Responsável pela maior parte dos conteúdos encaminhados pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como potencialmente desinformativos, o YouTube retirou do ar até esta quinta-feira (11) apenas 126 vídeos, o que representa menos de 10% do total, revela análise do Radar Aos Fatos.
O TSE enviou às plataformas 1.771 links com informações possivelmente falsas sobre o processo eleitoral em 2022. Ao todo, foram 1.701 vídeos do YouTube (96% do total), dos quais 1.237 (70%) são de canais de influenciadores bolsonaristas. Os conteúdos de apoiadores do presidente somam mais de 35 milhões de visualizações.
Dos 126 vídeos que não estão mais disponíveis no YouTube:
- 31 foram removidos pelo autor ou tornados “privados”, quando o vídeo não é acessível para o público geral, apenas para convidados;
- ao menos 24 foram removidos por violação das regras da plataforma;
- boa parte (60 vídeos), contudo, não traz especificações sobre o que levou à exclusão.
Um documento anterior, com 1.579 links — obtido via Lei de Acesso à Informação pela Fiquem Sabendo, agência de dados especializada no acesso a informações públicas —, havia sido divulgado como a lista de conteúdos encaminhados pelo TSE às plataformas. Dias depois, o tribunal corrigiu a informação e disse que os dados, que incluíam links do próprio TSE, diziam respeito aos conteúdos recebidos via Sistema de Alerta de Desinformação Contra as Eleições.
A página permite registrar casos de circulação ou disparo em massa de narrativas falsas. Os links recebidos pelo sistema são analisados e encaminhados às plataformas “quando são verificados conteúdos em que existe a possibilidade de violações de termos de uso de plataformas digitais, especificamente relacionadas com a desinformação ou disparo em massa sobre o processo eleitoral”, explicou o TSE em nota.
O tribunal também ressaltou que não faz qualquer recomendação sobre qual deve ser o tratamento dado a cada conteúdo, seja a exclusão ou a sinalização. O Radar Aos Fatos teve acesso à lista atualizada de links analisados pelo tribunal e constatou que:
- dos conteúdos listados anteriormente, 1.433 (90%) foram de fato encaminhados às plataformas;
- o tribunal acrescentou outros 338 links com potencial desinformação para análise das redes, recebidos depois da divulgação da primeira lista, totalizando 1.771 links.
O YouTube confirmou à reportagem que recebeu os links enviados pelo TSE.
BOLSONARISTAS DENUNCIADOS
O canal oficial do presidente da República aparece na lista nova com 17 links encaminhados como potencial desinformação ao YouTube. Entre eles está um vídeo, publicado em julho de 2021, que explica a proposta chamada de voto impresso e que insinua que o atual sistema de votação eletrônico não seria auditável — o que é mentira.
Os conteúdos do presidente reportados pelo TSE via Sistema de Alerta de Desinformação somam 800 mil visualizações.
Doze canais de parlamentares da base governista aparecem na lista, como os dos deputados federais Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Ex-presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania), comissão mais poderosa da Câmara, Kicis foi a campeã: teve 78 vídeos reportados pelo TSE como desinformação. Zambelli teve 39 encaminhados para avaliação do YouTube, e Eduardo Bolsonaro, 20. Além de desinformação eleitoral, os três deputados também se notabilizaram por compartilhar informações falsas na pandemia, inclusive sobre a vacinação infantil.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do presidente e principal responsável pela arrecadação da campanha à reeleição do pai, teve 14 vídeos de seu canal no YouTube denunciados pelo TSE por possível propagação de informações falsas. Entre os conteúdos, está um trecho descontextualizado de uma reportagem da RedeTV! que mostra simulação de fraude em uma urna eletrônica usada nos Estados Unidos. A reportagem foi ao ar em 2019, e os equipamentos mostrados são diferentes dos usados no Brasil.
Levando em consideração todos os canais da lista, o mais denunciado por desinformação foi o Folha Política, com 107 vídeos enviados para avaliação do YouTube. Juntos, os conteúdos somaram mais de 8,5 milhões de visualizações. Um deles é uma transmissão ao vivo do discurso de Bolsonaro durante manifestação favorável ao voto impresso, em Brasília, em 1º de agosto de 2021.
No ano passado, o Folha Política teve sua monetização suspensa por decisão do ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e do TSE Luis Felipe Salomão, no âmbito de inquérito administrativo que apura ataques contra o processo eleitoral. Outros 5 dos 14 canais investigados também tiveram vídeos enviados ao tribunal por suspeita de desinformação.
CAMPEÃ DE AUDIÊNCIA
Os vídeos mais populares denunciados pelo TSE ao YouTube não eram de canais de apoiadores de Bolsonaro ou políticos governistas, mas de programas da Jovem Pan, emissora que tem se radicalizado politicamente desde 2016 e abraçado a extrema-direita bolsonarista, conforme mostrou reportagem da revista piauí publicada na semana passada.
Com 19,4 milhões de visualizações, 71 edições de “Os Pingos nos Is” foram reportadas pelo TSE por possível desinformação eleitoral. A mais popular delas foi a transmissão semanal da live do presidente de 29 de julho de 2021, na qual ele prometeu apresentar provas de fraude nas urnas eletrônicas, mas apenas repetiu alegações falsas sobre o sistema.
A mesma live já foi banida pela plataforma do canal do presidente, mas segue disponível no ar, com mais de 1,3 milhão de visualizações.
Vídeos dos programas “Jovem Pan News” (54 links), “Morning Show” (30), “Pânico Jovem Pan” (17), “3 em 1” (9) e “Pânico” (4) também foram encaminhados ao TSE. Além dos programas, canais pessoais de comentaristas associados ao grupo foram denunciados, entre eles os de Rodrigo Constantino e Alexandre Garcia.
VÍDEOS DELETADOS
Segundo monitoramento do estúdio de análise de dados Novelo Data, entre os 126 conteúdos excluídos pela plataforma estão vídeos dos canais Jornal da Cidade Online, Polyteya, Folha Política, Universo, Direto Aos Fatos, Canal de Brasília, Ponto de Vista e da deputada Carla Zambelli. Um deles, que tinha o título “Urna eletrônica é inconstitucional", havia sido publicado em março de 2020 e permaneceu no ar por mais de dois anos até ser removido por violação das regras.
Vídeos do encontro de Bolsonaro com diplomatas estrangeiros transmitidos pelos canais do presidente, da TV Brasil e do UOL — excluídos pelo YouTube na quarta-feira (10) — também estavam entre os links encaminhados pelo TSE à empresa por potencial desinformação eleitoral. O tribunal afirmou que não faz qualquer recomendação no sentido de remoção ou sinalização dos conteúdos.
“A atuação do TSE, no âmbito do programa de enfrentamento, se restringe a analisar a adequação de denúncia ao escopo do programa e encaminhar às plataformas com indicação de possível conteúdo desinformador ou disparo em massa para que realizem a moderação com base nos próprios termos de uso”, diz o tribunal.
“O tratamento dado pela plataforma pode ser verificado pela consulta ao link. Em alguns casos houve a retirada do vídeo. Em outros, a inclusão de rótulo eleitoral e outros não houve providência.”
O YouTube afirmou que os conteúdos enviados pelo TSE “foram avaliados, de acordo com nossas regras, e removidos, quando considerados em violação das mesmas”.
A plataforma informou ainda que, por meio de sua política de integridade eleitoral, “proíbe conteúdo com alegações falsas de que fraudes, erros ou problemas técnicos generalizados ocorreram nas eleições brasileiras de 2014 e 2018 ou conteúdo que afirma que os resultados certificados dessas eleições são falsos”. A política foi atualizada nesta semana para incluir afirmações sobre a eleição de 2014.
METODOLOGIA
A partir da lista de links encaminhados pelo TSE às plataformas, o Radar Aos Fatos apurou informações de autoria, alcance e data de publicação daqueles que vinham de canais do YouTube, retirando links repetidos e inválidos. Depois, classificou o alinhamento político do canal a partir de conteúdos de apoio expresso ao presidente Jair Bolsonaro.
A reportagem apurou também informações sobre autoria, alcance e datas de exclusão e publicação de vídeos excluídos, a partir do monitoramento diário de canais de políticos e de dados do estúdio Novelo Data.
Por último, os dados foram comparados à lista de denúncias recebidas pelo TSE, obtida pela agência Fiquem Sabendo.