Ao propor alternativas à reforma da Previdência para reduzir o déficit do sistema de aposentadorias e pensões, movimentos sociais e partidos de oposição ao governo Bolsonaro têm inflado números e distorcido informações sobre o impacto dessas iniciativas. Aos Fatos checou quatro propostas alternativas à reforma e aponta por que elas não são suficientes para acabar com o déficit previdenciário.
As medidas sugeridas pelos oposicionistas tentam oferecer um caminho diferente do plano apresentado pelo governo para resolver o crescente déficit da Previdência Social, e que, em resumo, prevê a adoção de idades mínimas e a elevação de alíquotas e do tempo mínimo de contribuição. Segundo estimativa do Ministério da Economia, a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 6/19, que tramita no Congresso Nacional, possibilitaria uma economia de R$ 1,2 trilhão nos próximos 10 anos.
Em 2018, o déficit da Previdência Social de aposentados e pensionistas pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), pelo regime próprio de servidores civis federais e inativos e pensionistas militares chegou a R$ 285 bilhões, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional. O Ministério da Economia prevê que a diferença entre as receitas e despesas previdenciárias (saiba mais de onde vem o dinheiro da previdência) deve gerar um déficit ainda maior em 2019, de R$ 312 bilhões, e pode superar R$ 1 trilhão em menos de 15 anos.
Várias das ideias ventiladas pela oposição, como a redução das desonerações para empresas e o combate à sonegação fiscal, são práticas recomendadas por órgãos internacionais e podem gerar receitas significativas aos cofres públicos, mas em quantias menores do que as estimadas por seus defensores e sem fazer frente ao déficit crescente do sistema previdenciário.
Veja abaixo um resumo dos itens que checamos.
1. Desonerações concedidas pelo governo brasileiro devem alcançar R$ 306 bilhões em 2019, mas nem todo o valor beneficia empresários, como o ex-presidenciável Guilherme Boulos (PSOL) sugeriu – 17% se destinam a pessoas físicas;
2. A dívida das empresas com a Previdência chega a R$ 491 bilhões, mas, segundo o governo, apenas R$ 160 bilhões são recuperáveis;
3. A sonegação de impostos no Brasil, segundo estudo do Sinprofaz, passa de R$ 500 bilhões por ano, mas a experiência internacional mostra que reduzir esse número demanda investimentos e tempo. E não há registro de país que tenha eliminado por completo o problema.
4. Não se sabe ao certo em quanto a adoção de um imposto sobre grandes fortunas aumentaria a arrecadação. Uma estimativa do Senado de 2015 estima o impacto fiscal em R$ 6 bilhões por ano, valor pequeno perto do déficit da previdência.
1. Redução das desonerações para empresas
A redução ou o fim das desonerações tributárias para empresas é uma das soluções apresentadas por críticos a mudanças no sistema previdenciário. Existem dois problemas: 1) as desonerações tributárias, chamadas de “bolsa empresário” pelo líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) Guilherme Boulos em artigo contra a reforma da Previdência do atual governo, não atingem apenas grandes empresários, 17% são para pessoas físicas; 2) um corte nos programas ineficientes renderia uma receita extra de, no máximo, R$ 118 bilhões por ano, segundo estimativa do Banco Mundial, menos da metade do déficit da previdência, em 2018, de R$ 285 bilhões.
O governo federal estima, na Lei Orçamentária Anual, que abrirá mão de R$ 306 bilhões em decorrência de desonerações que serão concedidas em 2019. Mas cerca de R$ 52 bilhões (17,1%) são descontos para pessoas físicas por rendimentos não tributáveis e deduções como, por exemplo, por despesas com procedimentos médicos e educação.
Outros R$ 87,2 bilhões (28,5%) são relativos ao Simples Nacional, regime de impostos para pequenas e médias empresas com receita anual de até R$ 4,8 milhões. Mais R$ 2,4 bilhões (0,77%) foram para MEI (Microempreendedores Individuais, com faturamento anual de até R$ 81 mil). As grandes empresas são beneficiadas com R$ 164 bilhões em desonerações, como as concedidas para exportadoras, programas de incentivos setoriais ou regionais, como a Zona Franca de Manaus.
As renúncias fiscais, chamadas de "gastos tributários", subiram em ritmo acelerado desde 2011, quando Dilma Rousseff assumiu a Presidência. Naquele ano, segundo dado da Receita Federal, elas representavam 16,2% das receitas do governo e 3,49% do PIB do país. Em 2015, um ano antes do impeachment, elas chegaram a 22,7% das receitas e 4,5% do PIB.
A Folha de S.Paulo fez um levantamento que mostra que, durante seu mandato, Dilma concedeu R$ 458 bilhões em incentivos desse tipo. Em 2017, a petista disse que as desonerações que promoveu foram "um grande erro".
Não é só a esquerda que critica as desonerações. Num estudo encomendado pelo governo brasileiro em 2015 e publicado em 2017, o Banco Mundial criticou as políticas de apoio a empresas adotadas no país e avaliou que elas "tendem a ter impactos adversos na produtividade agregada e na geração de empregos".
O banco recomendou a extinção ou a reformulação do Simples, da Zona Franca de Manaus (R$ 27,7 bilhões, 8,7% das renúncias em 2019), das desonerações da folha de pagamentos (R$ 9,6 bilhões, 3,1%) e do Inovar-Auto (programa de estímulo à indústria automotiva, encerrado em 2017 pelo governo Temer).
Segundo o órgão, essas medidas poderiam gerar uma economia de, no máximo, 2% do PIB por ano. Aplicada ao PIB de 2015, quando o estudo foi feito, essa porcentagem teria um impacto de R$ 118 bilhões por ano.
2. Cobrança da dívida previdenciária com a União
Uma das soluções constantemente levantada para cobrir o déficit da previdência é a cobranças dos devedores da União. Em documento publicado pelo PT em março, por exemplo, há menção ao fato de a dívida ativa das empresas com a Previdência estar em mais de R$ 300 bilhões – o total hoje é de R$ 491 bilhões.
Mas isso inclui valores devidos por companhias que já faliram e não devem ser recuperados, como as aéreas Varig (R$ 4 bilhões), Vasp (R$ 2 bilhões) e Transbrasil (R$ 1,4 bilhões), que estão entre as cinco maiores devedoras. E como as dívidas são corrigidas pela taxa Selic, o bolo das empresas falidas aumenta todos os anos sem, em contrapartida, ampliar as chances de recuperar esses valores.
O Ministério da Economia estimou em 2017, quando a dívida total era de R$ 427,4 bilhões, que apenas cerca de R$ 160 bilhões (37%) seriam considerados recuperáveis. A IFI (Instituição Fiscal Independente), do Senado, é menos otimista: calcula que apenas R$ 87 bilhões têm chances de serem pagos.
Em março, o governo enviou um projeto de lei para fortalecer a cobrança das dívidas de "devedores contumazes". Entre outras medidas, ele estabelece que empresas que devem mais de R$ 15 milhões por pelo menos um ano podem ter seu cadastro fiscal cancelado e ficar 10 anos impedidas de receber benefícios fiscais. Com as medidas, a Procuradoria-Geral da Fazenda estima que vá recuperar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões por ano.
É preciso lembrar também que, diferentemente de outras possíveis fontes de receita, a dívida ativa da previdência é o que os economistas chamam de estoque, ou seja, é finita: quando todas os débitos forem pagos, os recursos acabam. Já as despesas previdenciárias são "fluxo", ou seja, ocorrem todos os anos – e vão continuar existindo depois que as dívidas das empresas forem zeradas.
3. Combate à sonegação de impostos
O combate à sonegação de impostos é apresentado como solução por críticos do atual projeto de reforma da Previdência porque teria a capacidade de arrecadar cerca de R$ 500 bilhões, como aparece no documento da Frente Povo Sem Medo, citando um estudo do Sinprofaz (Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional).
Em 2015, segundo o sindicato, foram sonegados 22,9% dos impostos devidos, ou R$ 474,4 bilhões. O valor equivalia, naquele ano, a 7,6% do PIB do país. A mesma porcentagem aplicada ao PIB de 2018 resultaria em cerca R$ 517 bilhões. Os próprios autores do estudo admitem, porém, que a conta "é repleta de complicações e dificuldades", incluindo a "baixa confiabilidade" dos dados disponíveis.
Há poucos trabalhos sobre a sonegação de impostos no Brasil, em parte porque, como se trata de dinheiro à margem da economia formal, é difícil obter dados confiáveis.
Se admitido o número encontrado pelos pesquisadores, a proporção de sonegação pelo PIB do Brasil é mais do que o dobro da média dos 38 países da OCDE, que, segundo um estudo publicado em 2016, foi de 2,8% em 2010. Mas é próxima à de outros países em desenvolvimento, como México (6,2%) e Turquia (5,7%). A comparação, entretanto, é imperfeita porque, além de os dados usados serem de anos diferentes, há diferenças de metodologia entre os levantamentos.
Em todo caso, há evidências de que o volume de impostos sonegados no Brasil seja alto. O problema é que reduzir esse número leva tempo e demanda investimentos.
Um relatório da consultoria McKinsey aponta a Turquia como exemplo de sucesso nessa questão. De 2005 a 2010, o país gastou US$ 230 milhões em iniciativas como simplificação tributária e digitalização de processos e, com isso, reduziu a sonegação em 1,1% do PIB, arrecadando nesse período um total de US$ 13 bilhões extras.
Se o Brasil conseguisse uma redução da mesma ordem, tomando como base o PIB de 2018, seriam aproximadamente R$ 75 bilhões a mais de arrecadação por ano – não R$ 500 bilhões.
Além disso, a ideia de que a sonegação é feita principalmente por grandes empresários pode estar errada, como pondera o estudo do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário). Usando dados de fiscalizações da Receita Federal, do INSS, de Secretarias de Fazenda de estados e capitais, o estudo conclui que pequenas empresas são responsáveis por cerca de dois terços da sonegação. Uma das conclusões do IBPT é a de que aumentar a fiscalização sobre a sonegação implica em ampliar a pressão sobre pequenas empresas.
4. Impostos para os mais ricos
O IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) está previsto na Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado, apesar de ser popular entre os parlamentares de esquerda. Há hoje 25 projetos de lei sobre o assunto em tramitação e outros 15 arquivados, propostos por 17 partidos diferentes.
O mais recente foi apresentado pelo PSB em abril e prevê a cobrança de uma alíquota anual de 5% sobre valores que excederem R$ 20 milhões. O partido estima que a medida poderia arrecadar até R$ 38,9 bilhões a mais por ano. Isso é menos de 15% do déficit da previdência, em 2018, de R$ 285 bilhões.
Em 2015, um estudo da consultoria legislativa do Senado, feito a pedido da então senadora e hoje deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), estimou um potencial arrecadatório muito menor: de R$ 6 bilhões por ano.
Entre os membros da OCDE, apenas três cobram hoje o imposto: Noruega, Espanha e Suíça. Nesses países, o tributo representou, em 2016, de 0,18% (Espanha) a 1% (Suíça) do PIB nacional. No Brasil de 2018, as mesmas porcentagens equivaleriam a R$ 12,2 bilhões e R$ 68 bilhões, respectivamente.
Mas a comparação direta é difícil, porque a arrecadação depende da quantidade de ricos no país, da definição do que é uma fortuna e da alíquota escolhida para o imposto. Além disso, o potencial arrecadatório pode ser reduzido caso, junto com o novo tributo, o governo introduza isenções, como lembra o relatório do Senado.
Um estudo da consultoria legislativa da Câmara, ao analisar a ideia de criação do IGF, concluiu que ele pode ser um instrumento para a redução da desigualdade, mas que "não deve ser utilizado como um mecanismo de combate a crises fiscais do Estado, pois sua arrecadação é muito pouco significativa para os países que o instituíram".