Sariana Fernández/Aos Fatos

🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Janeiro de 2024. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

O que seis especialistas pensam sobre a desinformação no Brasil de 2024

Por Tai Nalon

5 de janeiro de 2024, 15h15

Aviso: este texto é uma análise e foi publicado originalmente na newsletter O Digital Disfuncional.


Assine de graça e receba análises exclusivas.

#21 | 🎯 O que seis especialistas pensam sobre a desinformação no Brasil de 2024

Eis que finalmente chegamos a 2024, depois de um 2023 que durou cerca de 48 meses (não chequem). E, enquanto o mundo aguarda ansioso pelas 70 eleições de 2024 e o Brasil faz seu retrospecto particular por ocasião do aniversário do 8 de Janeiro, tenho nutrido certa angústia ao tentar fazer um prognóstico sobre o que este ano nos reserva na tecnopolítica.

É por isso que conversei nesta semana com seis especialistas responsáveis, cada um a seu modo, por pensar, problematizar e criar salvaguardas sobre a comunicação política dos nossos tempos. Falamos de desinformação, obviamente, e também do ecossistema que gira em torno dela. Todos eles pareceram-me muito mais pessimistas que eu – seja porque insisto em não acreditar no apocalipse da inteligência artificial generativa, seja porque não nutro grandes expectativas de mudanças sobre um modelo econômico que remonta ao século 18, seja porque ainda acredito em dano reputacional ao engajar com mentiras para ganhar eleição.

Mas o fato é que só tenho dois olhos, enquanto Carlos Affonso "Caff" de Souza, diretor do ITS-Rio e uma das mentes por trás do Marco Civil da Internet; e Guilherme Felitti, cofundador da Novelo Data, parecem ter vários. Para Felitti, "as pessoas ainda não caíram na real sobre o potencial nuclear que LLMs [modelos de linguagem longos, comumente aplicados à IA generativa] terão na fabricação de desinformação multimídia". Caff, por sua vez, disse ao Digital Disfuncional que "não será mais preciso um humano para continuar uma conversa online para que ela pareça convincente", referindo-se não só a chatbots, mas a algo tão vintage quanto perfis falsos de Twitter.

Nina Santos, diretora do Aláfia Lab e coordenadora do *desinformante, lembra também que estará sob escrutínio público a eficiência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em combater a desinformação – e se o formato adotado durante as eleições de 2022 se sustenta em nível municipal. "Tanto do ponto de vista do fenômeno quanto da atuação sobre o fenômeno, a gente vai ter um desafio nessa interação entre desinformação e realidade local", diz.

Thomas Traumann, ex-ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) no governo Dilma Rousseff e afiado analista político, avalia que a nacionalização das disputas municipais nos grandes centros do país pode trazer novamente à superfície a rivalidade entre bolsonaristas e lulistas, com toda a maçaroca mentirosa com que tivemos que lidar nos últimos anos. "As duas grandes forças políticas tentam fazer de 2024 uma prévia da disputa presidencial de 2026", disse, demonstrando que nunca há nada mais novo no Brasil do que o passado recente.

Talvez seja mais urgente, porém, assegurar que de fato haja 2026. É por isso que Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, consegue enxergar espaço para uma retomada pragmática de discussões de regulação. Segundo ele, "a superação da agenda econômica de primeiro ano de mandato pode dar espaço ao pragmatismo na discussão de caminhos, inclusive dentro da própria indústria, com vistas a garantir previsibilidade e controle".

Visão semelhante tem João Brant, secretário de políticas digitais da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, e que trabalha neste ano para levar ao G20 discussões sobre integridade da informação. Ele acredita que a pressão internacional de organismos como a ONU pode guiar os esforços para a criação de novas leis que estabeleçam parâmetros de condutas para, por exemplo, inteligência artificial. "PL 2.630/2020 e capacidade de respostas regulatórias, eleições e inteligência artificial são os drivers nesse tema da desinformação neste ano, e acho que muito atravessado por debates internacionais."

Como as declarações concedidas a este Digital Disfuncional foram muito ricas, deixei registradas na íntegra, logo abaixo, todas as provocações que eles me trouxeram nos últimos dias. Meu exercício particular de futurologia é que sairemos mais bem informados se acompanharmos em 2024 os afazeres desse time de respeito.

***

"Todo mundo está olhando para deepfake e os casos em que a inteligência artificial generativa vai inserir políticos em cenas nas quais eles nunca estiveram ou falando coisas que nunca disseram. Mas o avanço em IA também promete transformar a forma pela qual as pessoas se desinformam, já que será cada vez mais fácil customizar mensagens e gerar o engajamento em conversas inautênticas nas mais diversas plataformas.

Pense no problema dos robôs no Twitter, só que anabolizado. Não será mais preciso um humano para continuar uma conversa online para que ela pareça convincente. Com o avanço nas formas de comunicação via IA, as campanhas de desinformação entram no seu momento fordista, podendo assim manter conversas com inúmeras pessoas ao mesmo tempo, que não fazem ideia de que estão falando com perfis automatizados.

Os diálogos serão cada vez mais personalizados e persuasivos, até porque a IA vai aprendendo com as informações fornecidas pela própria pessoa. Os caça-robôs nas redes sociais e em apps de mensagens vão ter cada vez mais trabalho, porque ao lado da desinformação massiva através de um conteúdo uniforme que viraliza, entram cada vez mais em cena os bots que conversam, mandam notícias, perguntam sobre a família, e no meio disso vão construindo a visão que a campanha de desinformação deseja passar."

– Carlos Affonso de Souza, diretor do ITS-Rio e professor da Uerj


"As pessoas ainda não caíram na real sobre o potencial nuclear que LLMs terão na fabricação de desinformação multimídia. Hoje qualquer pessoa com um cartão de crédito e três minutos de áudio pode clonar a voz de qualquer um em serviços comerciais. Não é exagero: é qualquer um mesmo que tenha falado por três minutos na internet, o que todas as pessoas envolvidas na campanha eleitoral já fizeram. Em um ano, clonar voz deixou de ser algo que exigia conhecimento profundo de programação para se tornar algo feito em três cliques.

Em comparação a 2018, tendo a achar que o brasileiro criou uma casca (uma pequena dose de desconfiança, pelo menos) para desinformação escrita, mas áudio falso de político que você não gosta deve passar como um trator nesta casca. Temo que o que já vemos com Drauzio Varella para vender remédio vai escalar na campanha eleitoral. Não sei se existe solução em tempo suficiente para a eleição.

Como já era esperado (suponho que por vocês também), as plataformas voltaram à operação-padrão de moderação tartaruga assim que a pressão social e da Justiça após o 8 de Janeiro passou. Deleção de conteúdo segue num ritmo inacreditavelmente lento - estamos vendo o YouTube tirar do ar nos últimos meses vídeos de desinformação sobre Covid publicados em 2020 e 2021.

A atuação mais rigorosa do TSE não parece ter tido um efeito duradouro na política de moderação das plataformas. A impressão que tenho é que a grande consequência foi uma articulação maior no lobby para evitar ou minimizar regulamentações e responsabilizações. Sabendo também que, nos EUA, Facebook e Google desmontaram equipes de moderação e reverteram políticas proibindo mentiras sobre fraude eleitoral, tendo a achar que 2024 será um 2022 – se não tiver pressão forte (e precisa ser o quanto o TSE vai regular desta vez), vai continuar tartaruga."

– Guilherme Felitti, cofundador da Novelo Data e professor do Insper


"Existe uma correlação comprovada entre volume de desinformação e campanha eleitoral. Por si só isso já traz um aspecto pessimista para 2024. A novidade que reforça isso é que as duas grandes forças políticas tentam fazer de 2024 uma prévia da disputa presidencial de 2026. Tanto Lula quanto Bolsonaro estão ativamente interferindo nas escolhas de candidatos a prefeito e vice em São Paulo, Rio, Recife e Belo Horizonte. Em dezembro, no encontro eleitoral do PT, o próprio Lula reforçou esse raciocínio ao prever: 'Não sei se essa eleição será municipalizada, estadualizada ou federalizada, mas eu, sinceramente, acho que essa eleição vai acontecer, vai ser outra vez, Lula e Bolsonaro disputando nos municípios'.

Muito mais importante do que supor se o apoio do Lula vai ajudar [o deputado federal Guilherme] Boulos a ser eleito em São Paulo ou o Bolsonaro vai ajudar o [ex-chefe da Abin Alexandre] Ramagem no Rio, contudo, é entender o efeito de mais uma campanha polarizada na sociedade.

A minha preocupação é que a nacionalização da disputa municipal intensifique a intolerância, a violência e a desinformação como instrumento eleitoral. Isso pode antecipar para 2024 o clima extremista entre eleitores de Lula e antipetistas que deveria ficar para 2026 e terá efeito no Congresso, radicalizando as posições dos deputados e dificultando a criação de consensos."

– Thomas Traumann, jornalista, ex-ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência, autor do livro "Biografia do abismo"


"Do lado eleitoral, ano de eleições municipais é ano de testes de mensagem e tecnologias pulverizados em todo país. Vamos ver ensaios de novas narrativas e discursos, além de promessas sobre uso de IA e dados. No dia a dia, as técnicas e velhos atores conhecidos devem continuar presentes, reciclando narrativas.

Por fim, no debate regulatório, a superação da agenda econômica de primeiro ano de mandato pode dar espaço ao pragmatismo na discussão de caminhos, inclusive dentro da própria indústria, com vistas a garantir previsibilidade e controle."

– Francisco Brito Cruz, diretor executivo do InternetLab


"Acho que o tema da desinformação vai estar mobilizado a partir de três tópicos esse ano. Primeiro, é a capacidade de encontrar respostas regulatórias para problemas que vão se mostrando em várias facetas. O final de 2023 evidenciou, ou, enfim, requentou esse debate, então acho que o começo do ano legislativo vai necessariamente ter que se debruçar sobre a questão do PL 2.630/2020.

O segundo é um gancho das eleições. Eu acho que tanto as eleições municipais, quanto o fato de você ter um número recorde de eleições no mundo, vai mobilizar esse tema. A gente já viu a Argentina esquentando um pouco esse debate também sobre desinformação – relacionado ao terceiro tópico, que é a inteligência artificial, que obviamente traz desafios ainda maiores para o enfrentamento da desinformação.

E me parece que esse debate vai ser marcante esse ano. Atravessando esses três tópicos, nós temos o Brasil na presidência do G20, pautando o debate da integridade da informação. E eu acho que nós vamos ter alguns momentos importantes nesse debate internacionalmente.

A ONU trabalha num código de conduta para as plataformas. Você tem esse debate sendo realizado no G20. Há uma expectativa, enfim, há esse processo todo de inteligência artificial em que também a ONU está trabalhando, que deve tocar em temas de integridade da informação também.

Portanto, eu diria que, em resumo, PL 2.630 e capacidade de respostas regulatórias, eleições e inteligência artificial são os drivers nesse tema da desinformação neste ano, e acho que muito atravessado por debates internacionais."

– João Brant, secretário de políticas digitais da Secretaria de Comunicação da Presidência


"Acho que o cenário colocado para 2024 é bastante complexo e com certeza vai ter vários desafios novos para a gente lidar com a questão da desinformação. Eu apontaria três desafios principais que eu acho que estão bastante claros no horizonte.

O primeiro é a questão das eleições municipais e como o cenário da desinformação vai lidar com realidades locais tão diversas quanto as que a gente tem no Brasil. E também do ponto de vista regulatório, como é que a gente vai conseguir pensar nas regras que foram criadas para 2022, sobretudo no âmbito do TSE, e como é que elas vão se aplicar ou não nas eleições locais.

Então eu acho que, tanto do ponto de vista do fenômeno quanto da atuação sobre o fenômeno, a gente vai ter um desafio nessa interação entre desinformação e realidade local.

Um segundo ponto é o uso da inteligência artificial, que eu acho que é algo emergente e que muda bastante o cenário. É algo a que a gente precisa estar atento para entender as potencialidades e também lidar com as possíveis ameaças que vêm do uso dessa tecnologia.

E um terceiro ponto que eu acho que vale destaque é o cenário internacional de debate sobre combate à desinformação – e sobre um termo que eu não gosto, mas que ficou bastante conhecido, que é 'integridade da informação'. Tem reunião do G20 no Brasil esse ano, tem vários foros internacionais de órgãos da ONU e de outros órgãos internacionais que estão debatendo a questão da integridade da informação e da desinformação, e que eu acho que serão também pontos cruciais de serem acompanhados para que a gente possa construir uma, digamos assim,  vertente global mais unificada e mais coordenada para lidar com esses problemas."

– Nina Santos, diretora do Aláfia Lab e coordenadora do desinformante*

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.