Após pressão de ‘big techs’ e da indústria, votação de relatório da regulação da IA é adiada mais uma vez

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Marcada para esta terça-feira (9), a votação do projeto de regulação da inteligência artificial no Brasil (PL 2.338/2023) foi adiada mais uma vez e não tem data definida para ser retomada. Com o recesso parlamentar e o início da campanha eleitoral em agosto, especialistas ouvidos pelo Aos Fatos não acreditam que o assunto volte à pauta antes de novembro.

O adiamento foi formalizado em requerimento apresentado pelo senador Marcos Rogério (PL-RO) e obrigará a CTIA (Comissão Especial para Inteligência Artificial no Senado) a prorrogar pela terceira vez os trabalhos, iniciados em agosto do ano passado e que deveriam se encerrar no próximo dia 17.

“Não há pressa em votar, tanto que nós fizemos 12 audiências públicas”, disse o presidente da Comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), ao anunciar o novo adiamento da votação.

O fracasso na votação ocorre na esteira de um posicionamento da CNI (Confederação Nacional da Indústria), que na segunda-feira (8) voltou a afirmar que o projeto traria “obstáculos ao desenvolvimento tecnológico e à inovação no país” — afirmação contestada pela Coalizão Direitos na Rede, que reúne pesquisadores e organizações da sociedade civil.

A tramitação do projeto também enfrentou pressão em virtude das regras que garantem o pagamento de direitos autorais de obras usadas para o treinamentos de IAs, pleito do setor artístico que havia sido contemplado na última versão do relatório do senador Eduardo Gomes (PL-TO), apresentado na última quinta (4).

“A posição da indústria certamente afetou as pretensões de votação. Por desconhecimento ou medo, não entenderam que as normas mais ajudam a indústria brasileira do que atrapalham”, diz nota da Associação Data Privacy Brasil.

“O resultado para a sociedade é péssimo, pois só teremos condições de ter uma votação após eleições municipais. Até lá, setores financeiramente organizados provavelmente trabalharão para diluir ainda mais a lei”, continua o texto.

Em junho, um conjunto de associações ligadas a empresas de tecnologia defendeu desacelerar a tramitação, alegando que “a pressa na aprovação desse PL pode resultar em uma lei insuficiente para os pleitos da sociedade e inadequada do ponto de vista da tecnologia que se pretende regular, criando um cenário regulatório complexo de se navegar e excessivamente oneroso, o qual poderá ser impossível de ser cumprido, especialmente por startups e pequenas e médias empresas (PMEs)”.

Mais emendas. Repetindo o roteiro do adiamento da votação que já tinha ocorrido em junho, o relatório do projeto recebeu dez novas emendas apresentadas de última hora, agora pelos senadores Izalci Lucas (PL-DF) e Mecias de Jesus (Republicanos-RR).

Pelo menos duas das emendas de Lucas refletem o argumento da indústria de que o projeto poderia atrapalhar a inovação. Uma delas remove as tecnologias em desenvolvimento da listagem de risco excessivo, derrubando sua proibição. Assim, seria permitido desenvolver, por exemplo, sistemas de armas autônomas, mas não implementá-los nem utilizá-los.

Outra emenda vai além e sugere alteração no segundo artigo do texto, limitando toda a aplicação da lei ao uso e implementação de sistemas de IA — excluindo por completo da regulação a etapa de desenvolvimento de tecnologias de alto risco.

“Nós estamos perdendo a oportunidade com esse projeto de avançar muito na inovação. Nós já estamos muito atrasados com relação a isso, por falta de investimento, por falta de uma série de coisas. Então, eu não sei, sinceramente, qual é a pressa dessa discussão e votação dessa matéria”, disse Izalci Lucas, que citou o posicionamento da CNI como uma de suas inspirações para as emendas.

Nas redes

Com a proximidade da votação, se intensificou nas redes a campanha desinformativa de ataques ao PL 2.338/23, que usa o falso argumento de que a proposta daria ao governo o poder de controlar as informações postadas pelos usuários. Nesta terça (9), a hashtag da campanha, #PL2338NÃO, chegou a ser um dos assuntos mais falados no X (ex-Twitter) com mais de 6,5 mil publicações.

A estratégia — já usada contra o PL das Fake News (PL 2.630/2020) — foi criticada pelo presidente da comissão do Senado na sessão desta terça (9). Sem citar nomes, Viana apontou o dedo também para outros parlamentares envolvidos na campanha.

“Existem no Parlamento brasileiro, hoje, aqueles que querem mídia para ganhar dinheiro e para aproveitar da desinformação da população. Está lotado de gente que faz isso em rede social, que levanta o argumento de censura, porque ganham em cima disso. Estão ganhando em cima de rede social e da desinformação da população. Agora, o Senado não é a casa para esse tipo de palco, para esse tipo de picadeiro”, protestou o senador.

Além de propagar falsos argumentos, a campanha da oposição nas redes também buscou convocar eleitores para pressionar diretamente senadores. Posts publicados pela página do Movimento Nas Ruas, fundado pela deputada Carla Zambelli (PL-SP), compartilharam telefones e emails dos gabinetes de parlamentares, orientando os seguidores a enviarem mensagens pedindo pela rejeição do projeto de regulação da IA.

Movimento Nas Ruas divulgou contato de senadores de todos os estados pedindo pela rejeição do PL 2.338/23 com base em desinformação (Reprodução)
Movimento Nas Ruas divulgou contato de senadores de todos os estados pedindo pela rejeição do PL 2.338/23 com base em desinformação (Reprodução)

Os cards incluem informações de todos os 81 senadores, não apenas dos membros da comissão que votaria o projeto, antecipando uma campanha contra a aprovação da proposta no plenário.

Uma convocação similar tinha sido feita às vésperas da votação na Câmara do “PL das Fake News”, no ano passado. Na época, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), apresentou representação em virtude da campanha, levando a Procuradoria-Geral da República a protocolar uma notícia-crime contra as plataformas. O inquérito foi arquivado em junho pelo ministro Alexandre de Moraes.

Tentando contrabalançar a pressão que o texto vem sofrendo de setores econômicos, entidades favoráveis ao projeto se mobilizaram nos últimos dias para pressionar pela aprovação da matéria, levantando nas redes a hashtag #PL2338SIM.

União de artistas digitais organizou mobilização a favor do PL 2.338/23 (Reprodução)União de artistas digitais organizou mobilização a favor do PL 2.338/23 (Reprodução)

A campanha foi apoiada por organizações de direitos digitais e associação de artistas, que enviaram representantes a Brasília nesta terça (9), para acompanhar presencialmente a sessão da comissão.

O Aos Fatos procurou, por email, o gabinete da deputada Carla Zambelli, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para posicionamento.

O caminho da apuração

A reportagem acompanhou, pelo canal da TV Senado, a sessão da CTIA (Comissão Especial para Inteligência Artificial) e usou a ferramenta de transcrição do Aos Fatos, o Escriba, para transcrever as declarações dos parlamentares.

Na página da tramitação do projeto no Senado, verificamos todas as emendas apresentadas pelos senadores, analisando seu conteúdo, e levantamos no X os principais posts que citavam o projeto.

Por fim, procuramos especialistas que acompanharam a sessão em Brasília, ouvidos em condição de anonimato, reunimos os posicionamentos das entidades envolvidas no debate e questionamos as assessorias de imprensa do presidente e do relator da CTIA sobre prazos para as novas reuniões. Enviamos um email para o gabinete da deputada Carla Zambelli para dar à parlamentar a possibilidade de se posicionar.

Referências

  1. Senado Federal
  2. Convergência Digital
  3. Coalizão Direitos na Rede
  4. Conselho Digital
  5. Aos Fatos (1, 2 e 3)
  6. Câmara dos Deputados (1 e 2)
  7. g1

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