🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Gamers usam desinformação e discurso de ódio para influenciar votos

Por Laura Scofield

29 de outubro de 2022, 16h48

Esta reportagem foi feita numa colaboração entre Agência Pública, Aos Fatos e Núcleo Jornalismo para a cobertura das eleições de 2022. A republicação só é permitida com a atribuição de crédito para todas as organizações.


A mobilização de eleitores nas ruas e nas redes ganha uma versão híbrida no caso de games que oferecem espaços virtuais. No 7 de Setembro, quando Jair Bolsonaro (PL) organizou mobilizações nas principais cidades do país, um grupo de fãs do antigo canal Xbox Mil Grau promoveu uma carreata virtual no jogo de corrida Forza Horizon.

“🇧🇷 CHAMEM A RAPAZIADA E BORA LOTAR ESSA PORRA, VENHAM COM OS CARROS PREPARADOS 🇧🇷”, convidou o jogador e organizador Luiz Reimann no início da tarde.

O jogo permite ao usuário ter acesso a vários tipos de carrinhos, que podem ser personalizados. Os jogadores escolhem “skins”, que funcionam como adesivos na lataria de bits. No horário combinado, todos os participantes entram em uma sala online — no Forza Horizon, o limite é de 60 jogadores.

O evento se resume a exibições de carros e decorações personalizadas. A plataforma do jogo permite também que os usuários conversem entre eles.

O organizador de um dos eventos do 7 de setembro falou à reportagem da Agência Pública pelo Twitter e disse que o encontro é uma “tradição” de um grupo de colegas que costuma jogar junto.

“Fazemos todos os anos desde as eleições de 2018. A ideia começou com o Chief da Xbox Mil Grau e nós mantivemos ao longo desses anos”, explicou Reimann. De acordo com ele, “o Chief optou por não organizar a galera”, depois que foi acusado “racismo e nazismo”.

O “Chief” é o influenciador Christoph Schlafner — que, junto com colegas de canal como Henrique Martins, conhecido como Capim, disse frases como “negros tinham que voltar pra senzala”.

A polícia abriu um inquérito para investigar as declarações e outros posicionamentos do canal, mas o processo foi arquivado em 2020 por falta de provas. Chief disse que seus vídeos haviam sido “editados de maneira maliciosa”. A Microsoft, dona da marca Xbox, obrigou o canal a mudar de nome e hoje eles não são mais o Xbox Mil Grau.

Chief é apoiador de Bolsonaro e já usou desinformação para levantar suspeitas sobre a segurança da urna eletrônica. O sistema eletrônico de votação é seguro e nunca teve fraude comprovada.

Capim também defende o atual presidente e se posiciona com ainda mais frequência nas redes — chegando a endossar tortura. “Olha o que fizeram com meu garoto hoje… Esse é o Bolsonaro que amamos e queríamos”, disse Capim em 26 de outubro, ao compartilhar no Twitter vídeo de 1999 onde Bolsonaro defende a tortura e a necessidade de uma “guerra civil” que mate 30 mil pessoas para mudar o país.

Em 29 de agosto, Jair Bolsonaro agradeceu a um grupo que teria organizado evento semelhante, as “motociatas gamer”. O tuíte chegou a 121 mil curtidas, 9 mil retuítes e mais de 600 comentários.

Youtubers. Plataforma muito frequentada por gamers, o YouTube também tem exemplos da mistura de política e joysticks. Um caso recente envolveu o influenciador Marco Túlio, dono do canal de Minecraft, AuthenticGames, que tem mais de 20,2 milhões de inscritos no YouTube. Ele declarou voto a Bolsonaro no Instagram e defendeu o modelo de família formada por homem e mulher, o que levou parte de sua audiência a acusá-lo de ser homofóbico.

Outro exemplo é o canal de YouTube Irmãos Piologo, que tem cerca de 2,61 milhões de inscritos na rede e 37,7 mil seguidores no Twitter. Em 13 de outubro, o canal produziu e compartilhou um vídeo que compara Bolsonaro a um “sorvete de limão” e Lula a um “sorvete de bosta”. “Nunca foi tão fácil escolher”, defendem os dois irmãos, que compartilharam vários posts com as hashtags como #lulaladrao #bolsonaro2022 e #mito no Twitter.

Além de fazer comentários sobre jogos, os irmãos publicam animações. Em 2020, outro canal deles, o Mundo Canibal, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) por publicar desenhos com mensagens transfóbicas, homofóbicas e machistas e teve que indenizar a sociedade em R$ 80 mil por danos morais coletivos.

Para Ivan Mussa, professor da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) que pesquisa a interação entre cultura pop — que inclui games e quadrinhos, por exemplo — e questões políticas e sociais, o debate político no mundo gamer é mais uma demonstração de que o grupo não é homogêneo. Ele aponta que existe uma parcela da comunidade gamer que é mais extremista e “vocal”, e portanto faz mais barulho nas redes, mas não representa os gamers como um todo.

Em agosto, a Agência Pública entrevistou o pesquisador sobre a relação entre o mundo gamer e a desinformação.

Discord e Bannon. O duelo político no mundo gamer também aparece no Discord, outra plataforma muito utilizada no mundo gamer, de acordo com Ivan Mussa. Lá são criados servidores que unem pessoas com interesses comuns e é possível conversar por áudio ou por escrito.

A Agência Pública entrou com um perfil anônimo em dez servidores que falam sobre política e jogos. A maior parte dos disponíveis na busca aberta — pelo Disboard, plataforma que une servidores do Discord — era pró-Bolsonaro.

No servidor Expresso da Vitória, que discute temas diversos, como jogos, política, religião e culinária, alguns usuários lamentaram o resultado do 1° turno, ainda em 2 de outubro. “Perdemo”, disse um. O usuário Meister disse então que houve “fraude” e que Bolsonaro deveria “usar o restante de poder e alinhamento/engajamento que tem no país” para se manter na Presidência, sugerindo um golpe militar.

Dois dias depois, a desinformação sobre fraude nas urnas voltou a aparecer np servidor: Meister compartilhou um áudio de 4 minutos e meio que afirma que “estava tudo arranjado” para o PT ganhar as eleições em 1º turno. “O esquema da fraude era ir descontando 1 do Bolsonaro e ir colocando 0,5 pro Lula”, mas o Exército teria descoberto e parado o esquema depois de ser avisado pela “inteligência russa”. “Espalhem no zap”, pediu um usuário em 4 de outubro deste ano. A mensagem foi checada pelo Aos Fatos.

Sem moderação. Ao contrário do que ocorre nas maiores plataformas, em que há ferramentas de moderação que dificultam a disseminação de discurso de ódio, o ambiente no Discord é mais violento. Por vezes, o debate sobre política é permeado de misoginia, racismo, e memes preconceituosos.

Entre as pessoas atacadas nas conversas acessadas pela reportagem se destaca a política Manuela D’ávila (PCdoB). No servidor Mitomaníacos o usuário Maledom compartilhou vídeos íntimos que mostram uma mulher parecida com ela e mensagens que a chamam de “vadia” e “feminazi”.

Para Mussa, parte do preconceito alimentado em parcela da comunidade gamer se deve a uma estratégia de “cooptação política bem sucedida" por parte da extrema-direita. Tal estratégia teria sido iniciada por Steve Bannon, ex-estrategista de Donald Trump e pode estar reverberando no Brasil por meio do discurso contrário ao “politicamente correto”, contra iniciativas de inclusão e diversidade.

No final de 2021, o usuário @titancaveira marcou políticos e influenciadores bolsonaristas, como a deputada reeleita Carla Zambelli (PL-SP), em um tuíte em que reclama sobre a inclusão dos pronomes “elu/elus” como opção no Forza Horizon — esses pronomes são utilizados por pessoas que não se identificam com os padrões de gênero, como pessoas não-binárias. Ele lamentou: “Por incrível que pareça já chegou nos gamers”.

“Dentro da comunidade [gamer] circulam ideias, teorias de conspiração, ideias de que imposto é roubo, do Estado mínimo, e todas essas coisas vão criando um caldo que facilita você entrar com essas ideias preconceituosas. Foi isso que o Steve Bannon sacou. E como é uma comunidade muito engajada, que posta muito, pra ele era maravilhoso, porque [a comunidade] espalhava muito as ideias que ele queria que fossem espalhadas na internet”, disse o pesquisador.

Mussa também aponta que a comunidade gamer brasileira é muito atraída pela defesa da redução da influência do Estado no mercado, defendida também por Bolsonaro — embora ele tenha ampliado os gastos sociais em R$ 2,1 milhão às vésperas da eleição para ganhar votos.

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