No dia 25 de julho, a biografia de Eduardo Paes (PSD) na Wikipédia passou por uma faxina. Um usuário recém-criado com o nome Homer81 removeu boa parte da seção sobre controvérsias da vida e da carreira do prefeito carioca, candidato à reeleição.
Do mesmo modo, a biografia do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), também candidato à reeleição, passou por uma recauchutagem para inflar realizações de sua gestão com informações enganosas.
Monitoramento realizado pelo Aos Fatos mostra que, em ano eleitoral, as biografias dos candidatos na Wikipédia são um campo de batalha — servem tanto para divulgar realizações, como para inflar dados, acrescentar desinformação e omitir episódios desfavoráveis.
Com a ferramenta Xtools, o monitoramento reconstituiu as edições nas biografias dos candidatos a prefeito do Rio e de São Paulo nos últimos seis meses.
Na Wikipédia, principal enciclopédia colaborativa da internet, a produção e a moderação de conteúdo estão a cargo de editores voluntários.
De acordo com as políticas do site, as edições devem ser amparadas por fontes confiáveis e verificáveis, como a imprensa profissional, revistas científicas, documentos públicos e artigos acadêmicos. A enciclopédia também desencoraja edições que envolvam conflitos de interesse, ou aquelas que tenham como “finalidade promover interesses próprios ou de outros indivíduos, companhias ou grupos”.
O que mudou na biografia de Paes
Na biografia do prefeito do Rio, por exemplo, só no dia 25 de julho, o usuário Homer81 removeu informações desfavoráveis, como:
- A declaração de Paes de 2006 na qual defendeu a atuação de milicianos no bairro de Jacarepaguá;
- A ação de 2017 que pediu a inelegibilidade de Paes e Pedro Paulo por abuso de poder político-econômico por uso inadequado de plano estratégico durante campanha de 2016; anulada em 2021;
- O bloqueio de bens de Paes por suposta fraude em licitação para serviços de emergência médica durante a Jornada Mundial da Juventude de 2013; a ação não foi adiante por não haver prejuízo aos cofres públicos;
- Menções a Paes em delações premiadas ocorridas no âmbito da Operação Lava Jato;
Tudo isso foi substituído por um texto informando o resultado das acusações feitas a Paes pela Lava Jato: “Todas as acusações mencionadas nas delações foram arquivadas ou anuladas pelo Supremo Tribunal Federal em 2024, e Eduardo Paes não está envolvido em nenhum processo criminal”, diz o trecho adicionado — e que ainda constava na biografia até a publicação da reportagem. A edição omite que alguns dos processos foram encaminhados para julgamento na Justiça Eleitoral.
Ao todo, a edição removeu mais de 35 mil bytes — unidade de medida de dados digitais — da biografia de Paes, que ocupa mais de 160 mil bytes de memória na enciclopédia virtual. Ou seja, só esse editor alterou 20% da biografia do prefeito.
No dia 12 de agosto o usuário agiu novamente. Removeu do verbete uma frase que afirmava que Paes teria tido uma “postura contundente” quanto às denúncias de corrupção no governo Lula. Paes foi ferrenho crítico de Lula, hoje um de seus principais aliados.
Homer81 não foi o único a fazer edições no verbete de Paes às vésperas da campanha eleitoral.
- Ainda em julho, um usuário identificado como Oulisses acrescentou mais de 55 mil bytes com informações sobre ações da Prefeitura do Rio durante os mandatos de Paes;
- Entre elas, incluiu a informação enganosa, já checada pelo Aos Fatos, sobre o prefeito ter concluído as obras de desvio do Rio Joana para prevenção de enchentes — que foram paralisadas em 2016 e só retomadas e finalizadas em 2018, na gestão de Marcelo Crivella;
- Em junho, o mesmo editor acrescentou 594 bytes e em maio ele adicionou outros 28 mil bytes;
- Em uma dessas edições, foi inserida outra desinformação: de que a oferta de atendimento na Rede Básica de Saúde teria subido de 3,5% para 70% entre 2009 e 2016;
- Como já checado pelo Aos Fatos, a cobertura no início do primeiro mandato de Paes era de 21,5% e chegou a 68,62% no final de seu segundo mandato, segundo dados do Ministério da Saúde.
Assim como Homer81, que removeu as controvérsias da biografia do prefeito, o usuário Oulisses foi criado em maio de 2024 — dois meses antes do início da campanha eleitoral.
Além disso, as grande maioria das contribuições deles na Wikipédia foram relacionadas a Paes:
- Todas as edições feitas por Oulisses foram na biografia do prefeito;
- Já Homer81 também editou verbete sobre o programa Morar Carioca, lançado por Paes em 2010;
- Em 14 de junho, ele removeu trechos sobre registros de infiltrações em unidades habitacionais construídas pelo programa e acrescentou informações sobre o relançamento na atual gestão;
- Ele também fez duas pequenas edições nos verbetes Paliativismo e Associação Médica Mundial, sem relação com Paes.
Aos Fatos procurou os dois editores através de email enviado pela Wikipédia, mas não obteve resposta. Questionada, a assessoria de Eduardo Paes também não respondeu se está acompanhando as edições na página do prefeito. O espaço permanece aberto para manifestação.
Alexandre Ramagem
A biografia do delegado Alexandre Ramagem (PL), principal adversário de Paes na corrida pela prefeitura do Rio de Janeiro, também passou a ser mais editada com a proximidade da campanha.
Em julho um usuário identificado como Kado Gualberto acrescentou mais de 2.000 bytes ao verbete incluindo:
- Anúncio de sua candidatura à prefeitura;
- Posicionamentos da defesa de Ramagem sobre as investigações da Polícia Federal no inquérito que apura o uso ilegal da estrutura da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) pelo governo Jair Bolsonaro.
- As informações sobre as acusações contra o delegado no caso da Abin paralela, porém, não foram removidas pelo editor. Continuam no ar.
São Paulo. Com a proximidade do pleito, edições desinformativas também foram feitas na biografia do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição.
Em fevereiro, um usuário identificado como Pedro Lorenzo acrescentou desinformação sobre Nunes ter zerado a fila de creches na cidade, o que foi feito pela gestão de Bruno Covas, em 2020. Essa informação já foi checada pelo Aos Fatos e é falsa.
Entre fevereiro e maio, Lorenzo acrescentou mais de 16,7 mil bytes à biografia — com informações positivas ao prefeito —, e excluiu outros 5,9 mil — com informações negativas, como por exemplo, a contratação de empresas sem licitação para a realização de obras em São Paulo. As edições, no entanto, foram revertidas por moderadores da Wikipédia.
Entre as edições positivas estavam algumas inserções de conteúdo que já haviam sido feitas em setembro do ano passado por usuários contratados pela pré-campanha de Nunes, conforme apurou O Globo. Aos Fatos não conseguiu contato com o usuário. A assessoria de imprensa de Nunes também não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Último a ser confirmado como pré-candidato à prefeitura, o apresentador José Luiz Datena (PSDB) também teve o verbete editado. Em 14 de agosto, um usuário recém-criado excluiu seção da página que falava sobre entrevista que o então apresentador fez com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na qual ele mentiu sobre sua atuação durante a pandemia de Covid-19, sem ser contestado por Datena.
À reportagem, a campanha de Datena afirmou que desconhece as tentativas de edição na página do apresentador.
O verbete de Pablo Marçal (PRTB) também foi alvo de edições tendenciosas. Em março, usuários alteraram a seção sobre controvérsias do influenciador, omitindo condenação por desvio de dinheiro em 2010 e distorcendo casos em que publicou desinformação durante as eleições de 2022.
Uma das edições, que foi revertida, afirmava que Marçal teria defendido as crianças, quando na verdade ele publicou uma peça desinformativa sobre abuso sexual de menores. Depois disso, o perfil de Marçal foi protegido por outros moderadores da página, uma medida que limita os usuários que podem editar a página. A proteção está válida até o final de setembro.
Mesmo com a proteção, a biografia de Marçal também passou por vandalismo, expressão usada para se referir a edições ofensivas ou pejorativas na enciclopédia virtual.
Em 18 de julho, um usuário confirmado incluiu falsas propostas de Marçal para a Prefeitura de São Paulo, como forma de ridicularizar sua candidatura.
“Caso eleito, sugere-se que o prefeito poderia resolver os problemas apenas meditando, sem a necessidade de comparecer ao trabalho”, dizia a edição, revertida uma hora depois.
O deputado federal e pré-candidato Guilherme Boulos (PSOL) também teve a biografia vandalizada nos últimos meses. Em 2 de junho, um usuário no texto sobre Boulos a expressão “invasor de terra” à descrição de Boulos, revertida 10 minutos depois.
Questionada, a assessoria de Boulos negou ter participado das remoções de vandalismos na página do candidato na Wikipédia. “Lamentamos a má-fé de perfis que tentaram alterar o conteúdo com evidente intenção de atacar a honra de Boulos”, diz em nota.
A pré-campanha de Marina Helena (Novo) também entrou na batalha de edições na Wikipédia às vésperas da eleição. O objetivo, no entanto, é conseguir que seja criada uma biografia sobre ela.
Uma página para Helena havia sido criada em abril por voluntários do Partido Novo, mas acabou removida pela Wikipédia por não se enquadrar nos critérios de notoriedade. Para um político ter verbete na enciclopédia, deve ocupar cargo no Executivo ou Legislativo em escala nacional ou estadual.
No caso de vereadores ou políticos sem cargo, é preciso ter algum feito de destaque político, envolvimento em escândalos de repercussão nacional, ou grande número de citações em artigos acadêmicos ou matérias de jornal.
Por isso, em votação, a maior parte dos editores decidiu que Helena não se enquadra nesses critérios e votou pela eliminação da página, o que foi considerado pela pré-candidata como “censura”.
"Foi uma exclusão injusta e claramente persecutória", afirmou a assessoria de imprensa da campanha, que entrou com recurso através da plataforma, além de tentar contato com a Fundação Wikimedia, sem sucesso. "Apelamos à imprensa e às redes sociais, mas não adiantou".
O caminho da apuração
Aos Fatos analisou o histórico de edições de biografias de pré-candidatos a prefeito em São Paulo e Rio de Janeiro, considerando número de edições por mês realizadas desde janeiro deste ano. Com o auxílio da ferramenta Xtools, observou o conteúdo e autoria das edições.
A reportagem então enviou questionamentos aos usuários responsáveis pelas edições desinformativas. Também entrou em contato com as assessorias dos candidatos.