incorrem nessa prática estão fazendo mau uso da ferramenta e das informações jurídicas.

Para evitar distorções, o Aos Fatos também elaborou um guia que explica o passo a passo de como interpretar os resultados do Jusbrasil.

Referências:

1. O Globo (1 e 2)
2. Poder360
3. Jusbrasil
4. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5 e 6)

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