🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Janeiro de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Conheça técnicas de peritos para checar a veracidade de fotos, vídeos e áudios

Por Marco Faustino

10 de janeiro de 2022, 17h32

O menino que aparece com um fuzil em uma foto é o mesmo que foi morto em uma operação policial? Não. O áudio que defende intervenção militar foi gravado pelo ministro da Casa Civil? Também não. As respostas podem ser simples, mas as duas perguntas ilustram um complexo desafio: a checagem de conteúdos audiovisuais que viralizam diariamente nas redes sociais.

Quando as fontes são inconclusas e as pesquisas resultam em pouco ou nada para o desmentido, uma saída é recorrer a peritos forenses. Com técnicas que permitem desde a comparação de expressões faciais até a análise de sotaque e pausa de respiração na fala, esses profissionais podem ser cruciais na hora de determinar se algo é verídico ou não.

Aos Fatos entrevistou o perito audiovisual Ricardo Caires, o perito judicial Roberto Meza e o linguista forense Evandro Cunha e detalha a seguir algumas dicas essenciais para desmentir fotos, áudios, vídeos e textos.

  1. Como saber se quem aparece nas imagens é mesmo a pessoa apontada?
  2. É possível identificar a autoria de um áudio somente pela voz?
  3. Como é possível saber se uma imagem foi manipulada digitalmente?
  4. Dá para identificar alguém apenas pela maneira como escreve?


Como saber se quem aparece nas imagens é mesmo a pessoa apontada?

Peritos forenses fazem uma análise que compara traços do rosto e que já permitiram ao Aos Fatos desmentir que seria João Pedro Mattos Pinto, morto durante uma operação policial, o menino que aparecia de fuzil em uma foto ou que a mulher mostrada em vídeo segurando uma arma era mãe de uma das vítimas de uma chacina no Rio de Janeiro.

Existem elementos na face humana que não se modificam de maneira significativa ao longo do tempo, como o formato do queixo, do nariz, das sobrancelhas, a distância entre os olhos e o tamanho da testa. Detalhes como esses são os primeiros traços observados por peritos forenses para cravar ou descartar que uma pessoa é a mesma retratada em foto ou vídeo.

A técnica consiste em mapear 16 elementos da face (veja abaixo), como linha capilar (distância entre as sobrancelhas e ponto de nascimento do cabelo), nariz, orelhas, boca e maçãs do rosto, de acordo com o perito audiovisual Ricardo Caires.

O tamanho e a distância de cada um dos elementos são medidos, os formatos são comparados (se uma sobrancelha é mais ou menos arqueada, por exemplo), e as imagens são colocadas uma sobre a outra para verificar se os rostos são compatíveis. Existem ainda detalhes adicionais que podem ser analisados, como cicatrizes e tatuagens.

“Ainda que uma pessoa faça mudanças em sua sobrancelha ou nos lábios, existem pontos que não se alteram com o tempo, como a distância entre os olhos e o osso zigomático [parte mais pronunciada da face]”, disse Caires.

O perito judicial Ricardo Meza afirmou que a maior dificuldade do trabalho de análise de imagens está na qualidade dos registros a que se tem acesso.

“A maioria das imagens é oriunda de circuitos internos de TV e câmeras de monitoramento, e a qualidade delas não é muito boa. É mais fácil dizer quais características não estão presentes em uma pessoa do que afirmar quais estão”, disse Meza.

É possível identificar a autoria de um áudio somente pela voz?

Sim, embora a verificação de áudios seja um dos grandes desafios do universo forense, de acordo com os especialistas ouvidos por Aos Fatos. Isso porque não basta apenas a análise de elementos da voz, como sotaque, entonação das sílabas e pausas, mas também saber previamente como fala e se expressa a pessoa a quem se atribui a gravação.

“Quem recebe um áudio no WhatsApp precisa desconfiar de tudo. É necessário ir atrás da fonte, buscar informações sobre quem é aquela pessoa e comparar a voz com de outras gravações que sejam comprovadamente dela”, afirmou o linguista forense Evandro Cunha.

Para uma comparação mais precisa de vozes, o perito Ricardo Caires usa uma ferramenta chamada Praat (confira abaixo), que permite analisar detalhadamente entonação, articulação e frequência de voz. Ela também é capaz de comparar características individuais como respiração, pausa entre as palavras e frases e sotaque.


Praat. O perito Ricardo Caires mostrou ao Aos Fatos como faz para verificar áudios no programa Praat.

Esse método de comparar vozes foi usado por Aos Fatos ao checar um áudio atribuído ao ministro da Casa Civil, Walter Braga Netto, em defesa de uma intervenção militar. A voz na gravação tinha um tom mais grave e a pronúncia do “r” era mais marcada que a do ministro.

Como é possível saber se uma imagem foi manipulada digitalmente?

Não há uma única forma de se ter certeza de que uma determinada imagem foi manipulada digitalmente ou se é uma montagem completa. Para isso, é preciso analisar aspectos diferentes do material, como os metadados — conjunto de informações contidas dentro do arquivo, onde há dados de geolocalização e a data do registro.

Marcas nas imagens também podem indicar uma adulteração. “Algumas vezes, as sombras não condizem com a iluminação do ambiente, assim como a direção do olhar não faz sentido. Também é preciso ver a perspectiva e possíveis borrões”, explicou o perito judicial Ricardo Meza.

Aos Fatos recorre com frequência à pesquisa reversa por imagens, disponível nos mecanismos de busca, para tentar achar a origem de um conteúdo audiovisual. Uma vez que a foto ou o vídeo são encontrados, o checador compara elementos idênticos para, assim, evidenciar a adulteração. Foi desta maneira que desmentimos no ano passado a alegação de que o metrô de Nova York exibiu cartaz que mostrava o presidente Jair Bolsonaro (PL) como Pinóquio (veja abaixo).


Comparativo. Em checagem publicada pelo Aos Fatos em setembro de 2021 foram identificados elementos idênticos entre o mockup, imagem feita para ser utilizada em simulações digitais de campanhas publicitárias, criado pela design Laura Panzo e a montagem que circulava nas redes sociais.

Vale ainda verificar outros detalhes presentes no conteúdo, como placas de carros, vegetação e estruturas existentes que possam atestar que a foto ou o vídeo não foram registrados no local informado pelas publicações que os veicularam. Manipulações em dizeres em faixas (confira aqui e aqui) e um vídeo que mostra um saque a um depósito de gás no Chile, não na Argentina, também foram verificadas dessa forma.

Dá para identificar alguém apenas pela maneira como escreve?

Sim, a análise é manual e deve ser feita com mensagens anteriores e comprovadamente escritas pela pessoa, de acordo com o linguista forense Evandro Cunha. Essa comparação é recomendada, por exemplo, quando há suspeitas de que golpistas enviaram mensagens em nome de parentes e amigos para pedir dinheiro.

“É possível comparar o uso de abreviações: se a pessoa usa ‘vc’ ou ‘você’, como ‘tb’ ou ‘também’. Outro detalhe é o uso de letras maiúsculas e de pontuação. Há pessoas que mandam mensagens no WhatsApp com pouca pontuação ou sem sinais gráficos. Também é possível reparar se a pessoa usa apenas letras maiúsculas ou minúsculas, bem como a variação em que elas são utilizadas”, ressaltou o especialista.

No caso de mensagens atribuídas a órgãos governamentais, é preciso observar se o texto contém erros ortográficos e gramaticais e se há falta de coesão na informação apresentada. Esses são elementos pouco usuais nesse tipo de comunicação, bem como o envio por meio de aplicativos de mensagem ou redes sociais.

“Não é esperado que o governo envie uma mensagem pelo WhatsApp sem a solicitação do cidadão. Ainda que isso acontecesse, a mensagem não deveria conter erros e as informações estariam apresentadas de forma clara”, disse Cunha.

Referências:

1. Aos Fatos (Fontes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8)
2. Universidade de Amsterdã

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