Fraude nas urnas, silêncio estratégico, clonagem humana e intervenção militar em curso: desde a derrota nas eleições presidenciais, apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) criam a cada dia novas justificativas para negar o resultado desfavorável nas urnas.
O Aos Fatos monitorou as principais falsidades compartilhadas após o segundo turno das eleições por grupos, páginas e canais bolsonaristas no Telegram, WhatsApp, Facebook, Instagram e YouTube, ventiladas como empecilho para a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A cada semana foi identificada a viralização de novos conteúdos, e muitos deles continuam circulando de forma sobreposta. As linhas desinformativas mais usadas foram:
- O silêncio de quase 48 horas de Bolsonaro após derrota eleitoral, justificado pelo artigo 142;
- “Cadê o Lula?” — férias do presidente eleito suscitaram conspirações sobre sua morte ou substituição;
- Alegações de que o TSE teria manipulado o código-fonte para beneficiar Lula e que o voto não seria secreto;
- Relatórios e dados comprovando uma suposta fraude, além de demais informações distorcidas sobre o pleito;
- A antecipação da diplomação aconteceu para justificar viagens de Lula ao exterior ou evitar processo por fraude;
- Movimentações comuns das Forças Armadas e discursos antigos de Bolsonaro são atribuídos à organização de uma intervenção militar em andamento;
SEMANA 1 (30.out a 5.nov): O SILÊNCIO DE BOLSONARO
Imediatamente após o anúncio da vitória de Lula, apoiadores de Bolsonaro reforçaram a teoria de fraude nas urnas que já vinha sendo propagada desde o primeiro turno. Entre os conteúdos virais, estavam filmagens enganosas do equipamento de registro do mesário, somas incorretas de percentuais de votação e alegações falsas sobre sumiço de votos.
Em contrapartida, Bolsonaro manteve-se calado por quase 48 horas após o anúncio da derrota. O período foi suficiente para que seus apoiadores iniciassem conspirações sobre a estratégia por trás do silêncio. A mais popular delas afirmava que o artigo 142 da Constituição determinaria que o presidente em exercício deve ficar calado por 72 horas após o resultado das eleições para possível contestação, o que é totalmente falso.
Ainda na primeira semana surge a figura do argentino Fernando Cerimedo, responsável pelo site La Derecha Diario. Ele fez uma live no YouTube alegando, de forma enganosa, que as urnas eletrônicas produzidas antes de 2020 não são passíveis de auditoria. Com o título #BrazilWasStolen, o vídeo contou com mais de 400 mil visualizações simultâneas e deu início a um novo bordão entre apoiadores de Bolsonaro.
Inspirados pelo argentino, políticos bolsonaristas alimentaram a teoria de fraude nas eleições e tiveram suas contas suspensas por diversas redes sociais. Entre eles estão os deputados eleitos Carla Zambelli (PL-SP), Nikolas Ferreiras (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO).
SEMANA 2 (06.nov a 12.nov): CADÊ O LULA?
O presidente eleito tirou cinco dias de folga em Porto Seguro (BA), e o período longe dos holofotes alimentou teorias conspiratórias sobre seu possível falecimento. A pergunta “cadê o Lula?” foi um dos assuntos mais comentados no Twitter, e a suposta morte do político figurou no pico de pesquisas do Google.
Com o passar dos dias, a teoria ganhou uma nova camada: a de que o PT (Partido dos Trabalhadores), buscando evitar o cancelamento das eleições, haveria clonado o presidente eleito ou contratado um sósia - com direito a imagens editadas que provariam a substituição.
Em paralelo, o Ministério da Defesa divulgou, na quarta-feira (9), o resultado da auditoria realizada por técnicos das Forças Armadas. O relatório não identificou problemas na totalização dos votos, mas serviu de argumento para manter a base bolsonarista engajada. No dia seguinte, em nota, o ministério não descartou a possibilidade de fraude nas urnas, ao alegar não ter tido acesso pleno aos dados das urnas, entre eles, o código-fonte.
SEMANA 3 (13.nov a 19.nov): O CÓDIGO-FONTE
As alegações enganosas de fraude no código-fonte das urnas eletrônicas ganharam tração e passaram a acusar o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de ter manipulado o código em favor de Lula.
A Justiça Eleitoral reforçou que as linhas de programação do código-fonte já haviam sido inspecionadas por representantes das Forças Armadas, e que o código esteve aberto para análise durante um ano.
Paralelamente, o argentino Fernando Cerimedo seguiu com ataques ao processo eleitoral brasileiro. Na teoria da vez, ele alegou ser possível identificar os nomes e os votos de todos os eleitores brasileiros ao decodificar os registros de atividades das urnas eletrônicas, conhecidos como logs, o que especialistas ouvidos pela Aos Fatos explicaram ser impossível.
SEMANA 4 (20.nov a 26.nov): AUDITORIA DO PL
A teoria de fraude nas urnas foi reforçada pela divulgação do relatório do PL (Partido Liberal), legenda de Bolsonaro, feita na terça-feira (22). O texto repetiu a tese desmentida de Cerimedo e argumentou ainda que quase 60% das urnas eletrônicas não poderiam ser consideradas no resultado final do segundo turno.
O presidente do partido, Valdemar da Costa Neto, requisitou a manutenção dos votos apenas dos modelos UE2020, que davam vitória a Bolsonaro por pouco mais de 51% dos votos. A alegação se espalhou nas redes bolsonaristas como prova irrefutável da vitória do atual presidente, o que não procede.
Neste período, também começaram a surgir informações falsas sobre a elegibilidade de Lula. Peças desinformativas afirmavam que o presidente eleito não poderia ser diplomado por não ter sido absolvido dos processos ao qual foi acusado e que o TRF-1 (Tribunal Regional da 1ª Região) teria apagado processos contra o petista para torná-lo “ficha-limpa”.
SEMANA 5 (27.nov a 03.dez): TEORIAS DA ANTECIPAÇÃO
A diplomação de Lula, que teria como prazo máximo o dia 19 de dezembro, foi antecipada para o dia 12, com o intuito de esfriar os movimentos de contestação do pleito. Assim que confirmada pelo TSE, a mudança acendeu um alerta no universo bolsonarista, que passou a buscar teorias para justificar a antecipação.
A mais popular delas alegava o interesse do PT em assegurar a diplomação de Lula antes da entrega do relatório final do PL sobre as urnas eletrônicas, marcada para o dia 15 de dezembro. Segundo algumas teorias, o resultado comprovaria a fraude e tornaria Lula inelegível, o que não tem respaldo na realidade.
Outra notícia falsa foi a de que o presidente eleito teria pedido a antecipação da cerimônia para obter um passaporte diplomático e viajar aos Estados Unidos sem correr o risco de ser preso.
O Senado promoveu em 30 de novembro, a pedido do senador Eduardo Girão (Podemos-CE), uma audiência pública que contou com a presença de desinformadores eleitorais, como Fernando Cerimedo e Carlos Rocha, presidente do Instituto Voto Legal, responsável pelo relatório do PL. Na sessão, foram repetidas alegações falsas sobre o sistema eleitoral brasileiro, como o suposto mau funcionamento das urnas eletrônicas devido a erros de log.
SEMANA 6 (04.dez a 10.dez): ‘NÃO DESANIMEM, ELES ESTÃO AGINDO!’
Vídeos antigos do presidente Jair Bolsonaro e de exercícios militares passaram a circular fora de contexto, criando uma falsa sensação de que o golpe militar estava em curso. No total, o Aos Fatos identificou ao menos 15 vídeos retirados de contexto para favorecer a narrativa.
- Filmagens de treinamentos ou demonstrações do Exército Brasileiro em Campinas (SP), Niterói (RJ), Rio de Janeiro (RJ) e Mossoró (RN) foram atribuídos a movimentações golpistas;
- Discursos antigos de Bolsonaro, como a fala durante a cerimônia de promoção de generais e o discurso de solenidade do Dia do Exército, foram compartilhados para sugerir que o presidente estaria enviando “um alerta” à população brasileira.
Peças desinformativas também fizeram leitura distorcida de publicações do Diário Oficial da União ou documentos apócrifos atribuídos ao STM (Superior Tribunal Militar) para dar a entender que o Brasil está sob tutela das Forças Armadas ou que Bolsonaro teria sido nomeado presidente interventor pelo STM.
Posts tiram de contexto ações corriqueiras das Forças Armadas para sugerir uma intervenção militar em curso
O mais recente clamor golpista nas redes sociais aborda a diplomação como o último ato “estratégico” para impedir que Lula suba a rampa do Palácio do Planalto no dia 1º de janeiro.
Na noite de domingo (11), mensagens convocavam manifestantes a ocupar o Palácio da Alvorada, morada oficial do presidente, para um suposto pronunciamento de Bolsonaro. A data chegou e, mais uma vez, o mandatário ofereceu apenas o silêncio.
Correntes afirmam que, com a diplomação desta semana, agora Bolsonaro tem 15 dias para agir “dentro das quatro linhas da Constituição” e investir em uma ação de impugnação para impedir a posse da chapa Lula-Alckmin. O prazo para solicitar impugnação de fato é previsto pela Constituição, que define que sejam apresentadas, nesses casos, provas de abuso de poder econômico, corrupção ou fraude.
Segundo apoiadores, o período é o suficiente para Bolsonaro e sua equipe provarem, de uma vez por todas, a tese já refutada de fraude nas urnas.