Não sabe como é calculado o desemprego no Brasil? Nós desenhamos

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Em entrevista à Record TV nesta terça-feira (2), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) voltou a criticar a metodologia da taxa de desemprego do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Segundo ele, a forma de cálculo “não é a mais correta” e seria uma “farsa”.

A declaração foi rebatida pelo IBGE no mesmo dia. O instituto disse usar conceitos, classificações e métodos internacionais reconhecidos, desmentiu afirmações do presidente e informou estar aberto a sugestões.

De fato, não é simples analisar o desemprego no Brasil, pois são diversas as variáveis, as denominações e até as pesquisas que tratam do tema. Porém, a medição dos níveis de emprego reflete a complexidade que há no mercado de trabalho e está bem longe de ser uma farsa.

É o que explicamos, abaixo, em quadrinhos.


1. Existem dois indicadores principais que medem o desemprego no Brasil. O Caged, divulgado mensalmente pelo Ministério da Economia, registra os processos de admissão e demissão de trabalhadores no setor formal (servidores públicos e trabalhadores com CLT). A fonte do Caged são as próprias empresas, que enviam seus dados para a pesquisa todo mês.

Já a Pnad Contínua, do IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), além do mercado formal, consegue também medir os níveis de emprego informal no país. Ela traz estimativas baseadas em amostragens (os pesquisadores questionam, por três meses, um número de lares para, assim, estimar os dados). Os resultados são divulgados mensalmente, mas não mostram a taxa exata de um mês, mas do trimestre móvel. A Pnad de fevereiro deste ano, por exemplo, traz a taxa de desemprego do trimestre entre dezembro de 2018 e fevereiro.

Segundo Renan De Pieri, professor do Insper, contatado por Aos Fatos, não é possível analisar o mercado de trabalho brasileiro apenas com o Caged, uma vez que a economia tem uma alta taxa de informalidade. Por isso, a Pnad costuma ser mais utilizada no cálculo de desemprego.

Há ainda a Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que disponibiliza, anualmente, o estoque (número de empregos) e a movimentação de mão de obra (admissões e demissões) dos setores privado e público. Na contagem não são considerados o número de empregos informais criados.

2. Além dos diferentes tipos de indicadores, algumas questões devem ser consideradas na análise da evolução do desemprego. A primeira delas é a sazonalidade, que, conforme explica o IBGE, são “flutuações intra-anuais no número de empregados que se repete regularmente durante os anos”. Isso significa que há épocas e fatores que influenciam os níveis de emprego no Brasil. No final do ano, por exemplo, é comum um aumento no número de ocupados por causa dos trabalhos temporários no comércio e na indústria. Em janeiro, por outro lado, há queda na ocupação com o fechamento dessas vagas de fim de ano.

Para não cometer o erro de comparar um mês que, historicamente, é marcado por demissões com outro em que se costuma observar a abertura de muitas vagas, o correto é confrontar a taxa de desemprego sempre com o mesmo período dos outros anos.

O erro é comum: em 2017, logo após a aprovação da reforma trabalhista no governo Temer, membros da oposição apontaram o novo texto como a causa do aumento do desemprego. No entanto, como Aos Fatos mostrou, eles não estavam considerando a sazonalidade das estatísticas.

3. Para refletir as múltiplas possibilidades do mercado de trabalho, o IBGE dispõe de várias denominações. Na metodologia do instituto, a população está dividida em dois grupos: pessoas com 14 anos ou mais, consideradas com idade para trabalhar, e as menores de 14 anos, que não estariam aptas ao trabalho.

As pessoas em idade de trabalhar, por sua vez, são divididas em dois grupos: pessoas na força de trabalho e pessoas fora da força de trabalho. Na força de trabalho, estão os desocupados ou desempregados (pessoas que estavam em busca de uma ocupação, mas não tinham emprego) e os ocupados (pessoas que estavam trabalhando). O número de desocupados em relação à força de trabalho compõe a taxa de desemprego e o número de ocupados em relação à força de trabalho compõe a taxa de ocupação.

Além desses dois indicadores, existem outras categorias importantes para qualificar o entendimento do mercado de trabalho. Dentro do grupo dos ocupados estão pessoas com emprego formal (carteira assinada ou funcionário público) e informal (empregados sem carteira assinada ou com negócios por conta própria, por exemplo). Outra distinção entre as pessoas com emprego se dá entre aquelas que trabalham o número de horas suficientes e os subocupados, que trabalham por menos tempo do que gostariam. Confira aqui o organograma.

No grupo das pessoas fora da força de trabalho, o IBGE tem classificações que também permitem entender melhor os movimentos das pessoas no mercado de trabalho, como as taxas de desalentados e de subutilização. Na primeira categoria estão todas as pessoas que não possuem ocupação e não buscaram emprego no mês de referência. Já a subutilização agrega os desempregados (desocupados), os subocupados por insuficiência de horas e a força de trabalho potencial (pessoas que buscaram trabalho mas não estavam disponíveis e pessoas que não procuraram emprego, mas estavam disponíveis).

4. A queda da taxa de desemprego sempre é uma boa notícia? Não, pois é possível observar redução do número de desocupados com o aumento de desalentados, aqueles que não procuraram emprego. Ou, como citado por Bolsonaro em entrevista à Record TV, a taxa de desemprego pode subir se quem era tido como desalentado passar a buscar trabalho e não encontrar.

Essa possibilidade foi citada por Bolsonaro ao se defender sobre a alta no desemprego. A hipótese, porém, não se sustenta na atual situação, pois houve alta no desemprego e no desalento. Hoje, segundo dados da Pnad, o Brasil tem 13 milhões de desocupados (taxa de 12,4%) e 4,8 milhões de desalentados. No trimestre anterior, a taxa de desocupação era de 11,6% e haviam 4,7 milhões de desalentados.

Um exemplo dessa complexidade pode ser visto em estudo da Parallaxis de fevereiro deste ano. Segundo o levantamento, realizado entre 2017 e 2018, o nível de desalento fez com que a taxa de desemprego fosse 0,5 menor: "A taxa de desemprego atingiu um pico histórico no trimestre móvel encerrado em março de 2017 e, a partir de então, ela entra numa trajetória quase que ininterrupta de queda. Mas, ao mesmo tempo, o desalento apresenta uma trajetória quase que ininterrupta de alta, atingindo máximas históricas durante esse período”, explicou Christian Thorgaard, analista econômico da Parallaxis.

5. A complexidade no cálculo do desemprego não é uma "farsa" do IBGE. O instituto utiliza os padrões recomendados pela OIT (Organização Internacional do Trabalho) para permitir a comparabilidade com outros países.

Segundo De Pieri, do Insper, o detalhamento dos dados é positivo: "Em se tratando de temas complexos, como o mercado de trabalho, é importante analisar os indicadores de formas multidimensionais, não olhar apenas uma ou outra taxa apenas".

Diversos outros países utilizam os mesmos padrões: Aos Fatos verificou, por exemplo, que EUA, França e México também trazem essas classificações. A única diferença é a idade mínima de pessoas “aptas para trabalhar”. Enquanto EUA considera 16 anos, França e México utilizam 15 anos e o Brasil a partir dos 14 anos.

Bolsonaro tem questionado a metodologia do IBGE, mas sempre utiliza dados falsos em sua crítica. Uma informação já checada por Aos Fatos é de que pessoas que recebem Bolsa Família, seguro-desemprego ou auxílio-moradia são tidos como empregados (ocupados). Isso não é verdade: de acordo com a nota técnica da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua), o IBGE não considera uma pessoa empregada apenas por receber algum benefício.

Colaborou Ana Rita Cunha.

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