Sede da COP-30, Belém tem candidato que espalha negacionismo climático

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Contando os meses para receber a COP-30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), maior evento sobre mudanças climáticas do mundo, Belém tem na disputa pelo segundo turno das eleições municipais um candidato com extenso histórico de desinformação ambiental.

Apontado como o “parlamentar mais antiambiental do Pará” em levantamento da Repórter Brasil, o deputado federal Delegado Éder Mauro (PL) já cortejou o negacionismo climático, mentiu para defender o garimpo e espalhou teorias da conspiração sobre queimadas.

Agora, ele suaviza o discurso para tentar se cacifar como anfitrião do evento da ONU.

“Eu não conheço nenhuma alegação por escrito, em lugar nenhum, de que o meu partido é contra as questões ambientais, e muito menos eu, e muito menos o presidente Bolsonaro”, disse o deputado à TV Liberal, afiliada da Globo no Pará, no último dia 15.

Já à Gazeta do Povo, o candidato declarou querer que “leis possam ser cumpridas para trazer proteção ao meio ambiente, sem prejudicar as pessoas que estão na terra para trabalhar”. A ressalva é uma defesa do agronegócio — setor que é o principal responsável pela perda de vegetação nativa no Brasil.

Na pré-campanha, o aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) contrariou a ciência ao dizer à Folha de S.Paulo que as enchentes que ocorrem há anos em Belém não têm relação com o aquecimento global e com o desmatamento. Em outras entrevistas, ele enganou ao insinuar que as mudanças climáticas teriam também causas naturais.

As afirmações contrariam um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que considera os humanos responsáveis por todo o aquecimento global nos últimos 200 anos.

Deputado Delegado Éder Mauro, homem de terno e gravata, com olhos e cabelos escuros, está diante de microfone na Câmara dos Deputados
Deputado alinhado ao bolsonarismo já minimizou impacto das mudanças climáticas nas enchentes que ocorrem em Belém (Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados)

Cruzada contra ONGs

O histórico de disseminação de desinformação do deputado, porém, é bastante anterior à eleição. No governo Bolsonaro, Mauro fez parte da tropa de choque que usava as redes para defender a atuação do então presidente na área ambiental — por vezes, divulgando afirmações infundadas.

No relatório de 2024 do projeto Amazônia Livre de Fake, do coletivo Intervozes, o parlamentar aparece como um dos principais desinformadores da região. Ele já tinha sido citado no documento divulgado no ano anterior pelo mesmo projeto.

Em 2019, quando os focos de incêndio na Amazônia cresceram 30% na comparação com o ano anterior, Mauro mentiu mais de uma vez para acusar a esquerda e ONGs de atearem fogo “de propósito” na floresta. O objetivo, segundo ele, seria jogar a opinião internacional contra o governo.

Também naquele ano, o deputado replicou uma teoria conspiratória difundida por Bolsonaro ao comentar a prisão de quatro brigadistas em Alter do Chão (PA), acusados de atear fogo na mata. Segundo Mauro, eles seriam “terroristas ligados às ONGs, que tiravam dinheiro de atores, como de Leonardo DiCaprio, e de organismos internacionais”.

Suspeitando da condução do caso, o governo do Pará trocou o delegado responsável pela investigação, e a Corregedoria da Polícia Civil foi acionada.

Em 2021, o Ministério Público Federal determinou o arquivamento do inquérito conduzido paralelamente pela PF sobre o caso por constatar que “não foram encontrados indícios mínimos que pudessem levar à autoria do crime”. No ano passado, o Ministério Público do Pará também encerrou a investigação sobre a ONG na qual os voluntários atuavam.

Garimpo de ‘baixo impacto’

A desinformação ambiental também permeia a atuação de Mauro como deputado federal. Em 2019, o parlamentar apresentou o PL 5.246/2019, que tenta fragilizar o licenciamento ambiental de lavras garimpeiras ao transferir a responsabilidade para os municípios.

No mesmo ano, o deputado também apresentou uma proposta que autoriza a instalação de garimpos “de pequeno porte, individuais ou de cooperativas”, dentro de Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Segundo ele, essas lavras “possuem baixo impacto e são de fácil mitigação”, o que não se sustenta.

Estudo do Climate Policy Initiative com a PUC-Rio, por exemplo, já mostrou que a atuação de cooperativas de garimpeiros na Amazônia alcança dimensões industriais.

Outro relatório, publicado em 2023 pelo Instituto Escolhas, chega a conclusões similares. O documento ressalta também que, entre 2012 e 2021, a área total dos garimpos na Amazônia dobrou e “tal expansão veio acompanhada de graves impactos ambientais (como a degradação de áreas de floresta e rios, que não se recuperam naturalmente)”.

Vista área de floresta mostra regiões desmatadas e com água acinzentada
O povo Munduruku é uma das principais vítimas do garimpo na região amazônica (Amazônia Real)

Ao lançar mercúrio nos rios, os garimpos também contaminam os peixes e causam danos à saúde das populações ribeirinhas e indígenas. No caso dos Munduruku — segunda etnia mais afetada pelo problema no Brasil — nascimentos de crianças com doenças neurológicas, como malformações e atrasos no desenvolvimento, são comuns.

Questionado sobre sua atuação pró-garimpo na entrevista à TV Liberal, Mauro mentiu ao afirmar que seus projetos “são ambientais”. “Esses [garimpeiros], que muitos consideram como antiambientalistas, a gente quer exatamente regulamentar a situação deles, e os meus projetos são exatamente nesse sentido, para que eles possam explorar de forma correta”, afirmou.

Maurício Angelo, diretor-executivo do Observatório da Mineração, considera falacioso dizer que a regularização do garimpo tornaria a atividade favorável ao meio ambiente.

“Não existe nenhum exemplo no Brasil e no mundo de garimpo sustentável, garimpo que esteja ‘ok’”, afirma Angelo, explicando que nem “a minoria dos garimpos que supostamente estão dentro das regras” podem ser considerados “ambientais”.

Avenida da discórdia

Concorrente de Mauro na disputa pela prefeitura de Belém, o deputado estadual Igor Normando (MDB) embala sua campanha na boa avaliação do primo e padrinho político, o governador Helder Barbalho (MDB), que tem 67% de aprovação entre os eleitores da capital paraense e é uma das poucas lideranças não bolsonaristas na Amazônia.

Ao longo de sua carreira, Normando empunhou a bandeira da causa animal e, agora, se vale do contraste com Mauro para se colocar como a opção “mais sustentável”. Seu currículo, porém, não está imune à desinformação ambiental, ainda que em menor escala.

No dia 15 de junho, o deputado emedebista usou sua conta no X para divulgar a assinatura da ordem de serviço para a construção da avenida Liberdade, uma das principais ações de mobilidade previstas nos preparativos para a COP-30.

“A nova avenida Liberdade vai reduzir os riscos de acidentes, aliviar os congestionamentos e, principalmente, preservar o nosso meio ambiente”, escreveu o então pré-candidato no post. Ambientalistas, porém, têm criticado a construção da via justamente por seu impacto ambiental.

Post do candidato no X no qual se lê ‘A nova avenida Liberdade vai reduzir os riscos de acidentes, aliviar os congestionamentos e, principalmente, preservar o nosso meio ambiente. O Governo do Pará segue trabalhando para melhorar a infraestrutura e a qualidade de vida em nossa cidade. #belem #avenidaliberdade’. Abaixo está o frame de um vídeo com o governador, um homem branco de camiseta escrito ‘Avenida Liberdade’, cercado de outras pessoas caminhando ao ar livre.
Igor Normando minimiza impacto ambiental de avenida ao divulgar obra de seu primo, o governador Helder Barbalho (MDB) (Reprodução/X)

Em um trecho de 13,3 quilômetros de pista dupla, a avenida vai cortar a Área de Proteção Ambiental Metropolitana de Belém, perto do Parque Estadual do Utinga — que protege a maior reserva de água potável da cidade.

Leandro Valle Ferreira, doutor em Ciências Biológicas e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi explica, em artigo enviado ao Aos Fatos, que o traçado acabará dividindo a floresta e isolando trechos da mata. Isso pode provocar alterações microclimáticas nas bordas da floresta e aumentar o risco de mortalidade e danos à vegetação e à fauna.

Em entrevista ao Aos Fatos, o pesquisador ressalta que o fato de o projeto prever passagens para a travessia de animais não reduz o prejuízo que a obra trará para o bioma.

Tratores e caminhões operam em pista de terra aberta em meio a região de mata
Avenida Liberdade, cuja construção deve cortar área de proteção ambiental, foi defendida pelo candidato Igor Normando (Pedro Guerreiro/Agência Pará)

Ele pondera que a ligação visa “tentar melhorar o trânsito caótico” da cidade, mas lembra que o governo estadual tinha outras opções de traçado para o projeto, com menor impacto ambiental. As alternativas, porém, exigiriam intervenções em bairros do entorno da estrada, o que seria “politicamente complicado”.

A obra também deverá afetar comunidades tradicionais, entre elas o Quilombo do Abacatal.

A avenida Liberdade não é a única obra para a COP-30 criticada por ambientalistas. A duplicação da rua da Marinha, que prevê a remoção de 34,92 hectares de duas áreas de vegetação preservada, é alvo de uma ação civil pública e teve seu licenciamento ambiental negado inicialmente pela Prefeitura de Belém.

Outro lado

Aos Fatos pediu posicionamento para Éder Mauro por meio de sua assessoria de imprensa, mas não obteve retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto.

A reportagem também enviou um pedido de posicionamento para a assessoria de Igor Normando, por email, e este texto será atualizado em caso de resposta.

O caminho da apuração

A reportagem analisou discursos, podcasts, entrevistas e redes sociais dos candidatos que disputam o segundo turno em Belém. Os vídeos foram submetidos ao Escriba, ferramenta de transcrição automática desenvolvida pelo Aos Fatos.

A análise identificou e organizou em uma tabela as frases dos pré-candidatos relacionadas à temática ambiental. Depois, foram consultados artigos, relatórios de ONGs e especialistas para verificar se estavam corretas. Por fim, a reportagem procurou os candidatos para que se posicionassem.

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