TSE pode punir ‘big techs’ por monetizar cortes ilegais, indica Cármen Lúcia

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Desde que entrou na mira da Justiça Eleitoral por ter promovido campeonatos de cortes ilegais, a campanha de Pablo Marçal (PRTB) tenta camuflar ou negar a prática criminosa, alegando que os perfis que inundam as redes com vídeos do ex-coach ganham dinheiro das próprias plataformas.

A monetização de conteúdo eleitoral pelas big techs, porém, também pode ser enquadrada como abuso de poder econômico, afirmou na segunda-feira (30) a presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), ministra Cármen Lúcia.

“O abuso do poder econômico não precisa de ser praticado por candidato”, alertou a ministra durante o Roda Viva, da TV Cultura, após ser questionada pela diretora executiva do Aos Fatos, Tai Nalon.

Cármen Lúcia destacou que as plataformas têm colaborado com o TSE no monitoramento das redes no período eleitoral, mas precisam ser convidadas a se inserir no debate também sobre as violações da chamada “indústria dos cortes”.

“Eu acho que é preciso um alerta permanente, tanto do Poder Judiciário, quanto do Ministério Público, para convidá-las a ter a demonstração dos efeitos, do impacto disso no processo eleitoral”, disse Cármen Lúcia.

Há duas semanas, após os campeonatos de Marçal terem rendido dezenas de milhões de visualizações nas redes, o TSE publicou a resolução 23.744/2024, que torna mais explícita a proibição de remunerar apoiadores. No entanto, a própria ministra reforçou que a Lei Eleitoral já vedava esse tipo de comportamento.

“Quando eu propus a resolução, que o colegiado aprovou por unanimidade, era apenas para lembrar que nós temos o artigo 334 do Código Eleitoral, que é de 1965 e proíbe a obtenção de qualquer vantagem, oferta, de benefícios, sorteios — enfim, apostas, cortes ou seja lá o que for que possa impactar no resultado da eleição”, afirmou Cármen Lúcia.

As declarações da ministra reforçam a análise de diversos especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Aos Fatos, que consideram que as plataformas estão infringindo a legislação ao pagar por conteúdos que favoreçam determinados candidatos.

“Se uma big tech monetizar conteúdo eleitoral de forma que beneficie diretamente um candidato ou campanha, isso poderá ser enquadrado como abuso de poder econômico”, avalia a advogada especializada em direito eleitoral Carla Nicolini.

A prática, no entanto, é comum. Em busca dessa renda extra, usuários das redes investem na edição de vídeos de debates e entrevistas de candidatos para tentar viralizar, estratégia incentivada pela campanha de Marçal.

“No TikTok, por exemplo, se você postar um vídeo e tiver várias visualizações, você pode ser remunerado por esse vídeo. No Instagram, você também pode ter remuneração por prêmio. E no YouTube, que é a principal plataforma que faz isso, ela remunera por visualizações e cliques dos vídeos”, explicou o coordenador do plano de governo de Marçal, Filipe Sabará, em entrevista à Veja.

“O que o Pablo fez? Ele liberou a imagem dele para as pessoas postarem os vídeos dele e ganharem dinheiro com isso. Então, quem remunera é a própria plataforma, que paga essas pessoas que publicam vídeos dele.”

À margem da lei

Felipe da Costa, especialista em direito público e eleitoral do escritório Wilton Gomes Advogados, explica que o “ecossistema” de clipadores criado por Marçal não é ilegal fora do ambiente eleitoral, “mas, ao usar essa rede para impulsionar conteúdo eleitoral, isso se torna uma conduta vedada”.

Já o advogado Paulo Horn, do escritório Paiva & Horn Advogados Associados, lembra que a legislação eleitoral veda “a remuneração, a monetização ou a concessão de outra vantagem econômica como retribuição à pessoa titular do canal ou perfil”, paga tanto pelos candidatos como por terceiros.

“Portanto, é possível interpretar que o uso de plataformas digitais para engajar eleitores por meio de promessas de ganho financeiro, dependendo das circunstâncias, possa ser enquadrado como uma forma de abuso de poder econômico ou captação ilícita de votos”, ele analisa.

Para Carla Nicolini, além de proibir as empresas de apostas de lucrarem com o resultados das eleições, a resolução publicada pelo TSE em 17 de setembro, tornou essa proibição ainda mais explícita ao vedar o uso de plataformas para a oferta de bens ou valores ligados a campanhas eleitorais.

“A legislação já proibia a oferta de remuneração ou vantagem econômica para captar votos, mas a nova regra amplia essa proibição, incluindo práticas comuns nas redes sociais”, considera.

Embora discorde dessa leitura, Anna Paula Mendes, especialista em direito eleitoral e membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político), lembra que “a propaganda eleitoral na internet precisa ser gratuita” e que “qualquer pagamento por isso pode configurar abuso do poder econômico”.

“Ainda que, hoje, eu entenda que não há uma proibição expressa às plataformas de monetizarem conteúdos políticos, caso se comprove que um candidato foi beneficiado por monetização feita pelas plataformas a ponto de afetar as eleições, ele pode perder o mandato”, diz a advogada.

“Caso se comprove que ele incentivou isso, também ficaria inelegível por abuso do poder econômico e dos meios de comunicação social”, complementa.

Além do incentivo a buscar a monetização, a campanha de Pablo Marçal também promoveu “campeonatos de cortes” durante a pré-campanha, o que levou à suspensão de suas redes pela Justiça Eleitoral.

Como o Aos Fatos mostrou, o canal Cortes do Marçal no Discord ofereceu prêmios entre R$ 50 e R$ 5.000 a quem conseguisse mais engajamento compartilhando cortes do candidato. Na disputa realizada entre 24 de junho e 7 de julho, os competidores precisam incluir a hashtag #prefeitomarçal na legenda dos vídeos.

Outro lado

Questionado pelo Aos Fatos, o Kwai disse que “segue todas as determinações do TSE e reitera seu papel de aliado das instituições brasileiras para assegurar a conformidade com a legislação local”. Meta, YouTube e TikTok não responderam à reportagem.

O caminho da apuração

Com a publicação da resolução 23.744/2024 pelo TSE, Aos Fatos entrevistou especialistas sobre o impacto das novas regras na indústria de cortes e pediu posicionamento das plataformas sobre o tema.

Convidada pela TV Cultura para compor a bancada do Roda Viva, a diretora executiva do Aos Fatos, Tai Nalon, levou a questão diretamente à presidente do TSE.

Referências

  1. YouTube (@rodaviva)
  2. Tribunal Superior Eleitoral (1 e 2)
  3. Veja
  4. Aos Fatos (1, 2 e 3)

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