Uma tendência anterior de desinformação econômica, estratégia política coordenada e novas regras de recomendação de conteúdo no Instagram estão entre as possíveis explicações para o alcance do vídeo em que o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) insinua que o governo poderia taxar o Pix.
A gravação — que atingiu quase 300 milhões de visualizações em dois dias — alimentou a disseminação da notícia falsa e levou o governo a voltar atrás e cancelar, na quarta (15), a norma que obrigava instituições financeiras a informar movimentações acima de R$ 5.000 mensais à Receita Federal.
O vídeo em que o parlamentar acusa o governo de perseguir pequenos empresários foi disseminado por políticos e influenciadores, e sua viralização pautou teorias da conspiração que acusam o Instagram de impulsionar o post artificialmente.
A seguir, Aos Fatos explica como o momento escolhido para a publicação do vídeo, o formato do conteúdo e as mudanças na política da Meta podem explicar o grande número de visualizações.
1. Tendência nas redes
Peças de desinformação sobre a nova norma da Receita Federal já estavam circulando quando o parlamentar publicou seu vídeo. Na semana passada, Aos Fatos desmentiu publicações que alegavam que o governo federal passaria a taxar transações acima de R$ 5.000 feitas via Pix.
Posts que contêm alegações falsas podem ser marcados e ter seu alcance reduzido nas plataformas. O vídeo de Nikolas, porém, aproveitou o embalo do tema sem incorrer diretamente em desinformação.
Na gravação, Nikolas não repete a mentira de que a medida do governo resultaria em taxação. Em vez disso, diz expressamente que “o Pix não será taxado”. Na sequência, porém, semeia a dúvida: “Mas não duvido que possa ser”.

Em entrevista ao Jornal Nacional, Ferreira admitiu que tomou cuidado para não desinformar no vídeo. “De fato, eu coloquei que não duvidaria se também o Pix fosse taxado no futuro, mas deixei bem claro que o Pix não será taxado”, afirmou.
Para reforçar o argumento de desconfiança no governo federal, Nikolas cita outros exemplos, como a taxação de compras em sites estrangeiros, sancionada por Lula em junho de 2024 após uma série de idas e vindas.
Mesmo contornando as mentiras, a publicação de Nikolas pautou peças de desinformação. Parlamentares e celebridades foram às redes se posicionar contra a suposta taxação do Pix citando o vídeo do deputado como referência. Carlinhos Maia, influenciador com mais de 33 milhões de seguidores no Instagram, publicou um story elogiando a gravação e criticando a falsa cobrança.
Nesta quinta-feira (16), o deputado mineiro voltou a fazer insinuações em seu perfil no X (ex-Twitter). Após o governo federal revogar a norma, Nikolas postou trecho de um texto do site da Receita Federal e perguntou aos seguidores: “Isso não é um claro indício de que a Receita queria, no fim das contas, taxar os informais?”.

2. Estratégia política
O vídeo que viralizou não foi uma manifestação espontânea e isolada, mas sim uma estratégia articulada pela oposição para atacar o governo.
Segundo o jornal O Globo, o deputado teria sido escalado pelo marqueteiro Duda Lima para fazer críticas às novas regras da Receita Federal. A escolha de Nikolas foi motivada por seu alto número de seguidores nas redes sociais e pelo vínculo com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O marqueteiro não participou da elaboração do roteiro do vídeo — feito pelo parlamentar e por sua equipe —, mas ajudou a definir as estratégias de abordagem do tema.
“Oposição inteligente se faz nos erros do governo, de maneira clara, objetiva, dizendo a verdade e mostrando como poderia ser melhor. Ninguém precisa inventar nada. Reitero que estou aposentado de campanhas eleitorais”, disse Lima à CNN Brasil.
Após a publicação do vídeo por Nikolas, outros parlamentares do PL (Partido Liberal) também participaram da campanha, entre eles os deputados André Fernandes (PL-CE) e Gustavo Gayer (PL-GO), que atribuíram a revogação da medida como uma vitória da oposição.
3. Mudança nos algoritmos
No último dia 7, a Meta — dona de Instagram, Facebook e WhatsApp — anunciou uma série de mudanças, como o fim do programa de checagem de fatos nos Estados Unidos e regras de moderação mais permissivas. Entre as novidades também está o retorno da recomendação de conteúdo político no feed.
Se estiver em vigor no Brasil, a publicação de Nikolas pode ter sido recomendada para pessoas que não seguem o parlamentar, mas que se identificam com o tipo de conteúdo publicado por ele — o que aumentaria o alcance da publicação.
Questionada pelo Aos Fatos, a Meta não negou nem confirmou se já estava recomendando conteúdo político para usuários brasileiros quando o vídeo do deputado viralizou. No entanto, em carta enviada à AGU (Advocacia-Geral da União), a empresa afirmou que as mudanças relacionadas à moderação de conteúdo estão em vigor no Brasil — ao contrário do encerramento da parceria com os checadores, limitado aos Estados Unidos.
O grande alcance do vídeo fez surgir uma teoria da conspiração de que a big tech teria inflado artificialmente o engajamento do conteúdo com robôs ou impulsionamento — promoção de um conteúdo mediante pagamento. Além da possível mudança nas regras de recomendação, não há indício de que outros mecanismos tenham sido usados para ampliar o alcance do conteúdo.

Atualização: Este texto foi atualizado às 19h04 de 16 de janeiro de 2025 para corrigir o órgão do governo para o qual a Meta enviou uma carta explicando as mudanças em sua política.
O caminho da apuração
A partir de publicações da imprensa e monitoramento de posts em redes sociais, Aos Fatos levantou informações sobre o contexto do vídeo de Nikolas Ferreira que poderiam explicar sua viralização. A reportagem também procurou a assessoria de imprensa da Meta para comentar o assunto.