TJ-RJ absolve diretora do Aos Fatos por reportagem que segue sob censura

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A 41ª Vara Criminal do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro) absolveu, na última segunda-feira (10), a diretora executiva do Aos Fatos, Tai Nalon, da queixa-crime movida pelo site Jornal da Cidade Online.

Alvo de investigações em cortes superiores, o site havia acusado Nalon de difamação e concorrência desleal por ter publicado uma reportagem, atualmente sob censura, que revelou o compartilhamento de estratégias de monetização por uma rede de páginas desinformativas.

Na decisão que absolveu a diretora do Aos Fatos, o juiz Paulo Roberto Sampaio Jangutta considerou que a reportagem que deu origem à disputa não foi publicada com propósito difamatório ou ofensivo e teve como objetivo “informar o público sobre uma investigação relevante”.

Por esse motivo, diz a sentença, deve prevalecer “o direito fundamental de liberdade de expressão, que foi exercido dentro do limite constitucional, sem que tenha ocorrido qualquer tipo de extrapolação”.

“A simples menção a uma suposta rede de desinformação da qual o querelante faria parte não é suficiente para configurar uma ofensa, ao menos não no contexto de uma investigação jornalística e para fins de tipificação penal, uma vez que a intenção de ofender deve ser demonstrada de maneira clara e inequívoca”, afirmou o magistrado.

A decisão também descartou a hipótese de concorrência desleal, uma vez que os dois veículos jornalísticos atuam em nichos diferentes e o Jornal da Cidade Online não comprovou que as informações veiculadas eram falsas ou visavam obter vantagem.

A investigação mostrou, com base na análise de códigos-fonte, que o Jornal da Cidade Online compartilhou ferramenta de anúncios do Google com um site mantido pela viúva do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar condenado por sequestro e tortura durante a ditadura civil-militar (1964–1985). Segundo a reportagem, as duas páginas integravam uma rede coordenada que disseminava textos enganosos.

“A decisão restaura o papel fundamental do jornalismo no Estado Democrático de Direito e resguarda o direito à crítica, um dos pilares para a produção de reportagens. É uma merecida vitória não só de Tai Nalon e de Aos Fatos, mas de toda a sociedade”, celebrou Katia Brembatti, presidente da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

“A decisão me pareceu corretíssima”, avalia o professor de filosofia e teoria geral do direito da USP Ronaldo Porto Macedo Júnior, explicando que “a liberdade de expressão não é apenas um direito garantido, mas tem uma conformação especial quando se trata de liberdade de imprensa”.

“A imprensa é protegida duplamente pelos fundamentos mais gerais da liberdade de expressão, mas também pelo reconhecimento de que há um interesse social que ela seja encorajada a fazer a investigação”, explica.

O docente, porém, lembra que a imunidade da imprensa “não é absoluta”, obrigando o jornalismo a agir de forma responsável.

Segundo o jurista, a decisão discutiu se a reportagem partiu “de um tipo de investigação séria, jornalisticamente profissional”, o que foi constatado com base nos depoimentos ouvidos pelo juiz.

Para o professor, as ações contra o Aos Fatos parecem se enquadrar em um caso de lawfare — expressão em inglês que significa o uso malicioso do direito para assediar indivíduos ou instituições.

A avaliação é compartilhada pelo advogado constitucionalista Luiz Paulo Viveiros de Castro. “A decisão é mais do que esperada, porque esta é uma tentativa de bloquear qualquer tipo de crítica através de processos judiciais”, afirmou.

Em dezembro do ano passado, o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro) já havia pedido a absolvição de Nalon, argumentando que “qualquer manifestação veiculada através de matéria jornalística para exclusivo fim de fazer narrativa fática, sem evidente objetivo de ofender, estará protegida pelo direito constitucional à liberdade de imprensa (que decorre do direito à informação) e à livre manifestação do pensamento, sem caracterizar crime contra a honra”.

Sob censura

Publicada pelo Aos Fatos em abril de 2020, a reportagem questionada na queixa-crime encontra-se sob censura desde junho de 2023, após decisão do TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) em processo que corre na esfera cível. Atualmente, o caso aguarda julgamento de recurso no STJ (Superior Tribunal de Justiça).

O acórdão do Judiciário gaúcho ignorou relatório do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes que implica o Jornal da Cidade Online no Inquérito 4.828, que apura os atos antidemocráticos.

Em seu relatório, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que “a análise dos fortes indícios e significativas provas apresentadas pela investigação realizada pela Polícia Federal aponta a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político”, que visaria “atentar contra a Democracia e o Estado de Direito”.

Um dos sites alvos do inquérito é o Jornal da Cidade Online que, segundo outro trecho do relatório, teve “aumento expressivo” do faturamento com publicidade por meio do Google AdSense logo após as eleições de 2018.

O Jornal da Cidade Online também é citado no relatório final da CPI da Covid-19, realizada no Senado em 2021, como integrante de um “grupo formado por organizações que na aparência funcionam como empresas jornalísticas”, porém sem “o devido compromisso com os princípios éticos da profissão, tais como a divulgação da informação precisa e correta”.

Em agosto de 2021, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) determinou a suspensão da monetização do canal no YouTube do Jornal da Cidade Online sob acusação de compartilhar desinformação sobre as urnas eletrônicas.

Referências

  1. Aos Fatos (1 e 2)
  2. Folha de S.Paulo

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