No último dia 17 de julho, juntei-me a outros especialistas em comunicação e direito digital para expor, na Câmara dos Deputados, as razões pelas quais é difícil legislar sobre desinformação no Brasil, sobretudo dentro do propósito de analisar o conteúdo de mensagens, notícias, imagens, memes. Durante essa audiência, resgatei checagens que não chegaram a ser publicadas pelo Aos Fatos por um motivo simples: não tratavam de conteúdo objetivamente falso ou distorcido, mas de narrativas carregadas de subjetividade a partir do uso de expressões e recursos inerentemente desinformativos. Por isso, o projeto de lei que visa tratar do tema não deveria criar dispositivos oficiais de escrutínio de informações.
Sob a perspectiva de um checador de fatos, uma informação só é passível de checagem se ela puder ser contraditada por fatos objetivos: a existência de um documento, de uma lei, de um estudo metodologicamente rigoroso, de estatísticas, de registros anteriores. Exemplo disso é o sem número de notícias factualmente verdadeiras, como aquelas que anunciam o desenvolvimento de vacinas contra a Covid-19, que embutem em seu vocabulário expressões desinformativas eivadas de subjetividade.
Você diria que o título "Vacina de Oxford contra o VÍRUS CHINÊS é produzida em massa em quatro países" deve ser verificado? Diria que é correto usar uma expressão que traz consigo sinalização sinofóbica? Caso positivo, classificaria como falso ou distorcido? Se não é possível afirmar com absoluta certeza, não é possível checar — e, sobretudo, se não é possível provar um fato, não é bom jornalismo. Portanto, talvez não seja desinformação o principal problema dessa construção.
Desde que o Aos Fatos começou a fazer verificação de boatos de maneira regular, há mais de dois anos, acompanhamos a evolução da desinformação nas redes sociais e nos aplicativos de mensagem. Embora ainda haja mentiras francamente indigentes, a boataria ficou em geral mais sofisticada. O ambiente de sites que publicam conteúdo duvidoso é mais diverso, sua audiência é crescente e a emulação do formato jornalístico para veicular conteúdo de baixa qualidade é cada vez mais comum.
Porém, diferentemente de poucos anos atrás, o formato desinformativo de agora não se resume apenas à existência de sites que emulam a estética do jornalismo tradicional com nome mais ou menos sóbrio e um cabeçalho noticioso. Emprega, na verdade, o formato do jornalismo declaratório: reproduz uma falsidade patente, põe na boca de uma fonte e não qualifica a informação.
Nesta semana, o site bolsonaropentecostal Pleno News republicou aquele vídeo da médica americana que defendia a hidroxicloroquina amplificado por Donald Trump e Madonna. Plataformas como o Twitter e o Facebook baniram o vídeo, mas ele seguiu no ar em sites como esse, em que o propósito parece ser apenas o de narrar os fatos, mas que, sem trazer o contraditório de modo contundente, apenas amplifica uma informação mentirosa.
Um passo além da checagem de fatos e da investigação de campanhas coordenadas de desinformação deve contemplar a inserção de contexto em publicações de baixa qualidade. Cabe às plataformas oferecer esse dispositivo de modo criterioso, com método e profissionalismo. E, se o jornalismo profissional não quiser ser confundido com essas câmaras de eco a serviço da polarização, deveria rever a sério o que ainda prefere reproduzir acriticamente.
Esta análise foi originalmente veiculada na newsletter AF+ #40 em 31 de julho de 2020 somente para apoiadores do Aos Fatos Mais. Para juntar-se ao grupo, contribua e garanta benefícios.