🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Novembro de 2018. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Teria o WhatsApp contribuído para a eleição de Bolsonaro?

Por Tai Nalon

2 de novembro de 2018, 15h30

Esta é a tradução do artigo "Did WhatsApp help Bolsonaro win the Brazilian presidency?", publicado em 1 de novembro de 2018 na seção The World Post do jornal americano Washington Post.

A eleição presidencial brasileira deu vitória ao candidato de extrema direita e ex-capitão militar Jair Bolsonaro, além de ter seguido um padrão já familiar: alçou ao poder a figura de um homem forte, populista, que foi hábil em catalizar a onda de raiva e ressentimento que varreu o país. Mas, como revelações recentes demonstraram, Bolsonaro também pode ter se beneficiado de sofisticadas campanhas de desinformação intimamente ligadas à sua campanha.

Conforme o jornal Folha de S.Paulo informou em 18 de outubro, empresas que apoiavam Bolsonaro, como a rede de lojas de departamento Havan, planejavam gastar milhões de dólares para despejar mensagens desabonadoras no WhatsApp contra seu oponente, o esquerdista Fernando Haddad. O plano era, segundo a Folha, infestar o WhatsApp com boatos inflamados contra o petista na semana anterior ao segundo turno das eleições.

A revista Época também informou, na semana seguinte, que voluntários bolsonaristas e militantes pagos colaboraram para enviar, via WhatsApp, torrentes de notícias falsas a partir de listas telefônicas que podem ter sido adquiridas ilegalmente. Segundo a reportagem, esses apoiadores usavam chips de telefones celulares estrangeiros para ocultar sua localização e contornar restrições de spam do WhatsApp. Esse conjunto de ações pode configurar ilegalidade: as campanhas brasileiras não podem receber apoio financeiro do setor privado, tampouco comprar bases de dados de terceiros para enviar propaganda.

As reportagens não apenas confirmam o dano que alguns tipos de tecnologia podem causar a democracias frágeis como o Brasil, mas também ilustram como os esforços do Facebook, do Twitter e de outras plataformas de mídia, na intenção de coibir a disseminação de desinformação, podem ter contribuído para que ela migrasse para ambientes fechados. O exemplo mais eloquente disso é o WhatsApp, cuja criptografia põe a disseminação de notícias falsas na completa clandestinidade.

Para se ter uma ideia de que tipos de desinformação circulavam no WhatsApp durante as eleições, Aos Fatos agregou, a partir de sugestões de 6.000 usuários do WhatsApp, mais de 700 imagens, vídeos e links de notícias falsas ou distorcidas que foram compartilhadas no aplicativo. Esses rumores distorceram ao menos quatro categorias principais de informações: declarações de candidatos, informações sobre o sistema eletrônico de votação, o propósito de minifestações pró e contra Bolsonaro, além de resultados de pesquisas de intenção de voto. Essas mensagens foram em grande parte direcionadas a grupos políticos inclinados à direita, como igrejas católicas e evangélicas, associações comerciais e empresariais e grupos militares.

Houve boataria generalizada, por exemplo, de como o governo venezuelano fraudara as urnas eletrônicas e de como o adversário de Bolsonaro, Haddad, distribuiu nas escolas, quando prefeito de São Paulo, "mamadeiras eróticas" com bico no formato de pênis. Tudo falso.

Um dos filhos de Bolsonaro, o senador eleito Flávio Bolsonaro, ajudou a espalhar esses rumores. Em 7 de outubro, dia do primeiro turno, ele publicou no Twitter um vídeo que afirmava que o sistema das urnas eletrônicas fora manipulado para computar automaticamente votos para Haddad. Horas depois, quando o vídeo foi desmentido, Flávio apagou o tweet, mas o estrago já estava feito. Pelo menos 800.000 pessoas compartilharam o vídeo no Facebook e no Twitter. Por causa da criptografia, não sabemos quantos dos 120 milhões de usuários ativos do WhatsApp no Brasil visualizaram o vídeo fraudulento.

Para lançar alguma luz sobre a relação dos eleitores com o que circula no WhatsApp, Aos Fatos conduziu um estudo em parceria com o ICFJ (International Center for Journalists) para entender como se dá o consumo de informação nesse dispositivo. Descobrimos que um em cada quatro usuários de internet no Brasil usa o WhatsApp semanalmente para encontrar informações sobre atualidades. E, daqueles que indicaram que o WhatsApp é uma de suas principais fontes de notícias, mais de 60%disse que “às vezes confia” nas informações recebidas pelo aplicativo. 24% admitiram que nunca confiam. Cerca de 16% disseram que "frequentemente confiam" nas notícias recebidas aplicativo. Desconfiar, no entanto, não impede que seus usuários não compartilhem essas informações, já que a ferramenta estimula o simples engajamento — e não a distribuição de conteúdo de qualidade.

Mas, então, o que o Facebook e o WhatsApp estão fazendo para combater desinformação? Desde maio, o Facebook firmou parcerias com iniciativas de checagem de fatos no Brasil, como o Aos Fatos, para diminuir o alcance de conteúdo sinalizado como falso ou distorcido, além de alertar os usuários da rede social que o conteúdo com o qual eles estão se engajando são imagens, vídeos e links com informação de baixa qualidade. Segundo o Facebook, essa iniciativa reduziu a distribuição orgânica de notícias falsas nos Estados Unidos em até 80%. (A empresa ainda não divulgou dados sobre o Brasil.)

Esse esforço, no entanto, não foi aplicado ao WhatsApp. De sua parte, a empresa afirma que combate a disseminação de notícias falsas em seus canais com “a melhor tecnologia de detecção de spam do setor”. Também diz identificar “contas que se engajam em comportamentos anormais ou automatizados para que não sejam usadas para espalhar spam e desinformação”. Notadamente, porém, a detecção de spam não foi suficiente para conter desinformação no aplicativo e, como visto no Brasil, é possível contornar esse tipo de monitoramento.

O fato é que o WhatsApp precisa criar ferramentas internas de checagem de fatos para lidar com notícias falsas — e pode fazê-lo trabalhando com os checadores para fornecer não apenas conteúdo de qualidade, mas também ferramentas em larga escala para ajudar as pessoas a aprender a checar por conta própria. Até agora, a empresa não parece disposta a fazer parcerias robustas com checadores, ignorando sugestões do próprio Aos Fatos para desenvolver, por exemplo, chatbots que forneçam dicas de checagem aos seus usuários. A equipe do Aos Fatos já desenvolveu esse tipo de tecnologia por meio de uma parceria com o Facebook, dentro do projeto Fátima.

Enquanto Bolsonaro se prepara para tomar posse, é essencial colocar a checagem de fatos no topo da agenda de prioridades das plataformas. A decisão do Facebook de contratar checadores profissionais como os do Aos Fatos não é uma solução perfeita, mas é um passo na direção certa. Ainda assim, o fato é que, sem a cooperação simultânea de todas as plataformas de mídia social para combater desinformação, incluindo o WhatsApp, notícias falsas irão sempre migrar e encontrar uma nova plataforma na qual poderão florescer.

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