O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, compartilharam no Twitter na quarta-feira (9) um vídeo que nega que incêndios estejam ocorrendo na Amazônia. A gravação mostra imagens de florestas intactas, mas omite que o número de focos de fogo registrados no bioma nos nove primeiros dias de setembro dobrou em relação ao mesmo período em 2019, por exemplo.
O vídeo, produzido pela Acripará (Associação de Criadores do Pará) como um contraponto a outro que critica a atuação ambiental do governo federal, mistura informações verídicas e incorretas para defender os agricultores da região. Em resumo, o que checamos:
1. É falso dizer que a Amazônia não está queimando. Dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) mostram que já foram registrados 44.013 focos de incêndio até agosto deste ano. Apenas nos primeiros nove dias de setembro, foram 12.412 focos, mais que o dobro do mesmo período de 2019.
2. Também é falso que o Brasil seja o país que mais preserva suas florestas. De acordo com informações do Banco Mundial, o Brasil ocupa a 30ª posição em um ranking de 251 países com área florestal conservada.
3. É verdade que o bioma abriga cerca de 1 milhão de imóveis rurais, segundo dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural).
4. É verdade, ainda, que 29% das terras brasileiras estão, de alguma forma, destinadas à produção agrícola.
5. Com base em dados de 2018, os mais recentes disponíveis, é correto dizer que os produtores rurais destinam mais de 218 milhões de hectares à preservação da vegetação nativa.
A Amazônia não está queimando de novo.
Segundo os dados do Programa Queimadas do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), um órgão do próprio governo federal, o bioma amazônico já registrou 12.412 focos de incêndio só nos nove primeiros dias de setembro. Esse número é mais que o dobro do identificado no mesmo período de 2019, quando foram registrados 6.199 focos de incêndio.
Desde maio, o número de queimadas na região tem registrado aumento ou semelhança em relação ao ano passado. Em julho deste ano, por exemplo, foram identificados 6.803 focos, enquanto em 2019 foram 5.318. Em agosto, o número (29.307) foi pouco menor do que o de 2019 (30.900), mas ainda é bem maior do que o registrado no mesmo período nos anos de 2011 a 2018.
Vale ressaltar que o total de focos de incêndio registrados até agosto de 2020 (44.013) é menor do que o mesmo período em 2019 (46.824). Mas, conforme aponta o WWF, o número ainda é 39% maior que a média dos últimos dez anos.
FALSO
O Brasil preserva 66,3% de suas florestas nativas, o país que mais preserva no mundo.
O vídeo cita um dado publicado pela Embrapa Territorial em 2019 que diz que 66,3% da vegetação nativa do Brasil ainda está preservada, o que totalizaria 632 milhões de hectares. Essa cifra, no entanto, não coloca o Brasil no topo da lista de países que mais preservam suas florestas.
Segundo dados do Banco Mundial, até 2016 o Brasil ocupava a 30ª posição no ranking de 251 países com área florestal conservada, com 58,9% de preservação. Nos três primeiros lugares estão Suriname (98,2%), Micronésia (91,8%) e Gabão (90%).
A desinformação de que o Brasil é o país que mais preserva suas florestas também já foi citada pelo presidente Jair Bolsonaro ao menos 11 vezes durante o seu mandato. A primeira ocasião foi em seu discurso no Fórum Econômico Mundial em janeiro de 2019.
VERDADEIRO
Segundo os satélites da Nasa e a Embrapa Territorial existem aproximadamente 1 milhão de agricultores no bioma amazônico
Segundo dados do CAR (Cadastro Ambiental Rural), do Ministério da Agricultura, de fato existem pouco mais de 1 milhão de imóveis agrícolas na Amazônia. As informações são de janeiro de 2020 e têm como base informações obtidas via satélite.
VERDADEIRO
[O Brasil] Produz alimentos em apenas 29% de sua área territorial
Apesar de o vídeo não citar a fonte do dado, o levantamento da Embrapa Territorial com base nos dados do CAR cadastrados até janeiro de 2018 considera que 29% das terras brasileiras são destinadas a pastagens nativas (8%), pastagens plantadas (13,2%) e lavouras (7,8%).
Dados do MapBiomas, projeto que une entes públicos e privados para mapear o uso do solo no Brasil, apontam que 30% do território brasileiro estavam destinados à agropecuária em 2019.
O MapBiomas também mostra, por outro lado, que a área destinada à agropecuária no Brasil saiu de 178 milhões de hectares em 1985 para 253 milhões em 2019. No mesmo período, a área de floresta no país caiu de 597 milhões de hectares para 525 milhões.
VERDADEIRO
Os próprios produtores rurais que já adquiriram 218 milhões de hectares, que equivalem a 1 trilhão de dólares, somente em preservação de florestas.
De fato, segundo dados de fevereiro de 2018, os mais recentes disponíveis, agricultores, pecuaristas, silvicultores e extrativistas destinavam à preservação da vegetação nativa mais de 218 milhões de hectares, o equivalente a 25,6% do território nacional. De acordo com o centro de pesquisa da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o valor estimado em preservação ambiental chegava a R$ 3,1 trilhões, próximo a US$ 1 trilhão na cotação da época.
Os dados fazem parte do CAR (Cadastro Ambiental Rural), que é um registro eletrônico nacional para controlar e monitorar informações ambientais de imóveis rurais. Os proprietários tinham até 31 de dezembro de 2018 para se cadastrarem, mas, em junho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma medida provisória que não impunha nenhum tipo de prazo.
Outra imprecisão que aparece no vídeo é a imagem de um mico-leão dourado para ilustrar o trecho em que a narradora diz que a Amazônia “não está queimando novamente”. Mesmo que o vídeo original de onde a imagem foi retirada, disponível desde 2016, não indique o local da gravação, o animal é natural de outro bioma: a Mata Atlântica.
Maurício Fraga, presidente da Acripará (Associação de Criadores do Pará), admitiu o erro e disse ao G1 que o uso da imagem do mico-leão foi uma “gafe”. Ele afirmou ainda que a imagem faz parte do arquivo da produtora que montou o vídeo.
Outro lado. Aos Fatos entrou em contato com o presidente da Acripará, Maurício Fraga, na tarde desta sexta-feira (11) para que ele pudesse comentar as checagens. Ele disse que só conseguiria responder os questionamentos no fim do dia. A reportagem será atualizada quando a nota for enviada.