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Uso do DOU por militares golpistas mostra a relevância de monitorar redes desinformativas

Por Alexandre Aragão

21 de fevereiro de 2024, 19h01

Entre a derrota de Jair Bolsonaro (PL) e a diplomação de Lula (PT) — quando extremistas tentaram invadir a sede da PF (Polícia Federal) em Brasília, num ensaio para o 8 de Janeiro —, prints de atos publicados no DOU (Diário Oficial da União) circularam como supostas provas de que estava em curso uma trama para impedir a posse do petista.

Tanto em correntes no WhatsApp e no Telegram como em vídeos postados por influenciadores bolsonaristas, conforme mostrou o Golpeflix, o Diário Oficial se tornou naquele momento uma fonte oficial de desinformação golpista.

Passado mais de um ano, a mesma PF que foi alvo de incendiários revelou que a leitura enviesada do DOU não aconteceu por acaso. Os militares envolvidos na tentativa de quebra democrática “se utilizavam de vazamento de informações falsas e realização de interpretação fraudulenta de documentos que tratavam do alinhamentos dos integrantes das Forças Armadas ao intento golpista”, segundo a decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.


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Ao menos seis publicações que serviram de munição foram assinadas pelo general da reserva Augusto Heleno, então ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), que era então apontado nas redes extremistas como uma espécie de “presidente em exercício” — hoje, ele é investigado. O Aos Fatos publicou reportagem que mostra os principais exemplos.

Em um capítulo intitulado “loucura é sonho que se sonha só”, no livro “O Oráculo da Noite: A História e a Ciência do Sonho” (Cia. das Letras), o neurocientista Sidarta Ribeiro escreve que “é muito recente o conceito de loucura como desconexão patológica do mundo externo, mundo cuja percepção seria compartilhada pelos ‘normais’”.

“Em distintas culturas da Antiguidade, os delírios e alucinações que hoje associamos à psicose foram interpretados como sinais sagrados de inspiração e possessão espiritual. As visões obtidas nesses transes eram interpretadas como instâncias de contato entre o mundo dos vivos e o dos mortos, conferindo a capacidade de prever o futuro, interpretar outros sonhos, revelar augúrios e ditar profecias”, ele continua.

“A loucura tinha importância ímpar na ligação dos homens com os deuses, seja para a misteriosa pitonisa em Delfos, seja para o faraó megalomaníaco capaz de mover montanhas e multidões.”

O conteúdo que circula em redes desinformativas, apesar da desconexão com a realidade objetiva, não surge de forma espontânea. As mentiras nas redes buscam satisfazer interesses pré-estabelecidos, seja aplicar golpes financeiros ou destruir a vontade popular, como um faraó megalomaníaco.

É por isso que realizar monitoramento específico e contínuo, como faz o Aos Fatos, é fundamental para identificar tendências desinformativas e cobrar responsabilidades de governos e plataformas, mesmo que as empresas mais poderosas do mundo permaneçam inertes.

Sabendo que as interpretações mentirosas do Diário Oficial foram incentivadas pelos próprios militares envolvidos na tentativa de golpe, ganha importância o fato de termos identificado e combatido as peças desinformativas naquele momento. O contato com essas redes pode se revelar premonitório. Não era loucura, afinal.

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