🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Março de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Vídeo desinforma ao negar eficácia de álcool em gel e indicar vinagre contra coronavírus

Por Luiz Fernando Menezes

4 de março de 2020, 17h46

É falso que o álcool em gel não tem ação antisséptica e desinfetante e que a melhor maneira de se prevenir contra o novo coronavírus seja limpar as mãos com vinagre. Essas e outras afirmações enganosas são feitas por um homem que se apresenta como Jorge Gustavo, "químico autodidata", em um vídeo que circula nas redes sociais (veja aqui).

O que checamos:

1. Não é verdade que o álcool em gel não desinfeta, apenas esteriliza. Revisão acadêmica de 2018 atesta a eficácia do etanol na eliminação de vírus, o que é corroborado pelo Conselho Federal de Química, o Ministério da Saúde, a Anvisa, a OMS (Organização Mundial de Saúde) e o Center for Disease Control, órgão do governo americano;

2. É falso que o álcool em gel vendido hoje tem “menos de 10%” de álcool em sua composição. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) determina que esses higienizadores tenham, no mínimo, 70%. Além disso, antes de serem vendidos no mercado, os produtos precisam apresentar eficácia contra micro-organismos em testes laboratoriais;

3. Diferente do que afirma o "químico autodidata" no vídeo, o espessante usado para dar consistência ao álcool em gel não é usado por cientistas na cultura de bactérias. Tampouco ele favorece o aparecimento de bactérias. O espessante é um dos componentes verificados pela Anvisa antes de liberar o produto para a venda;

4. Não há evidências de que limpar as mãos com vinagre seja indicado na prevenção ao novo coronavírus. Especialistas alertam, inclusive, que o uso do produto por causar queimaduras na pele e sua concentração alcoólica é inferior à necessária para deter vírus e bactérias.

O vídeo enganoso foi enviado por dezenas de leitores do Aos Fatos no WhatsApp como sugestão de checagem (inscreva-se aqui). O conteúdo também circula em posts no Facebook que acumulam centenas de compartilhamentos e foram marcados com o selo FALSO na ferramenta de verificação da rede social (saiba como funciona).


FALSO

Em primeiro lugar, o álcool [gel] não mata nada, ou seja, ele não desinfeta nada, ele apenas esteriliza.

Uma revisão científica sobre a eficácia do etanol na desinfecção de vírus publicada na The Journal of Hospital Infection em 2018 desmente a afirmação do suposto químico no vídeo. As pesquisas existentes mostram que o álcool em grandes quantidades é, sim, eficaz na eliminação da grande maioria dos vírus.

O Conselho Federal de Química corrobora a informação. Em nota, a entidade afirmou que o álcool em gel age rapidamente sobre bactérias, vírus e fungos, fazendo com que sua higienização seja equivalente e até superior à lavagem de mãos com sabão comum ou alguns tipos de antissépticos.

Também atestam a eficácia do álcool o Ministério da Saúde e a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Ao Aos Fatos, a pasta afirmou que a recomendação de seu uso é “baseada em evidências científicas atuais que demonstram a eficácia do uso do álcool em gel ou líquido”. A agência reguladora acrescenta que o uso da substância alcóolica na higienização é uma medida ideal para evitar também outras doenças comumente transmitidas por meio do contato.

Instituições de saúde fora do Brasil também atestam o uso do álcool em gel na higienização das mãos para a prevenção ao novo coronavírus, como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o CDC (Center for Disease Control), órgão do governo dos EUA. Tanto a OMS como o CDC indicam o produto com, no mínimo, 60% de concentração quando não há água e sabão disponíveis.


FALSO

E esse álcool que a gente compra, que é esse álcool em gel dado por alguns lugares, ele tem mais de 70% de água e 20% de um espessante que vai dentro dele, que pode ser o hidroxetil celulose ou o carboximetil celulose de sódio, que faz com que ele se gelatine, senão não tem como. Ou seja, menos de 10% de álcool propriamente dito está presente.

O álcool em gel vendido no Brasil não tem menos de 10% de álcool em sua composição. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) define como “preparação alcoólica para higienização das mãos sob as formas gel, espuma e outras” produtos com concentração mínima de 70% de álcool. Além disso, os produtos disponíveis no mercado devem ter atividade antibacteriana comprovada por testes de laboratório.

Em nota enviada ao Aos Fatos, a Anvisa afirmou que “para conceder o registro de produto cosmético em gel à base de álcool com ação de antissepsia das mãos, avalia, por meio de dossiê de registro, os componentes da formulação e os testes de eficácia. Somente são aprovados os produtos que comprovem a eficácia frente a algum micro-organismo alvo definido pela empresa”.

Segundo ressaltou ao Aos Fatos o consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), Leonardo Weissmann, o álcool em gel é feito especificamente para a higiene pessoal e a versão líquida não deve ser usada com este fim. Tampouco aquelas com percentuais de composição superiores a 90%. “Alcoóis com mais de 90% podem ressecar a pele e causar lesões que, aí sim, podem proliferar bactérias”.

A OMS sequer recomenda esses alcoóis com grande concentração para a desinfecção de superfícies. Em sua seção dedicada a desmentir informações enganosas sobre o vírus, a organização diz que alvejantes ou desinfetantes com cloro conseguem eliminar o 2019-nCoV de superfícies e objetos.


FALSO

O segundo agravante é que esse agente gelatinoso, que faz com que ele [álcool] se gelatine, é um veículo para que se crie bactérias dentro dele. Não sei se vocês já viram aquelas placas de petri, nada mais são do que esses vidrinhos redondos que tem um gel dentro deles que os pesquisadores ou especialistas colocam lá um determinado tipo de agente e ele vai se proliferar ali. Nada mais é do que esse HEC ou o CNC. Alguns desses usam também a gelatina de Ágar, mas é muito raro porque ela é cara. Então, em vez de estar prevenindo, você está se contaminando.

A bióloga e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) Laura de Freitas, do canal Nunca vi 1 cientista, afirma nunca ter ouvido falar que o espessante do álcool em gel seja usado por pesquisadores para criar bactérias: “a gente usa sim o Ágar, que no vídeo ele fala que é raro, que é caro, que ninguém usa. Mentira. Todo mundo usa”.

De fato, na lista da Anvisa de meios de cultura empregados em exames microbiológicos, feita em parceria com a Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), não há menção aos espessantes citados pelo suposto químico.

Ainda segundo Freitas, a afirmação do “químico autodidata” não faz sentido, uma vez que esses espessantes são utilizados em cosméticos e alimentos: “se fosse realmente para crescer bactérias, nem seria usado nesses produtos”.

Em nota, a Anvisa informou que os espessantes presentes no álcool gel são seguros à saúde da população: “no momento da regularização são observados aspectos como componentes utilizados, as orientações de uso e informações de segurança aos usuários, tudo isso visando a segurança à saúde”.


FALSO

Se você quer mesmo fazer uma assepsia completa das suas mãos e dos seus braços, você tem que utilizar, por incrível que pareça, o vinagre. Porque o vinagre é um ácido acético, ele sim mata.

De acordo com Leonardo Weissmann, consultor da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), não há evidência científica de que o vinagre, ou o ácido acético, eliminem vírus. “Isso é pura mentira (...) o vinagre até tem álcool em sua composição, mas não em uma porcentagem que vai ter ação contra o vírus”.

Laura de Freitas, da USP, alerta ainda que o vinagre pode causar queimaduras caso a pessoa passe o produto em suas mãos e saia no sol.

Referências:

1. OMS (Fontes 1 e 2)
2. Nunca vi 1 cientista
3. Anvisa
4. Journal of Hospital Infection
5. EBC
6. CDC
7. Ministério da Saúde


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Esta reportagem foi publicada de acordo com a metodologia anterior do Aos Fatos.

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