Teoria conspiratória sobre Agenda 2030 volta a viralizar após Cúpula do G20

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No universo dos mangás — os quadrinhos japoneses — há um apelido para as três séries mais famosas de cada geração: “The Big Three” (os três grandes, em português). Criado na época da popularização das redes sociais, esse título é transmitido com o passar do tempo, conforme um novo quadrinho alcança o ápice da popularidade e de total de exemplares vendidos.

Se trouxermos essa nomenclatura para o universo das teorias conspiratórias, eu colocaria no “Big Three” atual:


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A terceira teoria conspiratória nada mais é do que uma nova temporada — ou, para continuar com a metáfora, um novo “arco” — da tese antiglobalista da “Nova Ordem Mundial”, que permeia as redes há anos e se resume em estratégias usadas pela elite global para exercer controle sobre a população.

Na última semana, essa teoria voltou a circular nas redes por causa da Cúpula do G20. Ao lançar a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza na última segunda-feira (18), o presidente Lula (PT) lembrou que a garantia de segurança alimentar e a erradicação da miséria eram duas das bandeiras do plano de metas determinado pela ONU.

Vídeo de homem de terno azul e camisa rosa é acompanhado de letreiro ‘Cuidado com a Agenda 2030’. Na legenda, há alegações como a de que ‘parte da agenda de 2030 já estamos pensando em viver esta agenda, com perfis derrubados, pessoas sendo perseguidas’
Para conspiracionistas, a Agenda 2030 prevê a censura das redes sociais (Reprodução/Instagram)

Fanfic: o que é a Agenda 2030, segundo a teoria conspiratória

“Agenda de poder global”, “Projeto de dominação global”, “Masterplan de Satanás” são outros nomes dados aos conspiracionistas para a Agenda 2030. Em resumo, eles acreditam que a ONU teria um plano totalitário para cercear a liberdade humana e controlar a população global.

“É uma lista de pontos para impor valores diferentes e algumas vezes contrários aos praticados pelas populações e enfraquecer a autodeterminação dos povos e as soberanias nacionais. Ou seja, mais uma arma, poderosíssima, a serviço do governo mundial totalitário que estão tentando nos enfiar goela abaixo”, diz um texto conspiracionista.

Assim como acontece com um vilão de história em quadrinhos, não há uma explicação clara e lógica para o suposto plano maligno. Os mais ricos simplesmente querem controlar a população mais pobre a nível mundial.

Há até quem cite uma “guerra espiritual” em meio a tudo isso. Uma batalha para destruir os governos nacionais falidos e implantar uma liderança global apelidada de “Sistema da Besta”. Nessa vertente, a Agenda 2030 está relacionada ao satanismo, à maçonaria, ao marxismo e até ao coitado do Papa Francisco — apelidado por alguns de anticristo.

Texto diz que ‘As elites globalistas querem nos prender em núcleos urbanos, onde tudo esteja a quinze minutos a pé ou de bicicleta, o objetivo que querem nos vender é claro: tornar desnecessário o uso do veículo privado e promover cidades menos poluentes e supostamente mais confortáveis para o cidadão, chamam-nas ‘cidades 15 minutos’ e as vendem como se fossem o paraíso.
Planos defendidos pela Agenda 2030 seriam ‘armadilhas sociais’ para tirar a liberdade e os direitos fundamentais das pessoas (Reprodução)

Para os conspiracionistas, então, qualquer proposta que trate de mudanças climáticas ou combate à pobreza e à fome seria, na verdade, um plano maquiavélico para obter o controle do mundo:

  • O acesso global à internet 5G seria uma maneira de, ao mesmo tempo, envenenar e monitorar a população;
  • A mesma lógica serviria também para as smart cities e para os equipamentos eletrônicos mais avançados;
  • O combate à desinformação seria uma forma de censura à liberdade de expressão — e uma tentativa de silenciar quem supostamente sabe a verdade;
  • A pauta de igualdade de gênero e defesa de direitos LGBTQIA+ seria uma maneira de “feminilizar homens”, acabar com a família tradicional e, consequentemente, com a procriação humana;
  • A elite também teria o intuito de eliminar os idosos e as pessoas com deficiência ou com doenças sérias para diminuir a população;
  • Ao mesmo tempo, no entanto, seria promovida a imigração em massa de “povos com maior natalidade”, que substituiriam a população nativa dos países;
  • Já a defesa da diminuição do consumo de carne seria uma maneira de incentivar o consumo de insetos e, assim, inserir ideais comunistas na população — uma clara posição xenófoba contra chineses;
  • Até o plano de construir “cidades de 15 minutos” — conceito para incentivar a locomoção a pé ou de bicicleta nos centros urbanos — é apelidada de “gueto-prisão”.

Não há, é claro, nenhuma prova de que qualquer um dos pontos acima seja verdade.

Canon: o que é, de fato, a Agenda 2030

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável é uma resolução adotada durante a Assembleia Geral da ONU de 2015. Trata-se de um plano de ação para que o planeta consiga cumprir 17 objetivos até 2030. Entre as metas estão, por exemplo:

  • Acabar com a pobreza em todas as suas formas;
  • Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição;
  • Assegurar educação inclusiva, equitativa e de qualidade;
  • E assegurar a disponibilidade de água e saneamento para todos.

Trata-se, portanto, de um plano de ação contra problemas reais: atualmente, 712 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza, 733 milhões passam fome, 773 milhões de adultos são analfabetos (a maioria mulheres) e 2 bilhões não têm acesso a água potável.

Aliás, caso fosse mesmo um plano maligno para dominar o planeta, a Agenda 2030 estaria sendo muito mal executada pela elite global: nenhum dos objetivos foi cumprido até o momento e alguns países, inclusive, registraram piora nos indicadores desde 2015.

“É hora de soar o alarme. No meio do caminho para 2030, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão em apuros. Uma avaliação das cerca de 140 metas para as quais há dados de tendências disponíveis mostra que cerca de metade dessas metas estão moderada ou severamente fora do caminho; e mais de 30% não viram nenhum movimento ou regrediram abaixo da linha de base de 2015”, diz um relatório da ONU publicado em 2023.


Assim como acontece com fanbases tóxicas de histórias em quadrinhos, o problema não é a Agenda 2030, mas a interpretação equivocada feita sobre ela.

Criado, segundo a própria ONU, para “libertar a raça humana da tirania da pobreza e da penúria e curar e proteger o nosso planeta”, o plano de metas segue sendo distorcido e garantindo, ano após ano, o seu espaço no “Big Three” da desinformação, graças a uma mistura de xenofobia, discurso de ódio contra as minorias, negacionismo climático e briga política.

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