Em meio às demonstrações de comoção publicadas nas redes após o acidente aéreo em Vinhedo (SP) no último dia 9, destacou-se a mensagem do senador Sergio Moro (União-PR), que decidiu prestar solidariedade de forma seletiva:
Horas depois do acidente, Moro publicou no X condolências apenas aos médicos (Reprodução)
Um dia depois, o parlamentar se retratou e disse que “havia recebido a informação, dos 15 médicos, no privado” e que “toda vida importa”. Isso não foi suficiente para impedir que fosse duramente criticado por ignorar a morte das outras dezenas de vítimas.
No fim, o número de médicos mortos também estava errado: a estimativa do CRM-PR (Conselho Regional de Medicina do Paraná) é que havia oito profissionais entre as vítimas.
Como costuma acontecer em tragédias como essa, não foi preciso esperar muito para que as poucas informações disponíveis sobre o caso fossem desbancadas por caça-cliques e outras publicações enganosas.
Além da estratégia desinformativa padrão, no entanto, usuários, influenciadores e até políticos decidiram investir em uma outra vertente: teorias conspiratórias que tentam criar polarização a partir do acidente. Os médicos, é claro, foram envolvidos na história.
Na semana passada, Aos Fatos desmentiu uma peça de desinformação que dizia que um dos profissionais de saúde mortos seria Leonardo Ferreira, “um dos oito especialistas em câncer que morreram tragicamente quando um avião caiu em Vinhedo”. Segundo a publicação, o pesquisador estaria prestes a descobrir a cura do câncer.
Enquanto alguns posts mentirosos eram acompanhados de legendas que lamentavam a morte de Ferreira — que, no caso, está vivo e não estava no voo —, outros apelavam para a conspiração, sugerindo que ele e outros pesquisadores teriam sido “eliminados” para esconder o possível tratamento.
Vídeo que falsamente identificava um homem como vítima do acidente circula nas redes com alegações que apontam para uma possível causa criminosa (Reprodução/Telegram)
Suposições semelhantes foram levantadas pelos influenciadores Jorge Damasceno e Esdras Prado. O primeiro relacionou a queda do avião à eleição do CFM (Conselho Federal de Medicina), na qual um médico que defendeu a cloroquina no combate à Covid-19 foi eleito conselheiro federal por São Paulo.
O vídeo, intitulado “descoberta cabulosa na queda do avião”, circula nas redes com legendas que lançam dúvidas sobre uma possível “causa” para o acidente (veja abaixo).
Vídeo em que Damasceno sugere relação entre política e acidente acumula mais de 100 mil visualizações no TikTok (Reprodução)
Já Prado — que possui diversas outras desinformações no currículo — deixou a suposição de lado e afirmou que os médicos foram “mortos pela elite com queda de avião” porque sabiam qual era o vírus da “doença X” e sabiam como impedir a nova pandemia (veja abaixo).
Aos Fatos procurou Damasceno e Prado via mensagem nas redes para que pudessem comentar o texto, mas eles não responderam até a publicação.
Vídeo conspiratório de Prado viralizou no X, mas circula também no Telegram e no Instagram (Reprodução)
Como já explicado em uma edição anterior, não existe “doença X”. Trata-se de uma enfermidade hipotética citada em documentos da OMS (Organização Mundial da Saúde) para “representar o conhecimento de que uma grave epidemia internacional poderia ser causada por um patógeno atualmente desconhecido por causar doenças humanas”.
O que de fato existe é a comoção nacional pela morte de 62 pessoas.
Os investigadores estão analisando a caixa-preta e os vestígios da aeronave para tentar descobrir o que causou o acidente. E nada, até o momento, indica que houve interferência criminosa.
Além de serem mentirosas, essas teorias mirabolantes desrespeitam as vítimas da tragédia. Ao sugerirem que há uma motivação política criminosa por trás do acidente, elas tratam vidas como se fossem descartáveis e ignoram o luto dos familiares.