O presidente Jair Bolsonaro fez ao menos 162 críticas ao trabalho de jornalistas e veículos de comunicação desde que assumiu o cargo, em 1º de janeiro, até o dia 11 de outubro – média superior a um comentário a cada dois dias. No mesmo período, foram apenas 18 menções elogiosas ou em que defendeu a liberdade de imprensa.
Levantamento feito por Aos Fatos também mostra que o presidente aumentou a frequência das críticas em momentos de crise em seu governo. O número de comentários negativos chegou ao ápice em agosto – foram 46 naquele mês –, auge da comoção internacional sobre as queimadas na Amazônia. Outro pico, menor, ocorreu a partir da segunda metade de maio, quando a imprensa noticiou a quebra do sigilo bancário de um de seus filhos, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Entre os veículos de imprensa, o Grupo Globo e o jornal Folha de S. Paulo foram seus alvos mais frequentes de ataques do presidente, concentrando 30% das menções críticas. Os temas das coberturas mais citadas por Bolsonaro são as eleições de 2018, a crise na Amazônia e seus familiares.
O número de críticas provavelmente foi subestimado. O levantamento (veja todos os dados aqui) foi feito com base em discursos e entrevistas transcritos pelo Palácio do Planalto, no arquivo de checagens do Aos Fatos e em tweets do presidente. Não inclui, portanto, as entrevistas concedidas por Bolsonaro e não transcritas por sua equipe e parte dos pronunciamentos não oficiais, como lives de Facebook.
Abaixo, os detalhes do levantamento:
1. A retórica anti-imprensa
Desde que assumiu, Bolsonaro manteve um tom crítico ao trabalho da imprensa e deu sua primeira alfinetada logo no terceiro dia de mandato.
"Acho que isso não será motivo de debate na GloboNews", escreveu no Twitter, replicando uma mensagem da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) que contestava reportagens segundo as quais o órgão tinha desenvolvido um sistema de dessalinização de água do mar. Semanas antes, o então presidente-eleito havia anunciado um acordo para importar equipamentos de Israel para esse fim e foi criticado pela iniciativa.
Depois disso, foram outras 161 mensagens críticas ao trabalho de jornalistas nos 284 dias de mandato até o dia 11 de outubro, média de mais de uma reclamação a cada dois dias.
Os primeiros dois meses foram relativamente tranquilos, mas os ataques de Bolsonaro começaram a se intensificar a partir da segunda metade de março, depois de viagens do presidente aos EUA e a Israel. O número deu um novo salto em maio, logo depois que a imprensa divulgou que a Justiça havia autorizado a quebra de sigilo do senador Flávio Bolsonaro em uma investigação sobre desvio de verba de seu gabinete.
No fim de julho, as críticas explodiram com o início da crise envolvendo o desmatamento e os incêndios na Amazônia. Agosto registrou o maior número de comentários negativos, 46 no total. Além de veículos brasileiros, Bolsonaro reclamou de uma matéria da revista britânica The Economist e, na Assembleia Geral da ONU, acusou a "mídia internacional" de se portar "de forma desrespeitosa e com espírito colonialista".
Enquanto lutamos entre nós, o inimigo se fortalece. Não temos como agradar a todos, vasculham minha vida e de minha família desde 1988, quando me elegi vereador. Nossa inimiga: parte da GRANDE IMPRENSA. Ela não nos deixará em paz. Se acreditarmos nela será o fim de todos. - Tweet no dia 12 de setembro
Recentemente, vieram as críticas mais incisivas contra o trabalho dos jornalistas. Em setembro, Bolsonaro chamou de "nossa inimiga" uma "parte da grande imprensa"; em outubro, disse que "o Brasil já está dando certo, apesar da imprensa".
2. O temas mais citados
Nem sempre, ao criticar o trabalho dos jornalistas, Bolsonaro se refere a coberturas que o desagradaram – 23% dos comentários críticos foram genéricos, direcionados à atuação da imprensa de maneira geral.
É difícil encontrar um jornalista da grande imprensa, que queira realmente discutir conosco, de igual para igual. Sempre tem um viés de esquerda nas discussões e que parece que eles não querem enxergar ou foram doutrinados demais de modo chegaram ao ponto que não tem como encontrar um ponto de inflexão voltar. - Discurso em 23 de março
Nas oportunidades em que fez críticas sobre assuntos específicos, os temas mais comuns foram as eleições de 2018, a crise do desmatamento na Amazônia, reportagens sobre ações pontuais de seu governo (como medidas provisórias e nomeações), e apurações sobre seus familiares, especialmente seus filhos, que também atuam na política.
Ao falar sobre o pleito de 2018, Bolsonaro já afirmou que venceu por um "milagre" e apesar de ter sido "massacrado pela mídia". Também reclamou de duas reportagens da Folha: uma que denunciou o uso de disparos em massa no WhatApp por apoiadores e outra que apontou indícios de que o presidente teria se beneficiado no esquema de caixa dois dos laranjas do PSL. Em ao menos três ocasiões, Bolsonaro também colocou em dúvida a idoneidade do Datafolha, instituto de pesquisas do jornal.
Durante as eleições, a Folha chegou a pedir que a Polícia Federal investigasse apoiadores de Bolsonaro que ameaçaram pela internet a jornalista Patrícia Campos Mello, autora da reportagem sobre o uso de WhatsApp, e por Mauro Paulino, diretor do Datafolha.
Quando a imprensa passou a reportar o aumento do desmatamento e dos incêndios na Amazônia, o assunto também entrou no radar de críticas de Bolsonaro. Ele se afirmou que a cobertura do tema não refletia a realidade, era "sensacionalista", e tinha como interesse "abalar a soberania nacional".
Em parte as queimadas aqui, na Região Amazônica, que não é isso tudo divulgado, em especial pela nossa TV Globo, TV Globo faz um trabalho excepcional, do outro lado, de fora do território nacional, contra nós aqui. [...] O que pese aqui a nossa TV Globo fazer uma campanha massiva, antipatriótica, entreguista, para o Brasil e para fora do Brasil. - Discurso em 27 de agosto
Por fim, reportagens sobre sua família também irritaram Bolsonaro. Ele reclamou das investigações sobre o senador Flávio Bolsonaro e acusou o Ministério Público, que o investiga, de fazer uma "jogadinha" com a Globo.
Você pergunta para a Globo, a Globo sabe disso. A Globo quebrou o sigilo… a Globo ficou sabendo da quebra do sigilo do meu filho desde o ano passado. Pergunta para a Globo. É uma jogadinha do Ministério Público do Rio de Janeiro com a Globo. É isso que está acontecendo. - Entrevista coletiva em 16 de maio
Em seus discursos, entrevistas e tweets, o presidente também criticou a reação da imprensa à possível nomeação do deputado Eduardo Bolsonaro para a embaixada dos EUA e uma reportagem da revista Veja que revelou que a mãe da primeira-dama Michelle Bolsonaro já havia sido presa por tráfico de drogas.
3. Alvos preferidos
A maioria das críticas de Bolsonaro (62,1%) não teve como alvo veículos específicos, mas, nos casos em que cita diretamente algum jornalista ou empresa de comunicação, o grupo Globo (15,4%) e o jornal Folha de S.Paulo (14,2%) são os mais lembrados pelo presidente.
O jornal O Estado de S. Paulo vem em uma distante terceira posição (2,4% das críticas). Veja, UOL e Correio Braziliense também foram criticados pelo presidente em pelo menos uma oportunidade.
A @folha avançou a todos os limites, transformou-se num panfleto ordinário às causas dos canalhas. Com mentiras, já habituais, conseguiram descer às profundezas do esgoto. - Tweet de 6 de outubro
4. Os raros elogios
Em apenas 18 ocasiões no período analisado Bolsonaro deu declarações elogiosas a veículos de comunicação ou defendeu explicitamente a importância da liberdade de imprensa.
O Brasil reafirma seu compromisso, intransigente com os mais altos padrões de direitos humanos, com a defesa da democracia e da liberdade, de expressão, religiosa e de imprensa. - Discurso na ONU em 24 de setembro
Em parte desses casos, o presidente também demonstrou satisfação com algumas reportagens, como quando entrevistas com ele foram assunto nas capas dos jornais O Globo ["Bolsonaro: 'Sou assim mesmo, não tem estratégia', 31 de julho] e O Estado de S. Paulo ["A economia é 100% com Guedes, não tem plano B", 6 de outubro].
Em outras ocasiões, porém, os elogios vieram com ressalvas. "Prezados integrantes da mídia, que pesem alguns percalços entre nós, nós precisamos de vocês para que a chama da democracia não se apague", disse, durante discurso em abril.
Em julho, afirmou que "quando vocês [da imprensa] fazem o trabalho bem feito, vocês estão ajudando, e muito, o Brasil". Já em agosto disse que "A família, a religião, a liberdade da imprensa, que pese o excesso em muitas oportunidades, vocês são importantes para o futuro do Brasil.
Outro lado. A reportagem entrou em contato com a assessoria do Palácio do Planalto, mas não teve resposta até a publicação deste texto.
Referências:
1. O Globo
2. BBC
3. UOL
4. Folha 1, 2 e 3
5. Veja