🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2022. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

YouTube e influenciadores lucram com transmissões de atos golpistas

Por Ethel Rudnitzki, João Barbosa, Luiz Fernando Menezes e Tai Nalon

4 de novembro de 2022, 16h42

"Nós passamos anos lutando, nos manifestando, pedindo, implorando, suplicando, indo aos milhões nas ruas pedindo unicamente por transparência nas urnas. A nossa voz foi abafada no Congresso, no Senado, no STF, descredibilizada pela mídia. O molusco, o vagabundo, voltou a ser elegível. Fraud… não vou dizer. Na minha opinião, tá muito estranha essa eleição", afirma um dos responsáveis pelo Canal Hipócritas no YouTube em transmissão ao vivo do primeiro dia de paralisações em estradas no Brasil contra o resultado das eleições. A live foi visualizada mais de 310 mil vezes.

"A gente não sabe como vai ficar a live aqui, quanto tempo isso pode ficar online, então peço para vocês compartilhem essa live o máximo possível", completa seu colega de transmissão antes de começarem a mostrar os manifestantes em Itajaí (SC).

O YouTube Brasil anunciou na última segunda-feira (31) atualização em suas políticas de conteúdo sobre eleições. A empresa passou a proibir “conteúdo que promova falsas alegações de que fraudes generalizadas, erros ou falhas ocorreram em determinadas eleições nacionais certificadas anteriormente, ou que os resultados certificados dessas eleições eram falsos relacionados ao pleito de 2022 no Brasil. Até então só eram proibidos conteúdos do tipo relacionados às eleições de 2018 e 2014 no país.

A despeito das novas regras da plataforma e do receio do youtuber, o vídeo do Hipócritas seguia no ar até a publicação desta reportagem, cinco dias depois da transmissão, sendo inclusive monetizado pela plataforma. Somente enquanto estava ao vivo, o canal arrecadou R$ 1.566 através de repasses feitos pelos usuários no SuperChat. Esta funcionalidade do YouTube permite que espectadores paguem para que seus comentários apareçam com mais destaque durante transmissões ao vivo.

O sucesso levou o canal a repetir a "cobertura" das manifestações nos dois dias seguintes, rendendo mais R$ 565,90. O Hipócritas tem hoje 1,5 milhão de assinantes.

Um dos canais bolsonaristas mais populares e alvo de investigação no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) a pedido da campanha de Lula (PT), o Hipócritas não foi o único canal a lucrar com transmissões ao vivo de atos golpistas. O Radar Aos Fatos identificou ao menos 14 canais monetizados pela plataforma que fizeram lives dessas paralisações, somando quase cinco milhões de visualizações.

O canal bolsonarista Driver Na Lata, com 1,5 milhão de assinantes, é outro exemplo. Em uma transmissão ao vivo com mais de 200 mil visualizações e sete horas de duração, o motorista e youtuber Henrique Pereira mostrou o bloqueio de rodovias em São Paulo, arrecadando mais de R$ 2.300 somente via SuperChat. Na transmissão, o youtuber também pediu transferências via PIX para os espectadores.

Doação recebida por canal durante transmissão

Durante a corrida eleitoral, Pereira participou de lives de apoio a Bolsonaro e chegou a ter um encontro com o então candidato do PL em Brasília, junto de outros influenciadores.

O Driver Na Lata ainda é monetizado por meio de um programa de membros, facilitado pelo YouTube, no qual seguidores fazem uma assinatura mensal dos conteúdos do canal para terem vantagens na hora de assistir aos vídeos. A transmissão das manifestações rendeu a ele dois novos membros, o que será revertido em R$ 50,32 mensais para o influenciador.

Planos de assinatura para se tornar membro do canal Driver Na Lata

Outros 12 canais que fizeram transmissões ao vivo das manifestações utilizaram essa forma de monetização, mas não é possível saber quantos novos membros conseguiram com isso ou quanto foi obtido via SuperChat, pois os comentários foram desabilitados após a live.

Também não é possível saber quanto os canais lucraram com outras formas de monetização da plataforma, como anúncios via AdSense, a plataforma de anúncios do Google, pois o YouTube não disponibiliza ao público essas informações.

REGRAS DO YOUTUBE
Segundo as políticas de monetização do YouTube, as ferramentas de anúncios e doações só podem ser usufruídas por canais que respeitem as Diretrizes de Comunidade da plataforma e as regras do Google AdSense. Ambas proíbem conteúdos enganosos, especialmente sobre processos eleitorais. "Não permitimos conteúdo que faça afirmações comprovadamente falsas e que possa prejudicar de forma significativa a participação ou a confiança no processo eleitoral ou democrático", diz trecho da política do AdSenses.

O Radar Aos Fatos enviou ao YouTube Brasil nesta sexta-feira (4) links para as lives monetizadas que transmitiam as manifestações, questionando se esses conteúdos estariam em violação às regras da plataforma. A assessoria da empresa, contudo, não respondeu até a publicação desta reportagem. O Radar Aos Fatos permanece aberto para o registro do posicionamento da plataforma.

MONETIZAÇÃO INDIRETA

Além das formas de monetizar pelo próprio YouTube, os canais analisados usam o espaço em seus vídeos para pedir doações via PIX e outras formas de arrecadação. É o caso do canal Durval Pereira, cujo vídeo sobre os bloqueios ilegais em estradas foi o mais compartilhado em canais de Telegram nos dois dias seguintes às eleições (88 mensagens).

Nele, Ferreira defende a “desobediência civil” motivada pelo resultado das urnas e convoca a população para participar dos atos: “toda a população, levem suas crianças, seus filhos, seus sobrinhos, netos, todo mundo tem que participar disso, tá? Para mostrar para o Brasil, para a imprensa esquerdista, aqui do Brasil e do mundo, que isso não é uma manifestação. Isso é todo brasileiro querendo Justiça”.

Print da live de Durval Pereira

Outro vídeo do canal aparece entre os mais compartilhados no Telegram. Logo após o resultado do segundo turno, Ferreira abriu uma live (que foi compartilhada em 26 mensagens) na qual ele explica o que a direita deveria fazer: “o povo deve ir para os quartéis, para as ruas. Os caminhoneiros, o pessoal do agronegócio… todo mundo para os quartéis e mostrar pressão”.
Na legenda de ambos os vídeos, Ferreira não só informa a chave PIX para que os usuários do YouTube possam fazer doações, como também detalha duas contas – uma do Banco do Brasil e outra do PagSeguro – disponíveis para depósitos.

O canal Tabela do Brasileirão adotou a mesma estratégia durante uma transmissão de manifestação do dia 3 de novembro. "Quer aparecer na tela? Faça uma doação PIX", convidava o canal em vídeo cujo título pedia por "Intervenção Federal", em letras cifradas para evitar moderação da plataforma. Se as doações exibidas forem verdadeiras, o canal arrecadou mais de R$ 600 em três horas de transmissão.

Canal pede pix em troca de nome na tela

Na terça-feira (1º), o coronel da reserva da Aeronáutica Marcos Koury publicou um vídeo exaltando paralisações em Pernambuco e em que também pedia contribuições via PIX. Responsável por administrar grupos bolsonaristas no Telegram, o youtuber já incentivava greves gerais de caminhoneiros antes mesmo do segundo turno para instituir o voto impresso, como mostrou reportagem do Aos Fatos em parceria com Agência Pública e Núcleo Jornalismo. Após a publicação, o canal foi bloqueado por decisão judicial.

CONTORNANDO DECISÃO DA JUSTIÇA

A estratégia também é usada por canais que tiveram as ferramentas de monetização do YouTube bloqueadas por decisão judicial, como o Direto Aos Fatos, da youtuber Camila Abdo. Em 1º de novembro, ela publicou um vídeo em apoio às paralisações no qual exibiu sua chave PIX na tela durante todos os mais de 15 minutos da gravação. "O brasileiro não vai aceitar o resultado das maquininhas eletrônicas super confiáveis e hipertransparentes que a gente não pode nem questionar", diz, em tom sarcástico.

Já o youtuber Kim Paim, que teve a desmonetização do seu canal solicitada pela campanha de Lula durante as eleições, aproveitou o espaço de seu vídeo sobre as paralisações para propagandear sua conta no Patreon, sistema online de assinatura mensal usado para captar doações. A despeito do pedido de suspensão durante as eleições, o youtuber segue autorizado a receber R$ 1.477 mensais pela plataforma.

METODOLOGIA

O Radar Aos Fatos pesquisou em grupos de Telegram que discutem política e na ferramenta de busca avançada do YouTube lives sobre manifestações e bloqueios de estradas convocados pelo bolsonarismo para se opor ao resultado das eleições.

Depois, o Radar selecionou as transmissões que exibiam opções de monetização, separando por tipo (PIX, programa de membros ou SuperChat), coletando os valores doados quando os comentários estavam disponíveis.

Referências:

1. Youtube (1, 2, 3)

2. TSE (1, 2)

3. Aos Fatos

sobre o

Radar Aos Fatos faz o monitoramento do ecossistema de desinformação brasileiro e, aliado à ciência de dados e à metodologia de checagem do Aos Fatos, traz diagnósticos precisos sobre campanhas coordenadas e conteúdos enganosos nas redes.

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