Eficaz e necessária, checagem de fatos não é salvação, tampouco censura

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Aviso: este texto é uma análise e foi publicado originalmente na newsletter O Digital Disfuncional.


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✔️ Nem salvação, nem censura: checagem

Em paralelo aos ataques reiterados ao jornalismo, há no mundo uma crescente estigmatização da checagem de fatos por meio de dois argumentos opostos: o de que a atividade é ineficiente e o de que configura censura. Por ocasião do Dia Internacional da Checagem de Fatos, na última terça (2), o objetivo desta edição de O Digital Disfuncional é desmontá-los. Mas, antes, também chamar atenção para o aspecto rasteiro dessas críticas: como é possível ter ambas as características se elas reputam poder demasiado e poder nenhum ao mesmo tempo?

Parece ser normal que, diante da desafortunada falência das instituições oficiais em apresentar soluções de longo prazo para o combate à desinformação e seus efeitos colaterais, métodos paliativos de contenção do problema sejam alçados à condição de cura. Há um sem número de especialistas que citam não só a checagem de fatos, ou a “informação verificada”, como vacina para as mentiras industriais dos nossos tempos. Versões mais ou menos acabadas do que se convencionou chamar de educação midiática também entram nesse rol. Quem trabalha no ramo do ceticismo, no entanto, tem o dever de informar que a batalha é permanente, que as armas disponíveis têm alcance restrito e que a honestidade intelectual é a mais poderosa delas.

Daqui a duas semanas, estarei em Perugia, na Itália, para debater com jornalistas de todo o mundo a respeito da eficácia e da possível obsolescência do fact-checking. Levarei fatos: verificar o que é falso, das redes à boca dos políticos, nunca foi tão relevante e eficiente. O jeito de fazer é que está mudando, assim como quem tem acesso a recursos para conduzir mudanças.

Há anos, Aos Fatos encara a checagem de fatos como uma atividade estruturada com o objetivo de viabilizar projetos criativos e de inteligência artificial. Porque a checagem é resultado de um método que estrutura vários aspectos do técnica jornalística — os textos usam a mesma fórmula para organizar blocos de informação como a citação de fontes, a motivação por trás da investigação, as métricas da mentira a ser desbancada, a classificação da informação como falsa ou verdadeira —, sua fórmula é, na verdade, uma espécie de embrião para outras linguagens.

Se a estrutura das checagens é facilmente lida por máquinas, isso facilita o aperfeiçoamento de novos formatos e linguagens, como o chatbot Fátima. Se as métricas de compartilhamento de peças de desinformação são regularmente documentadas, os dados servem para aprimorar o monitoramento do Radar Aos Fatos. Se personagens da política ou perfis em redes sociais são contumazes disseminadores de informações classificadas como falsas pelo Aos Fatos, viram ponto de partida para investigações mais complexas, que podem revelar práticas mais sérias do que a mera publicação de boataria. Se o referenciamento de fontes de maneira transparente é o padrão a ser seguido, o formato facilita a criação de outras maneiras de apresentar a informação checada, como vídeos e ilustrações.

Trata-se, entretanto, de um trabalho frágil. Neste Digital Disfuncional, semanas atrás narrei os desafios que o apagão de dados das plataformas — primeiro com o ex-Twitter e agora com o Crowdtangle — deverá impor ao trabalho do Aos Fatos. A opacidade desse ambiente é um incentivo à desinformação e ao ódio. Essa vulnerabilidade é indissociável da crescente animosidade entre as empresas de tecnologia e a indústria jornalística, alimentada em grande parte por grupos cuja agenda alegadamente baseada na defesa da liberdade de expressão na verdade exalta o livre comércio de mentiras.

A ideia de que a checagem de fatos promove censura nas plataformas digitais é defendida com ênfase pelos mesmos grupos que usam o Estado para demandar o banimento de livros de escolas. É comum que sites hiperpartidários críticos às políticas de moderação das redes sociais e a tentativas de regulação dessa indústria recorram ao Judiciário para pedir a censura de reportagens que mostram suas más práticas.

Em texto publicado na última terça-feira (2) no site do Instituto Poynter, a diretora da IFCN (International Fact-Checking Network), Angie Holan, afirma que nenhuma plataforma concedeu a organizações de checagem a autoridade para censurar e remover quaisquer conteúdos em suas redes. A IFCN, que abriga iniciativas de fact-checking parceiras de plataformas como Meta e TikTok, defende que informações incorretas sejam contextualizadas e marcadas como tal, mas não banidas.

“A realidade é que a checagem de fatos é uma atividade profundamente enraizada nos ideais de liberdade de expressão. Checadores necessitam do direito e da capacidade de investigar livremente ideias, encontrar fontes, ler amplamente e entrevistar especialistas que possam falar francamente, tudo como parte de sua metodologia e de seu processo. Essa liberdade intelectual é a base sobre a qual a checagem de fatos é construída”, diz Holan.

É esperado que haja uma disputa acirrada pelo espaço a ser ocupado no vácuo de informação criado pelas plataformas na última década. No entanto, há quem ignore ou prefira não reconhecer que o campo da checagem de fatos assumiu protagonismo na defesa de políticas públicas para qualificar a livre circulação de informações e o debate público. A União Europeia e a ONU incentivam há alguns anos o fomento à prática como política de Estado. Nessas instituições, o fact-checking é visto como um dos mecanismos de preservação de princípios democráticos basilares, como a liberdade de expressão. Necessário e eficaz, não é salvação, tampouco autoritário.

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