O anúncio de que o STF (Supremo Tribunal Federal) iria retomar o julgamento do artigo 19 do Marco Civil da Internet mobilizou uma campanha nas redes bolsonaristas e entre as plataformas, que omitem detalhes do caso para acusar o tribunal de censura.
O julgamento foi retomado na quarta-feira (4), com o voto do ministro André Mendonça — que havia pedido vista em dezembro, paralisando a discussão —, e continua no próximo dia 11.
O artigo 19 diz que as plataformas não são responsáveis pelo conteúdo publicado pelos usuários das redes, exceto se descumprirem ordem judicial que obrigue à sua remoção.
Ao julgar a constitucionalidade desse artigo, o tribunal vai decidir se as redes podem ser punidas caso mantenham no ar conteúdos considerados criminosos — como imagens de abuso sexual infantil, informações falsas sobre as vacinas e golpes contra o consumidor, por exemplo. Até agora, o debate na corte está dividido em três posições:
- Os ministros Dias Toffoli e Luiz Fux defenderam derrubar o artigo 19, o que faria com que as plataformas pudessem ser processadas por qualquer tipo de crime relacionado a conteúdo de terceiros — incluindo os chamados “crimes contra a honra” (injúria, calúnia e difamação);
- O ministro Luís Roberto Barroso propôs considerar o dispositivo constitucional, mas ampliar o rol de exceções à regra, aumentando a responsabilidade das empresas para uma lista específica de crimes;
- Já Mendonça deu posicionamento favorável às plataformas, votando por manter a regra atual, mas defendendo que os legisladores discutam um modelo de “autorregulação regulada” que iniba práticas ilícitas, mas preserve a liberdade de expressão e o livre mercado.
O magistrado também votou por proibir a suspensão de perfis de usuários, exceto os “comprovadamente” falsos. A posição entra em choque com decisões do próprio STF, que, nos últimos anos, ordenou o bloqueio de perfis de acusados de propagação de informações falsas, como o blogueiro foragido Allan dos Santos.
Mendonça devolveu o processo no último dia 26. No mesmo dia, a AGU (Advocacia-Geral da União) apresentou um pedido de liminar requisitando a aplicação imediata de trechos do voto de Toffoli, a fim de antecipar a responsabilização das plataformas.
No pedido, o órgão citou a circulação de golpes no Facebook usando a marca do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) e a morte de uma menina que inalou desodorante incentivada por um desafio de TikTok.
A movimentação colocou em alerta tanto as plataformas — que temem que o aumento dos deveres afete seus lucros — como setores da oposição ligados à extrema direita, contrários a qualquer tipo de regulação que possa limitar suas ações nos meios digitais. A mobilização dos dois grupos convergiu na acusação de que o STF e o governo pretendiam promover a “censura”.

Esse argumento foi usado pela Meta já no dia 27, em reação ao pedido da AGU. Se antecipando à intimação no processo, a empresa afirmou que a liminar “poderia gerar um efeito inibitório sobre a liberdade de expressão” e, consequentemente, “levar a Meta a remover conteúdos de maneira excessivamente cautelosa para evitar possíveis responsabilidades legais, o que, na prática, equivaleria a uma forma de censura privada”.
Na mesma semana, parlamentares da oposição começaram a atacar o governo e o tribunal, também usando a retórica da censura. Um dos primeiros a se manifestar foi o deputado Mário Frias (PL-SP), que afirmou que, se o artigo 19 cair, “a censura vai virar regra neste país”.
Frias alegou que, sem a proteção do artigo, as redes sociais iriam preferir “apagar tudo do que correr o risco de serem processadas”. O deputado também afirmou que a medida afastaria investimentos e sufocaria criadores de conteúdo. Esses mesmos argumentos foram usados pelas plataformas em uma campanha de desinformação contra o chamado “PL das Fake News” (PL 2.630/2020) há dois anos.
Já o ex-deputado Deltan Dallagnol chamou o julgamento de “vingança” do STF a sanções americanas — em referência à campanha nos Estados Unidos do deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para que o governo de Donald Trump anuncie sanções contra o ministro Alexandre de Moraes por suposta atuação contra a liberdade de expressão.
Sem provas, Dallagnol argumentou que o STF estaria enquadrando Eduardo como “instrumento das big techs” para ter uma desculpa para “censurar” as redes. Em 2023, o ex-procurador havia disseminado o argumento falso, elaborado por uma associação ligada às plataformas, que dizia que o “PL das Fake News” iria censurar a Bíblia.
Com a chegada da semana do julgamento no STF, o presidente do Google no Brasil, Fábio Coelho, alegou que a decisão da corte poderia censurar o jornalismo investigativo, conteúdos de humor e propagandas eleitorais.
“Qualquer matéria de jornalismo investigativo poderia ser removida, porque algumas pessoas argumentariam que a denúncia não está comprovada e que se sentem caluniadas”, declarou Coelho, em posicionamento que reverberou pelas redes bolsonaristas.
Confusão
Na última segunda (2), perfis de direita passaram a coletar assinaturas em suposta defesa da liberdade de expressão. O abaixo-assinado, porém, convocava a direita a se posicionar “contra o Marco Civil da Internet” — o que, na prática, significaria acabar com a garantia de imunidade das plataformas, que tentam justamente manter a lei como está.

O lapso, um exemplo da falta de familiaridade das redes com o debate, passou despercebido até por parlamentares, que também divulgaram a convocação.
O caminho da apuração
Aos Fatos assistiu aos primeiros dias do julgamento do STF em 2024 e acompanhou os posicionamentos da oposição pelas redes e as declarações das plataformas no noticiário.
Atualização: Esta reportagem foi atualizada às 14h19 de 6 de junho de 2025 para incluir o voto do ministro André Mendonça.




