🕐 ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA EM Agosto de 2020. INFORMAÇÕES CONTIDAS NESTE TEXTO PODEM ESTAR DESATUALIZADAS OU TEREM MUDADO.

Sites duvidosos usam recursos do jornalismo declaratório para simular profissionalismo

Por Tai Nalon

3 de agosto de 2020, 14h30

No último dia 17 de julho, juntei-me a outros especialistas em comunicação e direito digital para expor, na Câmara dos Deputados, as razões pelas quais é difícil legislar sobre desinformação no Brasil, sobretudo dentro do propósito de analisar o conteúdo de mensagens, notícias, imagens, memes. Durante essa audiência, resgatei checagens que não chegaram a ser publicadas pelo Aos Fatos por um motivo simples: não tratavam de conteúdo objetivamente falso ou distorcido, mas de narrativas carregadas de subjetividade a partir do uso de expressões e recursos inerentemente desinformativos. Por isso, o projeto de lei que visa tratar do tema não deveria criar dispositivos oficiais de escrutínio de informações.

Sob a perspectiva de um checador de fatos, uma informação só é passível de checagem se ela puder ser contraditada por fatos objetivos: a existência de um documento, de uma lei, de um estudo metodologicamente rigoroso, de estatísticas, de registros anteriores. Exemplo disso é o sem número de notícias factualmente verdadeiras, como aquelas que anunciam o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, que embutem em seu vocabulário expressões desinformativas eivadas de subjetividade.

Você diria que o título "Vacina de Oxford contra o VÍRUS CHINÊS é produzida em massa em quatro países" deve ser verificado? Diria que é correto usar uma expressão que traz consigo sinalização sinofóbica? Caso positivo, classificaria como falso ou distorcido? Se não é possível afirmar com absoluta certeza, não é possível checar — e, sobretudo, se não é possível provar um fato, não é bom jornalismo. Portanto, talvez não seja desinformação o principal problema dessa construção.

Desde que o Aos Fatos começou a fazer verificação de boatos de maneira regular, há mais de dois anos, acompanhamos a evolução da desinformação nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem. Embora ainda haja mentiras francamente indigentes, a boataria ficou em geral mais sofisticada. O ambiente de sites que publicam conteúdo duvidoso é mais diverso, sua audiência é crescente e a emulação do formato jornalístico para veicular conteúdo de baixa qualidade é cada vez mais comum.

Porém, diferentemente de poucos anos atrás, o formato desinformativo de agora não se resume apenas à existência de sites que emulam a estética do jornalismo tradicional com nome mais ou menos sóbrio e um cabeçalho noticioso. Emprega, na verdade, o formato do jornalismo declaratório: reproduz uma falsidade patente, põe na boca de uma fonte e não qualifica a informação.

Nesta semana, o site bolsonaropentecostal Pleno News republicou aquele vídeo da médica americana que defendia a hidroxicloroquina amplificado por Donald Trump e Madonna. Plataformas como o Twitter e o Facebook baniram o vídeo, mas ele seguiu no ar em sites como esse, em que o propósito parece ser apenas o de narrar os fatos, mas que, sem trazer o contraditório de modo contundente, apenas amplifica uma informação mentirosa.

Um passo além da checagem de fatos e da investigação de campanhas coordenadas de desinformação deve contemplar a inserção de contexto em publicações de baixa qualidade. Cabe às plataformas oferecer esse dispositivo de modo criterioso, com método e profissionalismo. E, se o jornalismo profissional não quiser ser confundido com essas câmaras de eco a serviço da polarização, deveria rever a sério o que ainda prefere reproduzir acriticamente.


Esta análise foi originalmente veiculada na newsletter AF+ #40 em 31 de julho de 2020 somente para apoiadores do Aos Fatos Mais. Para juntar-se ao grupo, contribua e garanta benefícios.

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