🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Outubro de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Empréstimo de US$ 1 bilhão não teve garantia do governo brasileiro e foi pago pela Argentina

Por Marco Faustino

6 de outubro de 2023, 15h14

Não é verdade que o Brasil foi o avalista de um empréstimo de US$ 1 bilhão concedido pelo CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina) à Argentina em julho deste ano, como alegam publicações nas redes. A operação foi aprovada por 19 dos 21 votos possíveis da diretoria da instituição e os recursos saíram da própria instituição financeira, e não do Orçamento do Estado brasileiro. A dívida foi paga pela Argentina em agosto.

Publicações com o conteúdo enganoso acumulavam 104 mil visualizações no TikTok e centenas de curtidas no Instagram até a tarde desta sexta-feira (6).


Selo falso

Isso daqui foi um empréstimo dado pelo CAF com a garantia do Brasil. O Brasil assinou de avalista, meu amigo. (...) US$ 1 bilhão, podia ser usado pra um monte de coisa, podia dar Bolsa Família pra um monte de gente, podia fazer um monte de ação positiva no Brasil. O Lula deu esse dinheiro pra Argentina pra tentar ajudar o amiguinho dele lá

Em vídeo, homem compartilha manchete do Estadão e engana ao dizer que CAF emprestou dinheiro à Argentina com garantias do Brasil

Em vídeo que circula nas redes, um homem não identificado mente ao afirmar que o governo Lula (PT) teria sido avalista de um empréstimo de US$ 1 bilhão concedido pelo CAF à Argentina. De acordo com o autor da gravação, a verba teria sido retirada do próprio Orçamento brasileiro e os valores não teriam sido quitados pelo país vizinho. Essas alegações são falsas por diversos motivos:

  • O empréstimo foi aprovado por 19 dos 21 votos possíveis em uma reunião extraordinária da diretoria do banco em julho, e os recursos saíram de fundos da própria instituição;
  • A Argentina quitou a dívida no mês seguinte;
  • O Brasil não poderia ter sido avalista do empréstimo a partir de uma decisão unilateral do Poder Executivo, já que a lei não permite a concessão de garantias externas sem a aprovação do Senado.

Em julho, o CAF aprovou um depósito de curto prazo — conhecido como empréstimo-ponte — de US$ 1 bilhão em favor do Banco Central da Argentina. O objetivo era ajudar o país a pagar uma dívida de US$ 2,7 bilhões com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Quitada a parcela, o FMI dispensaria então mais recursos ao país, que pagaria o CAF. Apenas o Peru — cujo voto tem peso duplo — foi contra o empréstimo, que de fato foi pago pela Argentina em agosto.

Instituição internacional composta por 21 países — 19 da América Latina, além de Espanha e Portugal — e 13 bancos privados, o CAF tem como objetivo promover o desenvolvimento sustentável e a integração na região. O banco obtém fundos para suas operações principalmente dos mercados financeiros internacionais, com uma parcela menor proveniente dos países acionistas

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Assim como os demais países-membros, o governo brasileiro realiza aportes financeiros ao CAF, que são convertidos em ações. Em entrevista ao Aos Fatos, Carla Beni, economista e professora da FGV, explica que a verba usada para a compra de ações do CAF é considerada dinheiro público. Isso não significa, no entanto, que esses valores poderiam ser usados em outros itens do orçamento, como o pagamento de benefícios sociais.

“O dinheiro é sempre público. É que o nome ‘dinheiro público’ é muito amplo. Há fontes e destinos diferentes. O dinheiro tem marcações. Não é porque você é membro do CAF que esse dinheiro teria que ser para o Bolsa Família, por exemplo. O Bolsa Família é um programa de transferência de renda aprovado pelo Orçamento, ano após ano, completamente diferente de fontes de recursos do setor exterior, de comércio exterior”, diz Beni.

Concessão de garantias. Ao alegar que o governo Lula teria decidido unilateralmente ser avalista de um empréstimo à Argentina, as peças de desinformação omitem que a Constituição não permite que o Poder Executivo conceda garantias sem o aval do Congresso.

De acordo com o artigo 52 da Constituição, é competência privativa do Senado Federal “dispor sobre limites e condições para a concessão de garantia da União em operações de crédito externo e interno”. Isso significa que, ainda que o Executivo de fato tivesse se disposto a ser avalista do empréstimo à Argentina, seria necessário que a decisão fosse ratificada pela Casa Legislativa, o que não ocorreu.

Suposta atuação de Lula. Em coluna publicada na última quarta-feira (4) no jornal O Estado de S. Paulo, a jornalista Vera Rosa afirmou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria atuado junto à ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB), que representa o Brasil no CAF, para que fosse autorizado o empréstimo à Argentina. O objetivo seria barrar o avanço do candidato de extrema-direita Javier Milei, que ocupa a primeira posição nas pesquisas de intenção de voto.

Questionada por outros veículos, Tebet negou ter sido contatada e disse que autorizou sua secretária a votar a favor da operação. Em nota, a Secom também negou que a conversa tenha ocorrido e que o financiamento do CAF tenha tido a intervenção de Lula.

Sergio Massa é o candidato apoiado pelo atual presidente argentino, Alberto Fernández, e conta com a simpatia do governo brasileiro. O pleito no país deve ocorrer no dia 22 de outubro. Um compilado das últimas pesquisas eleitorais elaborado pelo El País mostra que Massa ocupa o segundo lugar na disputa, com cerca de 30% dos votos; à frente, aparece Javier Milei, com cerca de 35,3% dos votos.

Referências:

1. CAF (Fontes 1, 2 e 3)
2. Secom
3. BNDES
4. Infomoney
5. CNN Brasil
6. Governo Federal
7. O Estado de S. Paulo
8. Valor Econômico
9. El País

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