Posts usam vídeos antigos para desinformar sobre preço de alimentos

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Vídeos que mostram produtores rurais descartando frutas e legumes têm sido difundidos nas redes para fazer crer que medidas do agronegócio são responsáveis pelo aumento dos preços dos alimentos. Isso é enganoso.

O aumento envolve múltiplos fatores, como explicado pelo Aos Fatos, e os registros retratam ações tomadas por produtores para reduzir prejuízos causados pela queda de preços de determinados produtos.

Aniela Carrara, pesquisadora do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) da Esalq/USP, afirmou ao Aos Fatos que não há possibilidade de descartes localizados influenciarem o IPCA, que é o indicador oficial de inflação do país.

“Para que fosse possível influenciar o preço dos alimentos de forma ampla, seria necessário um descarte de volume muito elevado. No máximo estes descartes elevaram muito temporariamente os preços nas regiões que receberiam tais produtos”, diz Carrara.

O descarte de alimentos é uma prática antiga do agronegócio, usada quando há excedentes que não conseguem ser vendidos ou então quando os preços praticados no mercado estão abaixo dos custos logísticos, o que inviabiliza o escoamento da produção.

Confira abaixo o contexto dos vídeos que têm sido compartilhados nas redes.

Cebola. Um vídeo que mostra um carregamento de cebolas sendo descartado circula nas redes ao menos desde dezembro do ano passado. De acordo com o homem que faz a gravação, o produto está sendo jogado fora porque o preço estava baixo demais.

Imagem extraída de vídeo que circula nas redes sociais mostra dois homens em cima de um caminhão descartando cebolas (Reprodução/TikTok)
Posts difundem vídeo gravado em dezembro de 2024 e que mostra homens descartando sacos de cebolas (Reprodução/TikTok)

Segundo a Conab, houve queda no valor do produto em dezembro, o que é corroborado por dados do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), indicador oficial de inflação do país, calculado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

  • Dados do IPCA mostram que o preço da cebola no Brasil caiu -2,32% em dezembro;
  • Em 2024, o legume acumulou queda de -26,02%.

Jiló. Uma gravação que mostra o descarte de um carregamento de jiló no acostamento de uma estrada também não é recente. O Aos Fatos identificou que o registro circula desde novembro passado.

Imagem extraída de vídeo que circula nas redes sociais mostra o descarte de caixa de jiló (Reprodução/Folha Metropolitana GO)
Posts difundem vídeo que circula desde novembro de 2024 e que mostra homens descartando caixas de jiló (Reprodução/Folha Metropolitana GO)

A pessoa que faz o registro, que parece ser o dono da carga, afirma que chegou a fazer a doação de 35 caixas do produto na Ceasa, mas não conseguiu doar as demais. A única saída encontrada por ele foi o descarte.

O preço do jiló sofreu oscilações expressivas ao longo de 2024. Em razão das mudanças climáticas, a caixa do legume passou de R$ 30 para R$ 140 em Goiânia em abril de 2024. Já no fim do ano, o preço caiu em razão de um aumento na produção.

Não há dados do IPCA sobre o jiló, uma vez que o legume não consta entre os alimentos monitorados pelo IBGE. Isso significa, portanto, que eventuais aumentos ou quedas no preço do produto não influenciam na inflação dos alimentos.

Pimenta. O registro que mostra o descarte de sacas de pimenta sobre unidades de mamão não foi gravado neste ano. A pessoa que fez a gravação afirma que o registro foi feito em 18 de dezembro de 2024, na Ceasa de Goiânia.

Imagem extraída de vídeo que circula nas redes sociais mostra o descarte de sacos de pimenta (Reprodução/TikTok)
Posts difundem vídeo gravado em novembro de 2024 e que mostra homens descartando sacos de pimenta (Reprodução/TikTok)

Não foi possível determinar, no entanto, o motivo exato do descarte na ocasião. Outros vídeos publicados pelo mesmo perfil indicam que parte do descarte é devido ao baixo preço.

Não há dados do IPCA sobre a pimenta, uma vez que a especiaria não consta entre os alimentos monitorados pelo IBGE. Isso significa, portanto, que eventuais aumentos ou quedas no preço do produto não influenciam na inflação dos alimentos.

Chuchu. A gravação feita por uma produtora de chuchu em 26 de dezembro do ano passado também tem circulado como se fosse recente. A mulher que aparece no vídeo é Lilithie Schaeffer, de Santa Maria de Jetibá (ES), que explicou na gravação que o descarte que fazia era porque não conseguiu vender o produto.

Após acusações de que o descarte feito por ela seria para aumentar o preço do legume, ela reforçou em um novo vídeo publicado em janeiro deste ano que sua decisão de jogar o legume fora foi por falta de demanda comercial. A agricultora diz na nova gravação que ofereceu chuchus de graça a quem fosse à sua propriedade, mas não conseguiu interessados.

Imagem extraída de vídeo que circula nas redes sociais mostra o descarte de chuchus em uma plantação (Reprodução/TikTok/Lilithie Schaeffer)
Posts difundem vídeo gravado em dezembro de 2024 e que mostra uma produtora rural descartando chuchus (Reprodução/TikTok/Lilithie Schaeffer)

Os produtores de chuchu do Espírito Santo, estado líder nacional na produção do legume, descartaram o produto em dezembro devido a uma série de fatores, como a baixa demanda e os custos de produção, o que inviabiliza a contratação de mão-de-obra.

De acordo com o Incaper (Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural), o preço do quilo do chuchu custou, em média, R$ 1,50 ao longo de 2024. Entretanto, no fim de dezembro a cotação da Ceasa (Central de Abastecimento do Espírito Santo), o quilo do legume chegou a ser vendido por cerca de R$ 0,50.

Assim como o jiló e a pimenta, não há dados do IPCA sobre o chuchu, uma vez que o legume não consta entre os alimentos monitorados pelo IBGE. Logo, sua variação não impacta na inflação.

Tomate. Outra imagem, que mostra um carregamento de tomates jogados em um terreno baldio, também não aconteceu neste ano.

rint exibe imagem que circula nas redes sociais como se mostrasse o descarte recente de tomates (Reprodução/Portal CDR)
Posts difundem imagem de tomates descartados à beira de uma estrada, como se mostrasse uma ação recente para aumentar o preço do legume, o que não procede (Reprodução/Portal CDR)

O registro foi feito em 2013 e retrata o descarte irregular da fruta em Santa Catarina. Na época, a fiscalização ambiental pegou o dono do carregamento em flagrante despejando o tomate em local proibido. O homem foi condenado a pagar uma multa e retirar o produto do local.

De novo, o tomate. Agora, outro vídeo que voltou a viralizar mostra um carregamento de tomates sendo jogado em um pasto, servido de alimento para o gado. A gravação circula ao menos desde junho de 2024. O produtor que fez o registro afirma que o descarte é devido ao preço do produto, que estaria muito baixo. Para ele, seria mais vantajoso jogar a fruta fora do que vender mais barato.

Um post no Facebook, de julho do mesmo ano, indica que o registro foi feito no Rio de Janeiro, após queda no preço do produto.

Imagem extraída de vídeo que circula nas redes sociais mostra o descarte de tomates (Reprodução/TikTok)
Posts difundem vídeo que circula desde junho de 2024 nas redes e que mostra o descarte de tomates (Reprodução/TikTok)

A restrição da oferta ocasionada por descartes e manutenção da demanda pode fazer com que os preços se elevem temporariamente, como aconteceu com o tomate em setembro de 2024.

Dados do IPCA mostram que o preço do fruto no país acumulou queda de -25,86% em 2024. Em dezembro, a queda foi de -1,32%, e em setembro foi de -6,58%. Já em janeiro, o tomate teve alta de 20,27%. Segundo a pesquisadora Aniela Carrara, o aumento do preço está relacionado às chuvas intensas que impactaram a produção, e não ações unilaterais de produtores.

Medidas. Para tentar reduzir o prejuízo dos produtores, o governo Lula possui o PGPAF (Programa de Garantia de Preço para a Agricultura Familiar).

O programa garante aos agricultores familiares que tem financiamento no âmbito do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) a indexação do financiamento a um preço de garantia igual ou próximo do custo variável de produção e nunca inferior ao estabelecido na PGPM (Política de Garantia de Preços Mínimos).

O caminho da apuração

Aos Fatos localizou os vídeos originais por meio de busca reversa e contextualizou as ações diante das informações difundidas pelos produtores em seus próprios registros. Consultamos também bases de dados do IBGE e notícias divulgadas na imprensa sobre descarte de alimentos em diversas regiões do país.

Referências

  1. Aos Fatos
  2. g1 (1 e 2)
  3. TikTok (1, 2, 3, 4, 5 e 6)
  4. Conab (1 e 2)
  5. IBGE
  6. Instagram
  7. Globoplay
  8. Facebook (1, 2 e 3)
  9. Portal CDR
  10. Globo Rural
  11. Ministério da Agricultura

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