Não é verdade que o vírus da zika foi criado pelos Rockefeller, família norte-americana bilionária, para matar milhões de pessoas e gerar lucro com a venda de vacinas. O que realmente aconteceu foi que a fundação que leva o nome da família financiava o centro que descobriu a doença. Além disso, não há venda de vacinas — que sequer existem ainda — e tampouco lucro por parte da Rockefeller Foundation.
O texto, publicado no portal Sempre Questione, site ligado à página do Facebook Conspiração Global, foi originalmente postado em fevereiro de 2016, mas ganhou força novamente na última semana. Na época, o site E-Farsas explicou por que a notícia é falsa. Trata-se também de uma reciclagem de um texto americano publicado naquele mesmo período.
Também publicaram as mesmas informações os sites DiárioPB (este com o texto idêntico ao do Sempre Questione), Panorama Livre, To no Cosmos, O Correio de Deus, Hi7 e MOZMassoko.
Até a publicação da reportagem, a matéria já havia acumulado mais de 50 mil compartilhamentos e foi publicado em páginas como Conspiração Global e Sempre Questione, além da página do grupo Blog Luís Nassif (grupo público “dos frequentadores do Luis Nassif Online e GGN”, que não é de responsabilidade do autor). Segundo a ferramenta Crowdtangle, as duas primeiras páginas publicaram o texto novamente na última quarta (25) somando 524 compartilhamentos até a publicação desta reportagem. Desde 2016, essa história já havia registrado 51,2 mil compartilhamentos.
Veja abaixo o que checamos.
FALSO
O zika vírus foi criado e patenteado pela família Rockefeller e seu objetivo é matar milhões de pessoas, além de lucrar com a venda de vacinas.
Muitas informações dessa afirmação não são verdadeiras: 1. o vírus Zika não foi patenteado, muito menos criado pela família Rockefeller, mas apenas descoberto em um centro de pesquisa financiado pela Rockefeller Foundation; 2. eles não lucram com a venda de vacinas, já que ela nem existe ainda; 3. o vírus zika não mata milhões de pessoas; na verdade, as mortes registradas são de bebês e crianças por causa de malformações (no Brasil, o Ministério da Saúde suspeita de cerca de mil mortes de 2015 até agora). Portanto, o conteúdo do site Sempre Questione é FALSO.
No texto do site, lê-se que o “vírus zika (ATCC VR-84™) foi patenteado, sim, em 1947 pela Fundação Rockefeller, uma das famílias mais ricas e poderosas do mundo, agora tentem adivinhar quem irá patrocinar a tal cura?”.
De fato, o nome da família Rockefeller é conhecido: além de ser uma das mais ricas do planeta, é a linhagem de John Davinson Rockefeller. Há quem diga que ele foi o primeiro bilionário do mundo. A foto que o ilustra o texto é do falecido David Rockefeller, banqueiro, filantropo e neto de John. Morto em março de 2017, ele era o bilionário mais velho do ranking da Forbes e sua fortuna estava estimada em US$ 3,3 bilhões.
A primeira informação falsa é a de que Rockefeller Foundation criou e “patenteou” o vírus zika. Segundo o site da fundação, “zika foi descoberto primeiramente no Virus Research Institute [instituto que era financiado pela fundação] de Entebbe, Uganda, em 1947, e uma amostra do vírus foi dada à ATCC (uma organização sem fins lucrativos que autentica e preserva microorganismos para pesquisa) por J. Casals da The Rockefeller Foundation em 1953”. A fundação nega que tenha a “patente” e também alega que nunca ganhou nada com o vírus. O certo, então, seria falar que a Rockefeller Foundation ajudou na descoberta do zika.
A segunda imagem do texto mostra uma tela do site ATCC (American Type Culture Collection), na qual é possível comprar amostras do vírus congelado para pesquisa. Como dito antes, a organização, mesmo sendo privada, não possui fins lucrativos e funciona como um repositório e centro de distribuição para a cultura de microorganismos. O que está sendo vendido, portanto, é o próprio vírus para fins médicos. É importante apontar que a venda desse tipo de produto é regulada por diversos órgãos federais e agências e que o comprador deve conseguir provar sua perícia com o material e também que as instalações da sua instituição são apropriadas para seu manuseio.
Vale ressaltar que a vacina contra o zika ainda está em fase de testes. Sendo assim, a informação de que um dos objetivos da família Rockefeller com a criação do vírus era “lucrar com a venda de vacinas” é inconsistente.
O outro objetivo, de “matar milhões de pessoas”, também não se sustenta: a zika é uma doença considerada benigna “com sinais e sintomas durando, em geral, de três a sete dias”. Essa informação é da Fundação Oswaldo Cruz.
Há a suspeita, porém, de que a infecção congênita possa estar relacionada com as mortes causadas pelas alterações de crescimento e desenvolvimento de recém-nascidos, natimortos e abortos involuntários. De acordo com o último monitoramento do Ministério da Saúde, do final de 2015 a 2018 (período monitorado), foram notificados 1.046 óbitos suspeitos. A maioria deles concentra-se no Nordeste (53,3%), seguido das regiões Sudeste (24,4%) e Centro-Oeste (9,7%).
Já sobre número de casos, segundo o último boletim epidemiológico, foram registrados 17.594 casos prováveis da infecção em 2017 e, até a 25ª semana deste ano, foram registrados 5.401 casos.
Portanto, o que realmente ocorreu foi que o vírus foi coletado e isolado por pesquisadores financiados pela Fundação Rockefeller (a comunicação original do assunto pode ser acessada aqui), que, depois, doaram o vírus para a ATCC para quem mais quisesse estudá-lo. Os custos apresentados no site são, na verdade, os gastos para manter o vírus em cultura e congelado em estoque. Então a família Rockefeller, além de não possuir a patente, não lucraria em cima do vírus.
O vírus zika. Transmitido principalmente por mosquitos Aedes, sua infecção pode causar febre, erupções cutâneas, conjuntivite, dores musculares e nas juntas, dores de cabeça e mal-estar. Se uma mulher grávida é infectada, o vírus pode fazer com que o bebê nasça com microcefalia — desenvolvimento anormal do cérebro que faz com que a cabeça seja menor do que o normal — ou outras malformações congênitas.
Descoberto em 1947, na Uganda, o primeiro caso de infecção em humanos foi registrado em 1952, no mesmo país. Após o primeiro surto, registrado na ilha Yap, na Micronésia, em 2007, o vírus se espalhou pelas ilhas do Pacífico e suspeita-se que tenha infectado centenas de pessoas até 2014.
No dia 2 de março de 2015, o Brasil alertou a OMS (Organização Mundial de Saúde) sobre uma doença caracterizada por erupções cutâneas nos estados nordestinos. De fevereiro daquele ano até abril, pelo menos sete mil casos parecidos foram reportados. O vírus zika, no entanto, só foi associado à doença mais tarde.
Tratamento. Atualmente não há cura e nem tratamento para o vírus zika, apenas medicamentos para aliviar os sintomas. O testes da vacina foram iniciados no começo deste ano em um projeto que envolve a FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e o Centro de Pesquisas de Vacinas do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos.
A vacina já foi testada em humanos e aprovada por comitês de ética nacionais e internacionais. O objetivo agora é para saber se a vacina não causa efeitos adversos, como febre e dor de cabeça. “Quanto mais rápido a população aderir aos testes e quanto mais rápido eles forem concluídos, mais rapidamente uma vacina promissora pode ser liberada para uso pela população em geral”, disse Flávia Andrade, pesquisadora-chefe do projeto, em entrevista ao Jornal Nacional.
Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com responsáveis pelo site Sempre Questione para que pudessem comentar a checagem. Até a publicação da reportagem, no entanto, a reportagem não havia recebido resposta.