Parlamentares americanos divulgam decisões sigilosas do STF entregues pelo X

Por Ethel Rudnitzki

18 de abril de 2024, 16h26

O Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos Estados Unidos divulgou na quarta (17) um relatório sobre supostos casos de censura e violação de liberdade de expressão no Brasil.

O documento inclui trechos de decisões judiciais sigilosas enviados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ao X (ex-Twitter) e a outras plataformas, que determinavam a remoção de contas ou publicações por disseminação de desinformação e discurso de ódio.

Em um esclarecimento divulgado à imprensa nesta quinta (18), o STF afirmou que os documentos reproduzidos no relatório “não se tratam das decisões fundamentadas que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis, mas sim dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento da decisão”.

“Fazendo uma comparação, para compreensão de todos, é como se tivessem divulgado o mandado de prisão (e não a decisão que fundamentou a prisão) ou o ofício para cumprimento do bloqueio de uma conta (e não a decisão que fundamentou o bloqueio)”, continua o texto.

“Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação”, afirmou a assessoria de imprensa do tribunal.

Na quinta-feira anterior (11), o grupo de parlamentares dos Estados Unidos, liderados por deputados republicanos, havia intimado o X a fornecer as informações confidenciais. O pedido tinha o caráter de determinação legal, sob pena de prisão em caso de descumprimento.

“São duas autoridades distintas, de países distintos, dando ordens distintas para uma mesma empresa”, explica o advogado Bruno Barreto, doutor em direito internacional pela USP. “Uma decisão fala ‘não divulgue’, e uma outra ordem diz ‘me dê as informações’.”

Diante de determinações conflitantes, a empresa concedeu as informações aos parlamentares americanos. Aqui no Brasil, informou ao STF que estava compartilhando os documentos e pedindo sigilo sobre eles. Em manifestação enviada ao STF no dia 13 e anexada ao inquérito das milícias digitais, os advogados da plataforma informam que “a X Corp. solicitou que a autoridade norte-americana mantenha e respeite a confidencialidade e o sigilo dos documentos produzidos”.

Com isso, o X entende que criou argumento para afirmar que agiu por uma exceção à regra de segredo de justiça, segundo a qual “inquéritos penais de justiça não podem ser divulgados em hipótese nenhuma, exceto sob autorização da autoridade, sob autorização da autoridade investigadora, nesse caso do STF”, explica Barreto.

A publicação dos documentos pelas autoridades americanas aumenta as chances de a plataforma responder pela quebra de sigilo, na avaliação do advogado. “O X pode ser intimado a explicar por que as decisões vazaram, e os responsáveis podem responder por crime de desobediência ou sanção, que é o mais comum.”

Já o Congresso americano não está sujeito a punições, porque autoridades estrangeiras têm imunidade de jurisdição — ou seja, não podem ser processados por outros países em razão de medidas tomadas no exercício do cargo que ocupam —, conforme afirma o especialista em direito internacional.

Leia mais
Nas Redes Cumprimento de eventual ordem judicial de Alexandre de Moraes contra Elon Musk depende de aval da Justiça dos EUA
BIPE Acusado por Musk de censura, Brasil é 11º país em ranking de pedidos de remoções de conteúdo no Twitter

Investigações nos EUA. O relatório com as decisões sigilosas foi produzido no âmbito de uma investigação do Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara americana sobre colaborações entre o governo do presidente democrata Joe Biden e plataformas digitais para remoção de conteúdos online, coordenada pelo republicano Jim Jordan.

Na semana passada, Jordan também enviou ofícios a outras plataformas de redes sociais pedindo todos os registros de comunicação entre a empresa e o Executivo norte-americano.

Segundo ele, a administração de Biden teria usado, no diálogo com as plataformas, canais exclusivos e privilegiados, com o objetivo de silenciar opositores políticos sob o argumento de combater a desinformação. Em ano eleitoral, a acusação é usada para prejudicar o atual presidente, que deve concorrer à reeleição.

Conforme Aos Fatos mostrou semana passada, essa estratégia foi alimentada com o vazamento dos Twitter Files Brazil e alianças entre apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro e de Donald Trump nos Estados Unidos.

Leia mais
Investigamos Investigados pelo STF se unem a lobistas nos EUA para retratar Brasil como ditadura e ajudar Trump
BIPE O que são os Twitter Files, vazados pelo próprio Musk, e como eles chegaram ao Brasil

Nesse contexto, o vazamento de decisões judiciais brasileiras que determinaram a exclusão de conteúdos desinformativos também funcionaria como um exemplo de que o Brasil vive sob forte censura.

“O Congresso deve levar a sério as advertências do Brasil e de outros países que buscam suprimir o discurso online. Nunca devemos pensar que isso não pode acontecer aqui”, diz o relatório.

Aos Fatos questionou a Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos Estados Unidos sobre se eles foram informados do caráter sigiloso dos documentos, mas não obteve resposta até a publicação. O espaço permanece aberto para manifestações.

Referências:
1.
X (@JudiciaryGOP )
2. Aos Fatos (1, 2)

Topo

Usamos cookies e tecnologias semelhantes de acordo com a nossa Política de Privacidade. Ao continuar navegando, você concordará com estas condições.