Peças desinformativas veem sinais divinos em efeitos especiais, mísseis e até vídeo de corvo

Desde os primeiros ataques, as redes brasileiras foram inundadas por peças de desinformação que fazem interpretações mirabolantes de supostos sinais divinos — e que seriam provas de que o povo de Israel é defendido por Deus.

A verdade, porém, é que boa parte desse conteúdo é composta por imagens forjadas ou descontextualizadas. Vamos desmentir as mais virais.

Por mais absurdo que pareça, um vídeo que mostra nuvens em formato de mãos em prece acumulou centenas de milhares de visualizações no TikTok nas últimas semanas e também se espalhou pelo Instagram e pelo Facebook.

'Exército Celestial.' Montagem que mostra nuvens em formato de mãos rezando circula como se tivesse sido registrada em Israel (Reprodução/Instagram)

Além de ser claramente editada, a imagem é antiga: em dezembro de 2022, publicações já diziam que o registro havia sido feito nos Estados Unidos ou no Qatar durante a Copa do Mundo.

Algumas publicações também compartilham luzes no céu noturno de Israel como se fossem sinais divinos ou anjos “à espera da ordem de Deus para agir”. A maioria desses vídeos, na verdade, mostram mísseis ou até fogos de artifício.

Luzes misteriosas. Posts interpretam pontos luminosos no céu como imagens de anjos que sobrevoam Israel (Reprodução/Facebook)

O vídeo acima, por exemplo, foi registrado na Faixa de Gaza pela emissora francesa LCI na noite de 7 de outubro, data do primeiro ataque do Hamas a Israel. É possível ver que as luzes traçam uma trajetória descendente e deixam traços durante o percurso, característica de sinalizadores de iluminação usados durante conflitos noturnos.

Uma das publicações mais virais diz mostrar o momento em que o céu de Israel foi iluminado após um grupo de pessoas tocar o shofar, instrumento de sopro usado pela religião judaica.

Brilho. Clarão no céu circula como se mostrasse milagre ocorrido em Israel durante o conflito (Reprodução/TikTok)

Aos Fatos não conseguiu identificar o vídeo original ou qualquer outra gravação semelhante do mesmo momento. Na verdade, tudo indica que se trata de um efeito de mudança de exposição, que pode ser feito na câmera ou em uma edição pós-gravação.

O processo pode ser exemplificado com o uso de um frame do vídeo (veja abaixo). Ao aumentar a exposição, o brilho do céu fica mais intenso, sem alterar muito as outras cores da cena.

Comparação. Céu fica mais claro com pequena mudança de exposição em frame do vídeo (Reprodução/Kwai)

Um vídeo de um corvo removendo uma bandeira de Israel de um mastro também foi compartilhado milhares de vezes e teve mais de 3 milhões de visualizações só no TikTok.

Corvo. Vídeo do animal tem sido compartilhado como se fosse uma premonição dos efeitos da guerra na região (Reprodução/TikTok)

“Quem lê a Bíblia sabe que Deus pode usar os animais para trazer mensagens. Isso mostra que é uma batalha espiritual também. Oremos por Israel”, diz uma das centenas de legendas diferentes do vídeo, que associa a imagem ao conflito atual e fala “do que está acontecendo em Israel”.

A gravação, no entanto, não tem relação com o conflito recente. Na verdade, as imagens foram registradas em abril deste ano em território palestino ocupado por israelenses na Cisjordânia. Na época, inclusive, usuários interpretaram as imagens como se o pássaro estivesse protestando contra a expansão territorial de Israel.

Sempre há uma motivação por trás da desinformação. É possível que algumas dessas publicações tenham sido disseminadas “só pela zoeira”, como também é possível que tenham sido publicadas para influenciar as pessoas a adotarem uma visão de mundo e a justificarem certas bandeiras.

Por isso, longe de tentar checar ou questionar a fé de qualquer pessoa, Aos Fatos quer conscientizar os usuários de que se deve ter cuidado antes de usar as convicções religiosas de uma pessoa como justificativa para a desinformação.