“Todos os envolvidos e participantes no submundo dos crimes de pedofilia e tráfico de crianças estão desesperados fazendo campanha para Kamala”, diz um post visualizado ao menos 635 mil vezes no X.
A desinformação, que ecoa teorias QAnon, circula nas redes brasileiras para atacar a vice-presidente e candidata do Partido Democrata, Kamala Harris, e associá-la ao rapper Diddy, acusado de tráfico sexual, sequestro e agressão.
O texto acompanha um trecho de um discurso da cantora Jennifer Lopez durante comício de Kamala, na sexta-feira (1º), e uma imagem gerada artificialmente que mostraria a artista em uma festa. Ela namorou com Diddy entre 1999 e 2001, mas não há evidências de que tenha participado ou tivesse conhecimento dos crimes dos quais ele é acusado.
Filha de mãe porto-riquenha, J. Lo declarou apoio à candidata democrata após um humorista comparar a ilha a uma “pilha de lixo” em comício de Trump. A declaração gerou reação negativa na Pensilvânia, um dos estados-chave onde há comunidade porto-riquenha significativa. Nascidos na ilha caribenha — que é território dos Estados Unidos, mas não vota na eleição presidencial —, Bad Bunny e Ricky Martin também deram apoio a Kamala Harris após o episódio.
Donald Trump, por sua vez, posou com um colete de gari em um caminhão de lixo — a fim de desviar o assunto e em referência a um comentário de Joe Biden.
Na semana decisiva das eleições nos Estados Unidos — e com o voto latino sendo fundamental para a vitória —, publicações em português com mentiras sobre a disputa somaram cerca de 7 milhões de visualizações no X.
Quase metade da audiência foi direcionada a 16 posts que usavam montagens e alegações infundadas para relacionar Kamala a Diddy.
A desinformação relacionando Kamala Harris ao rapper Diddy ganhou fôlego na véspera das eleições — após a entrada de Jennifer Lopez na campanha —, mas tem sido usada desde a prisão dele, em 16 de setembro.
Diferentemente do que alegam as publicações conspiratórias, não há imagens ou registros públicos que comprovem que Harris tenha frequentado alguma das festas do rapper. Os posts que fazem a falsa alegação, no entanto, usam provas forjadas, caso de uma montagem desinformativa que substituiu o rosto de um ex-namorado da candidata pelo do artista.
As peças foram compartilhadas até mesmo por Donald Trump em seu perfil no X, mas apagadas logo em seguida. Apesar de ter acusado a adversária de envolvimento com o rapper, o próprio Trump já frequentou comprovadamente eventos produzidos por Diddy, a quem chamou no passado de “lendário”.
Harris também foi falsamente associada ao empresário Jeffrey Epstein, acusado de tráfico sexual e encontrado morto em sua cela em 2019, por pelo menos uma publicação em português na última semana, que chegou a 182 mil visualizações no X. A alegação também já foi desmentida por Aos Fatos.
Áudios divulgados nesta semana apontam que Epstein era próximo de Trump. Em entrevista ao jornalista veterano Michael Wolff, em agosto de 2017 — antes de cair em desgraça —, ele disse que foi “o melhor amigo” de Trump “durante uma década”. Na época das declarações, que só foram divulgadas agora, Trump era presidente da República.
Fraude
Também viralizaram na plataforma posts em português que faziam acusações infundadas sobre fraude eleitoral. Juntos, os conteúdos somaram mais de 1 milhão de visualizações.
Uma publicação falsa que insinuava que os resultados do pleito já estariam definidos antes mesmo das votações, por exemplo, foi visualizado mais de 470 mil vezes. O post acompanhava o print de um erro ocorrido na transmissão de um programa da emissora ABC.
Outras publicações alegavam que urnas nos estados de Kentucky e Arkansas não estariam permitindo registro de voto em Donald Trump. O vídeo que acompanhava os posts foi desmentido por organizações de checagem internacionais.
Aos Fatos também identificou:
- Quatro publicações, que somavam cerca de 200 mil visualizações, que compartilham o gráfico de um site de apostas como se fosse uma pesquisa de intenção de votos para alegar que haveria uma fraude pró-Kamala Harris em curso;
- Quatro posts que exageravam o número de participantes de comícios do candidato republicano e atingiram quase 230 mil visualizações;
- E outros três, vistos 280 mil vezes, que desinformavam sobre supostos planos de Kamala Harris de implementar censura nas redes, caso eleita.
Moderação e algoritmos
Parte das peças de desinformação identificadas pelo Aos Fatos já haviam sido sinalizadas como falsas ou sem contexto por outros usuários do X por meio das notas de comunidade, mas não deixaram de circular e viralizar.
Desde que o empresário Elon Musk assumiu a empresa, no final de 2022, equipes de moderação de conteúdo da plataforma foram cortadas e as políticas de combate a discurso de ódio e desinformação foram alteradas.
Musk também mudou o algoritmo de entrega de conteúdo da rede, que passou a privilegiar posts seus e de “perfis recomendados”. Durante a campanha, o empresário tem sido acusado de usar essa vantagem para apoiar Donald Trump e prejudicar Kamala Harris.
O caminho da apuração
Aos Fatos coletou publicações em português no X que mencionavam Kamala Harris ou Donald Trump entre os dias 29 de outubro e 5 de novembro. Então, analisamos o conteúdo dos posts para avaliar se havia ou não desinformação.
Por fim, calculamos o alcance das publicações desinformativas e contextualizamos a circulação de desinformação no X.