🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Maio de 2023. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

YouTube recomendou vídeos de canal bloqueado pelo STF

Por Ethel Rudnitzki e Gisele Lobato

15 de maio de 2023, 15h06

A influenciadora de extrema-direita Barbara Destefani, dona do Te Atualizei, somou 10,9 milhões de visualizações em vídeos que publicou no YouTube mesmo após o STF (Supremo Tribunal Federal) ter determinado o bloqueio do canal. Apesar da decisão judicial, ela continuava a alimentar o canal, e os vídeos eram distribuídos por links diretos e por recomendações do algoritmo da plataforma.

Os conteúdos foram retirados do ar no sábado (13), após questionamento do Aos Fatos ao YouTube. A plataforma do Google substituiu os vídeos por um aviso de que estão indisponíveis no Brasil por “decisão judicial”. A empresa não se posicionou sobre a promoção orgânica feita pelo seu algoritmo de recomendação.

  • Desde a decisão do STF, o canal havia publicado 16 novos vídeos;
  • O Aos Fatos identificou recomendações para vídeos recentes do Te Atualizei em canais como o da Jovem Pan News e o do programa Pânico, também da Jovem Pan;
  • A influenciadora usa perfis que não foram alvos da decisão do STF, como um canal no Telegram e uma conta reserva no Twitter, para divulgar links diretos para o YouTube;
  • Conteúdos anteriores à decisão do ministro também seguiam disponíveis por meio das URLs diretas, mas foram retirados do ar neste sábado (13).

Segundo dados coletados pelo YouTube Data Tools, ferramenta desenvolvida pela Universidade de Amsterdã, cinco vídeos do canal bloqueado apareciam como recomendados a quem assiste à entrevista dela ao programa Direto ao Ponto do dia 21 de setembro de 2022.

Além disso, os conteúdos seguiam indexados tanto na busca do próprio YouTube como na busca do Google. Ao procurar pelo termo “Te Atualizei” na plataforma, cerca de 5% dos resultados são vídeos do próprio canal bloqueado, segundo o YouTube Data Tools.

Os métodos de contornar o bloqueio e a promoção orgânica feita pelo YouTube fizeram com que a decisão de Moraes tivesse pouco impacto sobre a audiência de Destefani. De acordo com dados do YouTube Data Tools:

  • Os vídeos publicados pela youtuber após o bloqueio têm média de 685 mil visualizações, o que representa queda de 17% em comparação ao conteúdo postado no ano passado, antes das restrições;
  • Durante o período eleitoral, quando a busca por conteúdo político hiperpartidário estava aquecida, os vídeos do Te Atualizei tiveram em média 825 mil visualizações.

Youtuber divulgava links de seus vídeos em seu canal de Telegram, mesmo após bloqueioDistribuição. Youtuber divulgava links diretos do YouTube no Telegram

O bloqueio aos canais da influenciadora foi determinado por Moraes no âmbito do inquérito que investiga os ataques de 8 de janeiro. A decisão, porém, está sob sigilo — o que impede a consulta aos termos exatos usados pelo ministro para determinar a restrição.

Decisões do ministro no mesmo inquérito, aplicadas a outros influenciadores, determinam o bloqueio de um canal no YouTube informando apenas a URL da página principal. O fato, no entanto, de cada vídeo da plataforma possuir um código único que não é vinculado ao canal de origem, pode ser usado como brecha para driblar restrições impostas pelo Judiciário.

A informação de que o YouTube recomendava vídeos do canal bloqueado foi dada pela influenciadora em audiência pública ocorrida na Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados na última quinta-feira (11). A reunião foi convocada pelo deputado Gustavo Gayer (PL-GO) para discutir medidas do Judiciário que estariam supostamente institucionalizando “a censura no Brasil”.

“Censuraram meu Twitter, meu Instagram, TikTok e o meu YouTube. As pessoas só conseguem assistir os vídeos através das recomendações do YouTube”, disse Destefani na ocasião. Após o bloqueio, ela se posicionou no Twitter: “Agora sim é impossível assistir os meus vídeos no Brasil e eu simplesmente NÃO TENHO A QUEM RECORRER!”

Em novembro, o Aos Fatos mostrou que vídeos de outro canal bloqueado por Moraes também permaneciam no ar por meio de URLs diretas, apesar da decisão.

Ao longo dos últimos anos, reportagens do Aos Fatos mostraram que o Te Atualizei foi responsável por propagar desinformação em benefício ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O canal também ajudou a disseminar argumentos favoráveis à impressão do voto na época da discussão da PEC do Voto Impresso.

REGULAÇÃO DAS PLATAFORMAS

A maior transparência dos algoritmos usados pelas redes para recomendar conteúdos é um dos pontos previstos na última versão do PL 2.630/2020, conhecido como “PL das Fake News”, que pretende regular as plataformas digitais.

Na contramão da proposta, o YouTube anunciou uma mudança em sua API que irá diminuir a transparência sobre como funciona o algoritmo de recomendação, como a empresa confirmou ao jornal O Globo. A decisão vai inviabilizar coletas de vídeos recomendados feitas por ferramentas como o YouTube Data Tools, que foi usada pelo Aos Fatos para produzir esta reportagem.

No dia 25 de abril, a Câmara aprovou o regime de urgência para a tramitação do texto na Casa e tinha a expectativa de votar o mérito na mesma semana. Entretanto, uma campanha de ataques ao projeto e de pressão sobre parlamentares acabou aumentando a resistência à proposta, tornando sua aprovação incerta. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirma agora que não tem data para a retomada da discussão.

Na véspera da votação da urgência, Destefani usou seu canal bloqueado no YouTube para fazer uma live na qual usou argumentos enganosos para criticar o PL 2.630/2020, dentre eles o de que a lei criaria um “Ministério da Verdade” controlado pelo governo para censurar as redes sociais. A afirmação se refere à previsão de criação de uma entidade autônoma para fiscalização das plataformas, que foi retirada do projeto original e está em discussão.


Vídeo do canal Te Atualizei desinforma sobre PL das Fake NewsDesatualizei. Vídeo do canal desinforma sobre ‘PL das Fake News’

O mesmo argumento foi usado pelas big techs Google, Meta e Telegram em publicações e anúncios mostrados a seus usuários nas últimas semanas. No vídeo, Destefani chega a ler um posicionamento do Google contra o projeto, além de exibir um documento apócrifo com distorções sobre o texto. A live do canal bloqueado teve mais de 335 mil visualizações.

Na última sexta-feira (12), Moraes abriu inquérito para investigar responsáveis do Google e do Telegram por campanha "abusiva contra o projeto de Lei das Fake News".

RECEITAS PUBLICITÁRIAS

Antes do bloqueio de Moraes, o canal Te Atualizei já tinha sido alvo de outra decisão judicial, em agosto de 2021, que determinou sua desmonetização. A receita obtida por anúncios vinculados aos vídeos produzidos pela youtuber ficou retida pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) até março deste ano, quando foi revogada. A desmonetização afetou perfis nas redes sociais que, segundo o tribunal, divulgavam informações falsas sobre as urnas eletrônicas.

Com a revogação da desmonetização, os vídeos do Te Atualizei que seguiam circulando mesmo com o canal bloqueado estavam garantindo receitas à influenciadora: anúncios eram exibidos no início dos vídeos, e a opção de assinatura do canal está disponível. Por R$ 8 mensais, a youtuber oferece lives em que comenta julgamentos e sessões plenárias exclusivamente a seus assinantes.

Planos de assinatura oferecidos pelo canal bloqueadoAperta o sininho. Canal no YouTube cobrava R$ 7,99 de membros

O corregedor-geral do TSE, ministro Benedito Gonçalves, justificou a revogação da desmonetização pela “retomada do estado de normalidade no país”. O magistrado, porém, ponderou que a liberação dos ganhos não autorizava a divulgação de notícias falsas.

Em publicação no dia 21 de abril, Bárbara defendeu a abertura da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) para investigar os atos de 8 de janeiro, usando a tese não provada da presença de infiltrados entre os manifestantes e sugerindo uma suposta participação do governo Lula (PT) nos atos.

No mesmo vídeo, ela compara a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições presidenciais de 2022 a uma partida de futebol com um juiz ladrão, insinuando fraude eleitoral. A afirmação fere as políticas de comunidade do próprio YouTube, que vedam “conteúdo com alegações falsas de que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados ocorreram” nas eleições.

OUTRO LADO

Aos Fatos questionou o YouTube e Google sobre a recomendação e indexação de vídeos do canal bloqueado nas buscas das plataformas, mas não obteve resposta até a publicação. Após o contato da reportagem, contudo, os vídeos foram bloqueados no Brasil.

Referências:

1. Câmara dos Deputados (1 e 2)
2. Aos Fatos (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9)
3. O Globo (1 e 2)
4. Valor Econômico
5. G1
6. Jovem Pan
7. Google

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