🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Julho de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Falas de Lula em defesa da ditadura de Maduro na Venezuela contrastam com discurso eleitoral

Por Marco Faustino

5 de julho de 2023, 15h41

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) alterou seu discurso em relação à crise política venezuelana entre o período eleitoral de 2022 e os primeiros meses de seu mandato, passando das críticas à defesa do ditador Nicolás Maduro.

Antes de ser eleito pela terceira vez, Lula declarou que não concordava com a política econômica da Venezuela e que defendia a alternância de poder no país. Após assumir o poder, porém, o mandatário passou a afirmar que o autoritarismo no país vizinho seria uma “narrativa” construída por inimigos do regime — ideia que reforçou na última quinta-feira (29), quando disse que o conceito de democracia era “relativo”.

Ao começar a defender o regime venezuelano, porém, Lula passou a omitir e distorcer dados sobre a situação no país, cujo governo é acusado por organizações internacionais de perseguir dissidentes e faltar com transparência nas eleições.

Durante entrevista coletiva em 29 de maio, por exemplo, Lula disse que as acusações de autoritarismo contra a ditadura de Nicolás Maduro seriam uma “narrativa que se construiu contra a Venezuela”.

Imagem mostra Lula, à direita, e Maduro, à esquerda. Ambos vestem ternos escuros, estão atrás de pulpitos de madeira e são observados por uma plateia.  Entre eles aparecem as bandeiras do Brasil e da Venezuela.
Encontro. Lula (à dir.) defende ditaduta de Maduto (à esq.) em entrevista coletiva no dia 29 de maio de 2023 (Reprodução/YouTube/TV Brasil)

A afirmação, porém, omite que o regime usou o Tribunal Supremo de Justiça — mais alta instância do Judiciário venezuelano — para tirar poderes do Parlamento. Maduro também impediu a oposição de participar do processo eleitoral e fechou as fronteiras com outros países para inviabilizar a ajuda humanitária.

O caráter autoritário do regime de Maduro é apontado por organizações internacionais, como a Human Rights Watch e a Anistia Internacional. O Alto Comissariado da ONU (Organização das Nações Unidas) para os Direitos Humanos diz que o governo venezuelano mantém ao menos 282 presos políticos e é responsável por “execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e tortura”. Já o Democracy Index, que analisa a qualidade democrática de 165 países, considera a Venezuela um dos países menos democráticos do mundo (151ª posição).

Um mês depois de denunciar a “construção de narrativa”, Lula defendeu o regime de Nicolás Maduro alegando que o conceito de democracia era “relativo”, em entrevista à Rádio Gaúcha. Em sua argumentação, o presidente brasileiro afirmou que a Venezuela realizou mais pleitos que o Brasil desde a eleição de Hugo Chávez. O dado, porém, não é verdadeiro quando comparados os números de disputas presidenciais nos dois países — foram sete no Brasil contra seis na Venezuela.

Além disso, a afirmação de Lula é enganosa por não considerar as condições em que os pleitos no país vizinho foram realizados. As eleições venezuelanas de 2021, por exemplo, foram alvo de críticas dos observadores europeus que acompanharam o processo. Entre os problemas apontados por eles estão a exclusão de candidatos opositores da disputa e as dificuldades de alguns eleitores de conseguir votar. Antes desse pleito, o país havia ficado 15 anos sem receber observadores internacionais independentes para avaliar o processo eleitoral.

Além disso, as eleições venezuelanas são marcadas por altos índices de abstenção. Menos da metade da população apta a votar compareceu às urnas nas últimas três eleições realizadas na Venezuela (2018, 2020 e 2021). Já nas últimas três disputas realizadas no Brasil, mais de 70% dos eleitores exerceram o direito ao voto.

Lula veste camisa azul e fala diante de um microfone, à frente de uma paisagem desfocada
Conceito. Lula alegou que o conceito de democraria é relativo em entrevista para a Rádio Gaúcha em 29 de junho de 2023 (Reprodução YouTube/Rádio Gaúcha)

Durante a entrevista para a Rádio Gaúcha, Lula também desinformou ao atribuir as dívidas da Venezuela e de Cuba com o Brasil ao afastamento promovido pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) em relação a esses países.

“É verdade que a Venezuela não pagou, porque o governo brasileiro [no mandato de Bolsonaro] fechou as portas para a Venezuela. Foram praticamente quatro anos sem relação. Eu conversei com o Maduro agora, e eu falei: ‘Maduro, é preciso começar a acertar o pagamento da dívida’. E ele vai acertar. Ele vai acertar, Cuba vai acertar e todos vão acertar porque todos são bons pagadores e nunca deveram ao Brasil.”

Ao contrário do que declarou o presidente brasileiro, tanto Cuba quanto Venezuela deixaram de pagar seus empréstimos para o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) a partir de janeiro de 2018, durante o governo de Michel Temer (MDB) e um ano antes de Bolsonaro assumir o poder. Os regimes de Havana e Caracas possuem quase US$ 1 bilhão de dívidas em atraso com o banco brasileiro.

DEMOCRACIA EM VERTIGEM


Antecessor de Maduro, Hugo Chávez foi eleito presidente da Venezuela em 1998. Já no seu primeiro ano de governo, conseguiu emplacar um referendo que estendeu o mandato presidencial de cinco para seis anos, com direito a uma reeleição.

Em 2009, a Assembleia Nacional do país aprovou mais uma mudança na lei, que tornou ilimitado o número de reeleições para presidente — no Brasil, por exemplo, é permitido somente uma. Com a manobra, Chávez voltou a ser reeleito em 2012, mas morreu em março do ano seguinte, o que levou à ascensão ao poder de seu vice, Nicolás Maduro.

Imagem mostra o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, ao lado do vice, Nicolás Maduro, em dezembro de 2012.
Efeito Orloff. O presidente Hugo Chávez (à esq.) discursa ao lado do então vice, Nicolás Maduro, durante uma transmissão nacional no Palácio Miraflores em Caracas em 8 de dezembro de 2012 (Reprodução)

Em 2013, a eleição de Maduro — que até então ocupava o cargo de presidente interino — foi contestada pela oposição sob a alegação de fraude. Na época, o então secretário-geral da OEA (Organização dos Estados Americanos), José Miguel Insulza, apoiou um pedido de recontagem de votos, mas a legislação eleitoral do país não previa essa possibilidade.

Entre 2015 e 2020, Maduro tentou reduzir os poderes da Assembleia Nacional, que havia se tornado majoritariamente oposicionista. Em 2017, por exemplo, o TSJ anunciou que exerceria as funções do Parlamento, mas voltou atrás após pressão internacional. Nas eleições de 2020, apoiadores do governo conquistaram 253 dos 277 assentos na Assembleia Nacional, retomando o controle da instituição.

Antes disso, em 2018, Maduro conseguiu se manter no poder após uma eleição marcada por denúncias de fraude e alto índice de abstenção. Juan Guaidó, então presidente da Assembleia Nacional, não reconheceu o pleito e se autodeclarou presidente da Venezuela. Países como Argentina, Estados Unidos, Canadá e alguns membros da União Europeia, além do governo de Jair Bolsonaro (PL) no Brasil, apoiaram a declaração do líder oposicionista venezuelano, mas Maduro não deixou o poder.

Guaidó perdeu força política na Venezuela, inclusive entre partidos de oposição, e teve seu “governo interino” encerrado formalmente em dezembro de 2022. Em janeiro, o político perdeu também o cargo de presidente da Assembleia Nacional.

Referências:

1. El País (1, 2)
2. Folha de S.Paulo (1, 2)
3. G1 (1, 2, 3, 4, 5)
4. Facebook
5. Poder360
6. Human Rights Watch
7. Anistia Internacional
8. Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (1 e 2)
9. Democracy Index
10. Rádio Gaúcha
11. Agência Brasil (1, 2)
12. BNDES (1, 2)
13. Câmara dos Deputados
14. BBC Brasil
15. ABC.es
16. O Globo
17. Correio Braziliense
18. Brasil de Fato

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