Assalto ao Capitólio mostra que Zuckerberg confunde a fronteira entre o real e o virtual

Compartilhe

Quando Mark Zuckerberg acordou nesta quinta-feira (7) de sonhos intranquilos, viu-se impelido a banir o presidente de seu país das plataformas sociais que aliciaram por metade de uma década o trumpismo. Segundo o CEO do Facebook, Donald Trump usou as redes durante anos de modo "compatível com as regras", mesmo que "às vezes sujeito à remoção ou à marcação de conteúdos que violassem essas mesmas regras". Para além da declaração contraditória, Zuckerberg afirma crer que o público de sua plataforma "tem direito ao mais amplo acesso ao discurso público, mesmo que seja controverso". Diz ainda que, agora, o contexto é "fundamentalmente diferente", "envolvendo o uso da plataforma para incitar uma insurreição violenta contra um governo democraticamente eleito".

Única das grandes plataformas a adotar prática mais rígida contra o presidente americano, o Facebook parece ainda ter dificuldade de entender que a vida real também acontece nas suas dependências virtuais. Não é porque uma horda de radicais saiu de frente dos teclados e invadiu o Congresso americano que tudo mudou: a violência simbólica construída nas redes sociais durante toda a Era Trump preparou o terreno para o atentado de 6 de janeiro.

Zuckerberg erra ao avaliar que há um ponto de inflexão no discurso trumpista. Se há alguém que apresentou consistentemente o mesmo comportamento ao longo desse período foi o mandatário da Casa Branca. E ele não precisou invadir pessoalmente o Capitólio: Trump já estava lá o tempo todo, com acesso garantido pelas regras rígidas que o CEO do Facebook diz manter.

A nota de Zuckerberg reforça a retórica fictícia de que o Facebook assegura aos seus usuários amplo acesso ao discurso público. Um algoritmo pouco transparente, que valoriza conteúdo "controverso", é qualquer coisa menos a garantia de que liberdades constitucionais são cumpridas. Para ser plena, a liberdade de expressão pressupõe níveis equivalentes de acesso à informação por todos os usuários. A premissa do Facebook é exatamente o contrário: seus usuários terão acesso apenas àqueles conteúdos que a empresa julgar compatíveis com seus hábitos.

Um ambiente que valoriza a liberdade de expressão não limitaria a circulação de conteúdo verificado nem venderia como secundário o trabalho da imprensa de contraditar mentiras proferidas por políticos. Além de dificultar a circulação de notícias em suas redes, o Facebook não permite que checadores marquem em suas plataformas declarações falsas de autoridades eleitas. Ao contrário, concede a esses representantes uma espécie de imunidade oficiosa ao escrutínio público, já que só a eles — e apenas a eles — é permitido publicar conteúdo de qualquer natureza.

Se Zuckerberg até hoje não conseguiu entender que o que está nas suas plataformas é real, o Facebook há anos confunde liberdade de expressão com direito ao acesso à desinformação. Banir Trump depois de cinco anos de atentado às instituições é indício de que suas lideranças ainda entendem pouco de abuso e liberdade e parecem não ter conseguido aprender nada sobre o combate à desinformação.

. . .

Às 20h21 desta sexta-feira (8), depois do fechamento desta newsletter, o Twitter também anunciou o banimento de Trump de sua plataforma sob a premissa de que contas como a do presidente americano "não estão totalmente acima das nossas regras". Conforme a nota, Trump não pode usar o Twitter para incitar a violência, "entre outras coisas". Os pesos e as medidas seguem tão pouco claros quanto aqueles usados pela rede social vizinha.


Esta análise foi publicada na newsletter #60 do Aos Fatos Mais. Clique aqui para apoiar e receber análises exclusivas antecipadamente toda semana.

Compartilhe

Leia também

falsoSuperior Tribunal Militar não impediu Bolsonaro de cumprir pena na Papuda

Superior Tribunal Militar não impediu Bolsonaro de cumprir pena na Papuda

falsoÉ falso que estrangeiro que veio ao Brasil para COP30 foi internado com ebola em Belém

É falso que estrangeiro que veio ao Brasil para COP30 foi internado com ebola em Belém

falsoCena de tornado no Paraná foi gerada por IA

Cena de tornado no Paraná foi gerada por IA

fátima
Fátima